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quinta-feira, 30 de novembro de 2023

Diálogos em memórias com Paulo Gajanigo

 Entrevistado: Prof. Dr. Paulo Rodrigues Gajanigo[i]

Thaymara Assis: Professor, a primeira pergunta que eu gostaria de fazer, é sobre sua principal  memória da UFF Campos. Quando você pensa em UFF Campos, o que vem em sua lembrança?

Paulo Gajanigo: Quando você fez o convite, eu até roubei um pouquinho de informação da  Mariele, pedindo um briefing do que se tratava e ela me disse que tinha a ver com  memória, e eu pensei: "Caramba! Sobre memória, que difícil!" A primeira memória que tenho daqui é que eu encontrei um espaço extremamente intenso e onde os alunos se sentiam muito à vontade. Essa é a minha impressão. As memórias mais vivas que eu tenho são das iniciativas em que eu estive envolvido, que eram lideradas e impulsionadas pelos  estudantes e isso foi uma experiência nova na universidade para mim. Eu e o professor Augusto fizemos um projeto de extensão, em 2013, somando nossos interesses em estudar redemocratização. Lembro que logo o projeto foi inundado por alunos e tomado por eles. Tivemos que mudar todo o rumo dele porque percebi que eles tinham a necessidade de ter um espaço para se expressar artisticamente. Então, quando penso em UFF Campos, imagino esse espaço em que os alunos construíram a partir de vivências, como as mostras de artes que fizemos. Isso torna o campus muito rabiscável. Essas são memórias que me vêm à cabeça, não é de um fato específico. Aqui eu tenho essa sensação de vila. Me sinto como em uma praça, onde a gente está sempre no centro do campus, na cantina, por exemplo, e as interações são estabelecidas de forma ampla, de modo que os cursos não se dividem tanto. Recentemente, eu fui visitar a obra do novo prédio e pensei onde ficaríamos, pois não tem nenhum pilotis para ficarmos embaixo, ou ficamos dentro do prédio ou no lado de fora no sol. Acho que com o tempo vamos ter que obrigatoriamente inventar esse espaço. Esse foi o maior estranhamento quanto a esse espaço que ainda é a UFF  Campos, ainda que seja uma arquitetura meio que enlatada, ela é amigável.

Thaymara Assis: Como a UFF Campos refletiu na sua trajetória profissional? Como você  enxerga esse desenvolvimento profissional baseado nas suas experiências vividas dentro  da UFF Campos?

Paulo Gajanigo: Vou dramatizar um pouco, mas acho que a minha trajetória acadêmica  renasceu aqui na UFF Campos. Eu trago muita pouca coisa do doutorado em relação ao  que faço hoje. Entrei aqui em 2012, logo depois de ter defendido o doutorado, uns dois ou três meses depois. E eu queria entrar aqui de cabeça, sem ficar pensando para onde eu iria em relação à linha de pesquisa, eu queria fazer um monte de coisas que eu nunca tinha feito na minha vida. Eu tinha uma experiência razoável de quatro ou cinco anos dando aula, mas tem muita coisa além de dar aula na função de docente, então me dediquei a isso e estava muito aberto a ouvir os alunos. A gente foi construindo coisas que eu não imaginava. 

Hoje pesquiso abertura política no país e isso surgiu a partir de um projeto de extensão que foi construído basicamente em conjunto com esses alunos e com as iniciativas deles. A arte não era algo com que eu trabalhava até eles proporem isso e, então, trabalhamos a abertura política com arte e hoje isso reflete de certa forma no meu trabalho e sua temática. O giro que dei na minha carreira com relação ao interesse de pesquisa, de gostar de equipes, de pessoas e trabalhar junto, só tive aqui. Então a UFF Campos é 80% do que é a minha carreira acadêmica hoje, a marca dela. A temática eu desenvolvi aqui através de muitos diálogos com os estudantes e com a coletividade que eu não tinha, até porque a carreira acadêmica, em geral, é muito solitária. O doutorado e o mestrado são solitários. Você passa muito tempo sozinho sentado com a sua cabeça. Sei que tem experiências mais coletivas, mas, particularmente, nunca fiz parte de grupos ativos de pesquisa por longos períodos, então minha trajetória foi mais solitária  até a UFF Campos e isso me marcou bastante. E hoje identifico no que eu faço muito mais o que desenvolvi aqui na UFF Campos, do que carrego do mestrado, do meu doutorado ou da minha graduação. Eu fui professor substituto por um ano na UFF Niterói em 2011, durante meu último ano no doutorado. Essa foi minha primeira experiência na UFF, só que em Niterói. Minha  graduação e mestrado foram na Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP) e doutorado na Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). Todas essas experiências foram muito diferentes umas das outras e tenho um carinho enorme por elas. Aqui na UFF Campos encontrei um ambiente acolhedor, apesar das dificuldades.

Thaymara Assis: Professor, poderia nos contar sobre algum fato curioso que você tenha  presenciado nesse espaço da UFF Campos?

Paulo Gajanigo: É uma bobagem de corredor, mas foi muito divertido. Aqui todo mundo vê e todo mundo especula muito. Eu tinha um colega que não trabalha mais no departamento e estávamos fazendo apuração de votos das eleições de alguma coisa, não lembro se era para a coordenação ou chefia. As eleições se encerraram às 22h da noite e fomos fazer a contagem dos votos em uma salinha das Ciências Sociais. Às 23h30 saímos daquela sala acabados, descabelados e suados. Só sei que correu um boato sobre nós dois naquele dia, boato esse que nunca negamos nem falamos nada sobre, porque boato bom é assim. Quando descobrimos que esse boato era forte, tinha gente que dizia com muita certeza, que tinha informações que éramos um casal. Nunca desmentimos porque o boato era mais legal que a realidade.



[i] Professor Associado de Sociologia do Departamento de Ciências Sociais da Universidade Federal Fluminense, professor permanente do Programa de Pós-Graduação em Sociologia Política da UENF, e professor colaborador do Programa de Pós-Graduação em Cultura e Territorialidades da UFF. Possui graduação em Ciências Sociais pela Universidade Estadual de Campinas (2003), mestrado em Antropologia Social também pela Unicamp (2006) e doutorado em Ciências Sociais pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (2012). Realizou estágio pós-doutoral na Media Film and Music School na University of Sussex (2019). Tem experiência na área de Teoria Social e Estudos Culturais, atuando, principalmente, nos seguintes temas: Identidade, Cultura, Democracia e Classe.

 

terça-feira, 28 de novembro de 2023

Diálogos em memórias com Raquel Brum

 

Foto: Acervo pessoal da professora Raquel Brum

Entrevistada: Profª Drª Raquel Brum Fernandes da Silveira[i]

Thaymara Assis: Professora, qual é a sua principal memória na UFF Campos?

Raquel Brum: Estou na UFF Campos desde 2016, então nesses sete anos tenho alguns momentos, bastante memórias e experiências que me marcaram. Uma delas foi a Semana de Ciências Sociais, em 2019. Estávamos comemorando 10 anos de curso, eu era coordenadora da licenciatura na época e membro da comissão organizadora. Foi um evento muito trabalhoso, como sempre é, principalmente por ser um evento de vários dias. Então me lembro que ficamos muito tempo pensando a programação e fazendo certificados para professores e alunos. Mas foi muito legal, tivemos muitas mesas e atividades interessantes. Participei da mesa que falou sobre o surgimento do curso e tivemos professores que estavam no início de tudo e contaram toda a história do Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais (REUNI) e do surgimento desses novos cursos da UFF Campos. Os grupos de pesquisa se apresentaram e mediei uma mesa sobre o que os professores do COC estavam pesquisando naquele momento. Cada um falou sobre seus livros e temas de trabalho. A Semana de Ciências Sociais de 2021 também foi marcante, mas por ser remota não tivemos contato com o campus.

Thaymara Assis: Qual foi o impacto da UFF Campos em sua trajetória profissional?

Raquel Brum: Quando entrei na UFF Campos, havia terminado o doutorado há dois meses apenas. Até então, eu já tinha tido uma experiência de professora substituta na Universidade Estadual do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) durante o doutorado e o resto da minha experiência foi na educação básica pública, federal e particular bastante variada. Quando passei no concurso para Campos, eu não sabia muito como ia ser essa experiência da dedicação exclusiva, pois quando era substituta na UERJ, eu trabalhava em vários outros lugares ao mesmo tempo, cheguei a dar aula em 5 lugares diferentes ao mesmo tempo. Como era bem segmentado, não tinha como fazer pesquisa, não fazia extensão, era focado apenas em dar aulas. Então quando cheguei na UFF Campos, foi a primeira vez que eu tinha um emprego só. Era efetivamente uma dedicação exclusiva. Com isso, consegui organizar melhor os meus interesses de pesquisa e de ensino como, por exemplo, ministrar aulas optativas, e tentar combinar tudo isso, de modo que eu conseguisse caminhar em direção aos meus objetivos de pesquisa na área. Então, na UFF Campos foi onde eu consegui desenvolver com mais liberdade meus interesses.

A primeira pesquisa que iniciei foi a sequência da minha tese de doutorado defendida no Rio de Janeiro, sobre projetos sociais para juventudes periféricas. Trouxe para Campos exatamente para iniciar um mapeamento na cidade, sobretudo de projetos sociais que trabalhassem com juventudes de regiões periféricas. Essa pesquisa durou de 2016 até 2019, quando iniciou a pandemia, encerrei-a temporariamente, pois já temos algumas publicações e um bom mapeamento da questão. Passaram vários estudantes nesse projeto e consegui desenvolver e pensar da minha forma com mais liberdade sobre o que me interessava. Já estou no terceiro projeto de pesquisa na UFF e fui seguindo dessa maneira mais livre.  Continuo até hoje participando dos grupos de pesquisa na UERJ e Colégio Pedro II, grupos esses, que eu já participava antes de entrar na UFF, mas são grupos coletivos, onde eu não sou a mentora e coordenadora. Poder fazer pesquisa do meu jeito, em que alunos contribuem com seus saberes e, juntos, traçarmos as direções com mais liberdade, é algo que a UFF me proporciona e me marca muito.

Hoje, 7 anos depois, eu já entendo melhor o ritmo dos alunos e o que funciona melhor dependendo das limitações do nosso campus. A pouca possibilidade de espaço que temos, nos faz alternar as salas uns com os outros. Já fiz muitas reuniões de pesquisa em cafeterias da cidade. No próprio campo, por exemplo, lembro de um projeto de pesquisa que fizemos, que assim que terminamos, saímos da entrevista e fomos para um local próximo no próprio campo, devido à falta de disponibilidade do pequeno número de salas do nosso campus. Hoje eu sei bem como isso funciona e já sei que nem sempre posso contar com as salas e com o espaço físico da UFF. Mas sei que existe nos alunos um interesse de participação muito significativo e isso é uma das coisas que mais me impactaram em minhas pesquisas. Essa falta de estrutura física e ao mesmo tempo um enorme interesse dos alunos que nunca faltam nos grupos de pesquisa.

Thaymara Assis: Poderia nos contar algum fato curioso que você vivenciou na UFF Campos?

Raquel Brum: Uma experiência pessoal que acho interessante, é que na coordenação lidamos muito com questões que não estamos preparados. Algumas situações que chegam são curiosas. A faixa etária da maioria dos alunos é jovem, e sofre a influência do limbo que é a transição da adolescência para a vida adulta, onde se inicia o processo de autossuficiência e independência, e a família às vezes não sabe até que ponto interfere. Uma vez um grupo de alunos foi até à coordenação realizar um trabalho de campo para uma determinada disciplina e a atividade acabou levando muito mais tempo do que estava programado. Com isso, acabamos recebendo algumas ligações de pais de alunos perguntando sobre eles. Mas teve uma mãe em específico que veio até nós exigindo informações sobre o paradeiro da filha dela. Esse fato foi curioso porque não fazíamos a menor ideia de onde estava essa aluna. A mãe foi categórica em achar que tínhamos que saber onde estava sua filha por sermos a coordenação do curso, mas isso tem relação com a perspectiva de escola que alguns carregam. Em uma universidade tudo é diferente, não temos controle sobre os alunos. Até descobrirmos onde estava a aluna, por meio de quadros de horários, cruzando as informações que recebíamos de outros pais que estavam entrando em contato também, houve muita insatisfação dessa mãe que acreditava que tínhamos que garantir o paradeiro de sua filha. Nós não trabalhamos com esse hábito justamente por trabalharmos em uma universidade que é frequentada por adultos, independentemente se eles estão iniciando sua vida adulta agora ou não. E é uma situação bem imprecisa, pois até que ponto temos o direito de passar informações de alguém que é maior de idade para a família? É uma situação com muitas nuances. Essa experiência de como administrar a família me marcou muito. Eu nunca imaginei que teria que lidar com esse elemento surpresa.



[i] Raquel Brum Fernandes é Bacharel e Licenciada em Ciências Sociais pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (2008). É Mestre (2010) e Doutora (2015) pelo Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da Uerj. É professora adjunta do Departamento de Ciências Sociais da Universidade Federal Fluminense em Campos dos Goytacazes e atua como coordenadora do curso de Licenciatura em Ciências Sociais. É coordenadora de núcleo do Programa Residência Pedagógica e líder do Laboratório de Pesquisa em Ensino de Ciências Sociais (Lapecs) da UFF Campos.

 


domingo, 26 de novembro de 2023

Diálogos em memórias com George Gomes Coutinho

 

Foto: Acervo pessoal do prof. George Gomes Coutinho


Entrevistado: Prof. Dr. George Gomes Coutinho
[i]

Thaymara Assis: Professor, qual a sua principal memória na UFF Campos?

George Coutinho: Entrei na UFF Campos em 1998. Fiz a graduação e depois retornei como docente em março de 2010. Então, eu posso dizer que tenho uma longa história na UFF. São doze anos de docência e quatro anos e meio de graduação, portanto, eu tenho, aproximadamente, dezesseis anos na UFF.

Uma questão que me ocorre de imediato, que inclusive já conversei com a professora Mariele, foi a invasão do Tribunal Regional Eleitoral do Rio de Janeiro (TRE-RJ), na UFF de Campos, em setembro de 2018. Eu estava dando aula de Teoria Política IV em um container (que permanecem até hoje no campus) no bloco F, quando de repente ocorreu uma comoção intensa e, o então diretor da época, professor Roberto Rozendo, que estava dando aula de pós-graduação, foi interrompido em sala de aula, em ofício, pelo juiz eleitoral local, Ralf Manhães, acompanhado pela polícia eleitoral. Um tipo de agravante que não se tem memória nem em época de ditadura militar. O referido juiz ameaçou dar ordem de prisão ao diretor e, posteriormente, o arrombamento do diretório acadêmico Conceição Muniz. Recordo que cheguei uns minutos depois de arrombarem o diretório acadêmico, e lembro que encontrei o professor Hélio Coelho (in memoriam), um professor do Departamento de Fundamentos de Ciências da Sociedade (SFC) e ele também tinha sofrido ameaças de ordem de prisão. O professor Helinho precisou mostrar sua carteira da Ordem de Advogados do Brasil (OAB), já que ele era também advogado. Lembro dessa conjuntura de 2018 como algo que me marcou muito, uma espécie de prenúncio de violência política que, posteriormente, iria acontecer com muita frequência no Brasil todo através da Justiça Eleitoral de primeira instância, em diversos campi federais e estaduais e institutos federais. Para mim, esse foi um momento de fato muito marcante e Campos dos Goytacazes foi pioneira com relação a esse ocorrido. Depois aconteceu um escândalo na Faculdade de Direito em Niterói, com relação a uma faixa que continha frases contra o fascismo. Mais ou menos uma semana antes, a Justiça Eleitoral na época mandou retirar essa faixa e depois, o próprio corpo docente da faculdade de direito conseguiu recolocar e, por isso, houve discussões no Supremo Tribunal Federal (STF).

Claro que tenho memórias de momentos alegres na instituição, mas na minha perspectiva, em todos esses anos, o que mais me marcou foi esse momento de violência política na universidade. Estávamos em uma conjuntura desfavorável para o Estado democrático. Eu me senti violentado e violado, pois apesar de não saber se houvera um acontecimento como esse registrado, particularmente, foi minha primeira vez me deparando com algo do tipo. E no final das contas, o que foi apreendido foi um pacote de panfletos que estavam em um armário de um estudante. Aquilo não configurava propaganda eleitoral irregular conforme as leis das eleições. Aquilo não configurava crime. Eu achei de uma violência à universidade e ao Estado Democrático de direito. E foi um momento tenso todo o período das eleições do anterior governo federal. Tenho essas recordações guardadas, apesar de não serem agradáveis, sempre quando falo sobre isso fico bastante emocionado, fui para o espaço público através de denúncias e publicações colaborando com a imprensa. Disse para eles que eu não esqueceria e fiz isso.

Continuo tocando nessa questão, pois para mim, se tornou uma pauta não apenas política, mas pessoal. Foi um trauma. Eu tenho hobbies peculiares e um deles é ler sobre psicanálise e afins, gosto de relacionar com a questão do trauma que, dentro de algumas discussões à respeito, recomendam que para você eliminar o trauma, é preciso algum tipo de restituição, de modo que você não fique congelado na situação traumática e passe adiante na sua história. Então, um dos meus objetivos é que essa questão seja reconstruída, onde o TRE local peça desculpas à comunidade universitária. Nunca o fizeram e, portanto, devem isso a nós.

 

Foto: Acervo pessoal do prof. George Gomes Coutinho

Thaymara Assis: Como a UFF Campos refletiu na sua trajetória profissional?

George Coutinho: Uma das minhas formações vem da UFF Campos. Existe um termo em latim - alma mater - que diz respeito ao retorno à sua origem e isso é algo que me identifico. Fiz minha formação na UFF e UENF como estudante de graduação e pós-graduação e, agora, estou como profissional da UFF Campos. Eu me ressinto um pouco em relação a uma certa precariedade no projeto de ampliação e interiorização da UFF. Sabemos que foi um acontecimento no Brasil todo e acredito que isso deixou uma marca no ensino superior. Com relação à infraestrutura do campus temos problemas advindos dessa precarização. Por outro lado, em uma questão de departamento, é como se fosse o meu parque de diversões no seguinte sentido: temos um corpo docente muito jovem, e isso é uma grande vantagem, sobretudo, para quem já passou por instituições consolidadas. Dessa maneira, não tem donos ou donas, como todos estão mais ou menos no mesmo momento de carreira, se têm a possibilidade de fomentar e criar oportunidades que não se tem em instituições e departamentos mais antigos. Nesse sentido, apesar do elemento de precariedade infraestrutural, temos uma configuração que abre as portas. Estou na UFF há 12 anos e cheguei antes do departamento. Eu fui o segundo chefe do departamento de Ciências Sociais e ajudei a implementar os regimentos, a criar rotina, e nesse sentido, é um espaço que me permitiu ser um cara que pode arriscar, criar, ter gestos mais ousados e criativos, sem ter um decano. Acho que o Departamento de Ciências Sociais (COC) foi e continua sendo um espaço de muita possibilidade criativa e acolhimento. Não há constrangimento na criação de projetos de extensão e pesquisa, é um belo espaço para o desenvolvimento dos pesquisadores, há uma plasticidade que é inerente a esse tipo de perfil que é muito interessante.

 

Foto: Acervo pessoal do prof. George Gomes Coutinho

Thaymara Assis: Poderia nos contar alguma curiosidade que aconteceu em sua trajetória na UFF Campos?

George Coutinho: Não sei se foi um dos momentos mais divertidos, mas quando fui o segundo chefe do departamento, eu tinha apenas 33 anos e era uns dos mais jovens. Eu tinha ainda cabelo comprido. E quando fazíamos concurso e recebíamos os colegas para participar de banca, olhavam para mim e perguntavam quem era o chefe de departamento e isso era muito engraçado. Quando fui para Icaraí, fizeram a mesma pergunta para mim, quem é o chefe do departamento? E eu achava aquilo divertido e não levava para o lado pessoal. A UFF Campos tem 60 anos e a UFF Niterói tem departamentos muito antigos. Então, a galera estava mais acostumada a ter chefes e colaboradores seniores. Hoje me lembro de forma muito cômica de toda essa situação. Tive uma reunião com o reitor e fui barrado na porta por não me identificarem como chefe do COC, mas depois acreditaram porque eu estava com a minha carteirinha comprovando meu título e consegui participar.

Outra memória que tenho é quando penso em ensino superior na nossa região. Eu tenho a impressão de que aqui há um certo ar de dramaticidade na relação da universidade e o meio social local. Um dos maiores exemplos disso é a UENF, onde tenho colegas que fizeram pesquisas com o tema dessa entrevista, sobre memória institucional, e o pessoal sempre comentava que em documentários e jornais, a UENF era mencionada pela comunidade local como um disco voador pousado na cidade e comandado pelas elites econômicas que vêm para a cidade, principalmente, por conta dos negócios da cana-de-açúcar. Temos também momentos divertidos em sala de aula, mas sempre quando penso em nossa relação com a cidade há sempre esse ar de dramaticidade, uma certa tensão e estranhamento. Não que seja de todo negativa, mas no geral tento manter o bom humor.

Foto: Acervo pessoal do prof. George Gomes Coutinho




[i] George Gomes Coutinho - Professor Adjunto III da área de Ciência Política da Universidade Federal Fluminense (Campos dos Goytacazes). Graduado em Serviço Social pela Universidade Federal Fluminense, bacharel em Ciências Sociais e Mestre em Políticas Sociais pela Universidade Estadual do Norte Fluminense. Doutor em Ciência Política pela Universidade Federal Fluminense (ICHF/DCP/PPGCP). É líder do Grupo de Estudos Álvaro Vieira Pinto.

 

 

quinta-feira, 23 de novembro de 2023

Diálogos em memórias Carlos Abraão Moura Valpassos

 Entrevistado: Prof. Dr. Carlos Abraão Moura Valpassos[i]

 

Thaymara Assis: Qual a sua principal memória da UFF Campos?

Carlos Abraão: Não sei se consigo falar no singular e eleger uma memória principal. É interessante que minhas principais memórias são sobre momentos de crises que tivemos aqui. Por exemplo, uma memória muito forte foi uma assembleia convocada de última hora sobre uma notícia a respeito da remoção dos contêineres. Circulou a história de que os contêineres seriam levados embora porque a empresa estava solicitando a retirada por motivo de falta de pagamento do aluguel. E essa situação gerou muita comoção. Todos se reuniram e foram para perto do prédio da direção e tivemos uma das maiores reuniões desse campus. No final das contas, os contêineres estão aqui até hoje, mas foi um momento de aflição.

Outra memória que eu tenho não foi boa. Era 2018 e estávamos no período eleitoral. Entrei no campus para dar aula e tinha um rapaz andando irritado no pátio, que eu suponho que era um policial à serviço de um juiz que recebeu uma denúncia sobre panfletos eleitorais guardados na universidade. Quebraram a porta do Centro Acadêmico (CA) e encontraram quatrocentos panfletos. Aquele punhado de papéis gerou muito estresse e resultou em uma porta que está quebrada até hoje.

Tem momentos legais também, como o retorno presencial após a pandemia. Durante a pandemia, eu vim ao campus algumas vezes para pegar documentos e era muito estranho. Frequentei a UFF até março de 2020 quando, apesar de não ter muito movimento, ainda havia pessoas. Quando voltei na segunda metade de 2020, vi a universidade “morta”. Tinha que pedir para abrir o portão. Você entrava e um funcionário te atendia de longe. O contraste desse cenário com o que a UFF era normalmente, um lugar ocupado, foi muito forte. Me recordo que em algum momento no final do semestre de 2019, já em dezembro, momento em que as obrigações discentes estavam sendo finalizadas, alguns poucos alunos ficaram para fazer a verificação suplementar (VS) e o campus estava vazio. Era um sentimento de que o local estava esvaziado, mas você sabia que iria voltar. Inclusive, eu o fotografei vazio, justamente porque ele contrastava com o cotidiano “normal”, mas a sensação não era tão incômoda como foi voltar aqui durante a pandemia. Quando voltei algumas vezes para resolver questões administrativas, passei a observar o número de gatos aumentando. Foi interessante acompanhar a transformação dessa população local, como os gatos reproduziram, em uma situação não adequada, mas eles tomaram conta do lugar nesse período. E como os seguranças começaram a alimentar esses gatos com ração, cuidando dos novos habitantes. O campus estava diferente.  Lembro também de quando fizeram uma ocupação no bloco C inteiro em meados do ano de 2016 ou 2017. Acamparam e improvisaram um refeitório. Foi uma experiência alterada no campus. Então, acho que foram muitos acontecimentos desde festas, confraternizações, eventos e palestras extremamente marcantes no auditório.

 

Thaymara Assis: Você ingressou como professor em 2013?

Carlos Abraão: Em 2016. Eu entrei quando os concursos estavam reduzindo, talvez tenha sido um dos últimos.

 

Thaymara Assis: Como a UFF Campos impactou na sua trajetória profissional?

Carlos Abraão: Boa pergunta! Foi uma mudança a vinda para a UFF. Eu sou de Campos, mas como todo bom campista, nasci no Rio. Por ser prematuro, o nascimento ocorreu lá, mas logo em seguida retornei e fui criado em Campos. Eu saí de Campos para estudar e trabalhar no Instituto de Humanidades da Universidade Cândido Mendes, na Candelária, onde contava com uma enorme heterogeneidade por consequência da abrangência de cursos como Ciências Sociais, Letras, Relações Internacionais etc. E o alunado era composto por gente de todas as partes da grande Rio. Então, era um público muito diverso. Posteriormente, voltei para fazer uma pós-graduação na Universidade Estadual do Norte Fluminense (UENF). Voltei para ficar em Campos e passei no concurso. A experiência de trabalho no interior, especificamente no contexto UFF Campos, foi uma questão, porque eu conhecia pouco as demandas do campus e tinha melhor compreensão do cotidiano de Niterói, onde fiz meu Mestrado. Mas sabia que o REUNI tinha especificidades que marcavam a rotina do ESR.

Eu conhecia a UFF Campos de quando havia somente o curso de Serviço Social e nessa época não tinha contêiner e nem bloco C. Cheguei e me deparei com uma bolha da cidade. Esse choque foi muito forte, porque era uma visão nítida de uma universidade pública e federal na cidade de Campos. Temos a UENF que também é uma universidade pública no mesmo contexto territorial, mas existe uma diferença de perfil. Na UFF encontra-se um corpo discente que me parece mais heterogêneo. Precisamos considerar que tem muitos cursos noturnos e o Instituto de Ciências da Sociedade e Desenvolvimento Regional (ESR) oferece formações majoritariamente na área de humanas. Têm os estudantes de Economia, que é o mais próximo que chegamos da área de exatas, mesmo assim há diferenças. Então, possuímos um eixo completamente voltado para as ciências humanas e isso gera um ambiente diferente de diálogos, vivências e trocas.

Algo que me pareceu muito interessante foi o próprio departamento de Ciências Sociais, composto por vinte e três docentes. Nunca tinha trabalhado em um departamento tão grande. Temos uma diversidade de formações e perspectivas teóricas que agregam muita riqueza ao departamento. Destaco também as possibilidades encontradas na UFF Campos. Aqui você tem a oportunidade de se dedicar mais à pesquisa, mesmo que existam inúmeras dificuldades para isso. Mas só por estar em uma universidade pública, já torna possível administrar melhor o tempo e os recursos para conduzir atividades de pesquisa. O trabalho não é voltado exclusivamente para a sala de aula tradicional.

Um setor que ainda precisamos desenvolver é a pós-graduação em Ciências Sociais, que ainda não temos e isso gera dificuldades para estabelecer uma agenda de pesquisas.

 

Thaymara Assis: Fazer parte dessa pesquisa mudou completamente minha percepção do que era lecionar na universidade. Realizando as entrevistas eu descobri que os professores fazem muito mais do que dar aula, eles trabalham muito na gestão e coordenam o curso. É o pilar da faculdade. É uma experiência incrível, como aluna, saber disso e percebi que a maioria dos professores entrevistados fazem a comparação entre universidade pública e privada, e como a UFF oferece liberdade para desenvolver pesquisa.

Carlos Abraão: Acho que a grande questão é o espaço de tempo que você tem para se dedicar à pesquisa que, inclusive, é esperado que seja feita. O próprio símbolo da UFF carrega o dizer “Ensino, pesquisa e extensão”. Há quem goste mais da sala de aula ou goste mais da pesquisa, mas eu, particularmente, não consigo enxergá-las desvinculadas.

A pesquisa sempre me estimulou a ler e me atualizar mais. Mesmo que tenha uma ementa pronta, você consegue remanejar e adicionar novos conhecimentos através do impulsionamento da pesquisa. Ela te possibilita dar aula sobre os mesmos assuntos, mas utilizando materiais diferentes. É a parte do nosso trabalho que mais nos estimula.

Quando a universidade pública te proporciona espaço para pesquisar, você consegue enxergar o porquê do predomínio das universidades públicas no ranking de melhores universidades. O desenvolvimento de pesquisas é um aspecto crucial para as dinâmicas acadêmicas: tanto para professores, quanto para estudantes. É nesse processo de pesquisa que está o cerne da formação acadêmica e da aplicação dos conhecimentos teóricos. Por isso, a associação entre ensino e pesquisa me parece o alicerce da formação de estudantes e do trabalho docente.  E vale ressaltar que quem faz ciência no Brasil não é laboratório privado, mas sim as universidades - em todas as áreas de conhecimento.

 

 



[i] É professor adjunto no Departamento de Ciências Sociais, no Instituto de Ciências da Sociedade e Desenvolvimento Regional (ESR) da Universidade Federal Fluminense (UFF). É também professor do Programa de Pós-Graduação em Políticas Sociais na Universidade Estadual do Norte Fluminense - Darcy Ribeiro (Uenf). Possui bacharelado em Ciências Sociais pela Uenf (2004), mestrado em Antropologia (2006) pelo PPPGA-UFF e doutorado em Antropologia Cultural pelo PPGSA/IFCS/UFRJ (2011). Coordena o Atelier de Etnografias e Narrativas Antropolíticas (ATENA) e é pesquisador do INCT-InEAC.

 

terça-feira, 21 de novembro de 2023

Diálogos em Memórias com Carlos Eugênio Soares de Lemos

 

Fonte: Acervo pessoal do prof. Dr. Carlos Eugênio Soares de Lemos

Entrevistado: Prof. Dr. Carlos Eugênio Soares de Lemos[i]

 

Thaymara: Professor, qual é a sua principal memória da UFF Campos?

 

Prof. Eugênio: A minha primeira memória é sobre a coordenação da Universidade para a Terceira Idade (UNITI), um projeto de extensão que assumi juntamente com outros colaboradores. Nós ganhamos alguns editais que possibilitaram a construção do nosso laboratório de informática, clube de xadrez, aulas de memória, coral e teatro, que atendiam/atendem a cerca de 500 idosos. Meu primeiro contato com a UFF foi através da minha pesquisa sobre envelhecimento, quando fui convidado para ministrar algumas palestras no projeto. Depois de um tempo, passei no concurso para a UFF em Campos. Então, quando eu cheguei na UFF, já tinha uma ideia direcionada de que iria trabalhar com a terceira idade. Eu fiz isso por cinco anos, depois me voltei para outros temas como a interface Linguística/História. Aprendi através de muitas trocas. Assim, algumas oportunidades se abriram para mim, tanto no campo da pesquisa quanto no da extensão. Enfim, trago muitas memórias afetivas do projeto UNITI, dos colegas com os quais trabalhei (Cecília, Silvia, Sylvio, Juliana, Ângela) e alguns já não estão por aqui, dos alunos de terceira idade com os quais tive contato e guardo boas lembranças. Também existem algumas produções audiovisuais que realizamos, curta metragens sobre os temas como: Direito ao envelhecimento, violência contra o idoso, aspectos biopsicossociais do envelhecimento, por exemplo. Essas lembranças eu sempre levarei comigo.

Além disso, me lembro da correria que vivenciamos no campus para expandirmos em função dos novos cursos e turmas que entrariam em 2010. Estávamos estruturando tudo, fazendo os concursos, organizando cursos, vendo os números das salas, e tínhamos que correr atrás de espaço. Foi um período muito difícil, e isso me remete ao fato de que havia a promessa de que no ano seguinte a minha entrada, em 2009, teríamos o prédio da XV de Novembro (novo prédio da UFF Campos). Já se passaram quinze anos dessa promessa.

                        Fonte: Acervo pessoal do prof. Dr. Carlos Eugênio Soares de Lemos

Thaymara: Como a UFF Campos refletiu na sua trajetória profissional?

 

Prof. Eugênio: Na realidade, eu vim do Instituto Federal Fluminense (IFF). Em 2008, passei no concurso do IFF e da UFF. Primeiro, fui trabalhar no IFF, no campus de Búzio/Cabo Frio. Meses depois, fui chamado pela UFF. Meu grande objetivo não era a universidade. Na realidade, eu tinha uma trajetória de mais de quinze anos na Educação Básica. Quando entrei no IFF, me sentia confortável com a minha função (professor de História), pois estava em uma instituição muito boa, ao lado de colegas e dando aula sobre o que eu gostava. Mas ao ser chamado pela UFF foi um grande desafio, pois teria que me voltar para a formação de professores. Trabalhei em universidade privada, mas, infelizmente, não se tinha muita estrutura e, em grande parte, a formação se resumia a um fim mercadológico, sem a preocupação com a formação, extensão e pesquisa. Na UFF, teria/tenho a oportunidade de formar com mais qualidade. Por isso, aceitei esse desafio! Eu também sabia que, com a passagem do tempo, eu ficaria mais cansado ao trabalhar com o Ensino Médio. Então, trabalhar com adultos e discutindo assuntos de que eu gostava/gosto seria mais apaixonante. Tudo isso impactou a minha trajetória , principalmente, devido as especificidades que a Universidade demandava e demanda, tive que me dedicar a questões como ensino, gestão, pesquisas, extensão, orientações e produção de artigos.

 Fonte: Acervo pessoal do prof. Dr. Carlos Eugênio Soares de Lemos

Thaymara: Poderia nos contar um fato curioso que você presenciou durante sua trajetória no campus?

Prof. Eugênio: Apesar de não ser, diretamente, comigo, presenciei alguns fatos curiosos no campus que são dignos de registro. Um deles foi durante a eleição do ex-presidente, Jair Bolsonaro, em que a UFF ficou muito visada. O Instituto de Ciências da Sociedade e Desenvolvimento Regional está instalado em uma cidade muito reacionária, que possui um doloroso passado escravista e uma dívida sem tamanho com as minorias, principalmente as pessoas pretas, pobres e periféricas. A expansão da UFF, aqui, em Campos dos Goytacazes, trouxe consigo muitos pesquisadores e professores comprometidos com diferentes causas sociais. Nesse comprometimento, acabamos incomodando com o nosso trabalho por meio de pesquisas, extensões, ensino, postagens, publicações, organizações de movimentos e manifestações. Por isso, acabamos sendo considerados rebeldes, incitadores, outsiders e contrários a certa ordem estabelecida.

                                 Fonte: Acervo pessoal do prof. Dr. Carlos Eugênio Soares de Lemos

Na ocasião da eleição de 2018, fomos muito visados, e a polícia veio parar aqui no campus. Veio também a justiça eleitoral, e houve um enfrentamento com a comunidade acadêmica. Nós sofremos perseguição/denúncias de gente que se apresentava como defensores do status quo. Eles diziam que trabalhávamos com ideologia de gênero e comunismo, ou com sei lá o que imaginavam de subversão. Havia muita fantasia (distorção) nutrida por aqueles que falavam de nós sem nunca terem entrado na universidade, sem saberem que aqui temos um espaço diverso, de debate e reflexão, de diferentes colorações ideológicas. Evidentemente, onde há reflexão, haverá incômodo. A UFF, assim como a Universidade Estadual do Norte Fluminense (UENF) e o IFF, são instituições importantes para o processo de modernização da cidade. São dolorosas as reflexões que nos propomos fazer, pois partimos sempre do fato de que não há crescimento sem dor, sem analisar a nossa própria miséria. Então, como servidores públicos, nesse sentido, fica o registro de todos os ataques difusos que nós sofremos e resistimos, respondemos não contra-atacando, mas com mais extensão, ensino, pesquisa e formando bons profissionais para a nossa comunidade e outros lugares do país.

                            Fonte: Acervo pessoal do prof. Dr. Carlos Eugênio Soares de Lemos



[i] Professor Associado IV do Departamento de Ciências Sociais da UFF, possui Graduação em História pelo Centro Universitário Fluminense (UNIFLU/FAFIC - 1995), Graduação em Letras- Português - (UNESA/2022), Especialização em História do Brasil pela UFF/Niterói (1997), Pós-graduando em Educação Especial e Novas Tecnologias (UFRRJ/CEDERJ/2023), Especialização em Psicanálise pela Faculdade de Medicina de Campos (FMC/2016), Mestrado em Comunicação pela ECO/UFRJ (2002), Doutorado em Ciências Humanas (Sociologia) pelo IFCS/UFRJ (2007), Pós doutorando em História pelo PPGH da UFES (2022). Atualmente, é colaborador no projeto de extensão "Motirõ em Redes: memória, patrimônio e cultura", pesquisador do Laboratório de História Regional do Espírito Santo e Conexões Atlânticas (LACES/UFES), Imagina-Sul - Grupo de Estudos e Pesquisas da Imaginação e do Pensamento Político- Social no Sul do Mundo, e do Laboratório de Pesquisa em Ensino de Ciências Sociais (LAPECS).

quarta-feira, 15 de novembro de 2023

Diálogos em memórias com Glaucia Maria Pontes Mouzinho

 Entrevistada: Profª Drª Glaucia Maria Pontes Mouzinho[i]

 

Thaymara Assis: Professora, qual é a sua principal memória na UFF Campos?

Glaucia Mouzinho: Certamente tenho mais de uma memória significativa, mas acho que minha principal memória foi a minha chegada na UFF Campos. A primeira turma que tive foi de Ciências Sociais que, inclusive, era a primeira turma do curso de Ciências Sociais da UFF Campos. Quando entrei na turma estava no terceiro período, praticamente no meio do curso e foi minha primeira experiência com os alunos da UFF Campos. Foi uma turma sensacional, pois eram os primeiros, então eram muito unidos, apesar dos conflitos entre eles, que eram todos resolvidos abertamente. Era uma turma de pessoas muito interessadas, com as leituras sempre em dia e os debates eram sempre muito polêmicos em sala de aula. Me lembro de um debate em específico, sobre Lévi Strauss, em que um dos alunos, hoje doutor em sociologia pela Universidade Estadual do Norte Fluminense (UENF), um grande amigo, cismou que aquela história sobre incesto em Lévi Strauss, era um grande absurdo. Foi uma discussão acalorada por toda a turma na época, apesar dessa discussão parecer um pouco ingênua. Nessa turma surgiram muitos amigos que trago comigo até os dias de hoje. Não sei se por conta de serem a primeira turma do curso de Ciências Sociais da UFF Campos, mas havia muito respeito pela figura do professor, não havia uma distância hierárquica entre nós, os pronomes de tratamento não eram tão usados, todos nós nos chamávamos pelos nomes, tudo isso com muito respeito. A diversidade que observávamos nas turmas de Ciências Sociais, e que se manteve e foi ampliado nas turmas seguintes, acho que é algo que me marca até os dias de hoje. Essa memória que não está só no passado, mas no presente também. 

Temos uma grande qualidade e diversidade dos alunos que temos na UFF Campos e isso fica muito evidente por meio da nossa estrutura pequena, que não é tão nítida em outros campi. As conversas que os docentes tinham no Chiquinho também me marcaram muito. Dizem que as memórias são seletivas. Então essa memória é boa porque me marca muito. É sobre a universidade em que acredito, dos alunos que tive e ainda tenho, sobre as relações de amizades com meus futuros colegas na área.

Thaymara Assis: Qual foi o impacto da UFF Campos em sua trajetória profissional?

Glaucia Mouzinho: Eu tinha muitas histórias trilhadas antes de entrar como docente na UFF Campos. Estudei na UFF, fui discente por muitos anos no mestrado e doutorado, fiz vários projetos na UFF com um grupo grande do qual pertencia e que ainda faço parte, coordenando cursos de extensão, dando aula como doutoranda e como professora substituta. Tive trabalhos anteriores em outros lugares também, como na Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz). Acho que a UFF Campos me impactou muito por conta do momento em que entrei na universidade pública como docente. Era um momento marcado pelo Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais (REUNI). Tivemos uma diferença evidente entre os alunos. Uma multiplicidade, diversidade e inclusão muito grande de alunos que antes não eram frequentadores da universidade pública. Foi uma experiência emocionante e indescritível. Como antropóloga que se impacta com a descoberta de um novo mundo, poder observar a formação, a vivência, a linguagem e os problemas que as pessoas trazem que podem ser problemas sociológicos importantes e que os alunos de todos os lugares do Brasil trouxeram com o Sistema de Seleção Unificada (SISU). Tive alunos de vários lugares e estados como de Rondônia e de Belém.  

Durante a pandemia tive acesso a casa das pessoas por meio das aulas transmitidas via Google Meet e isso também mostra as facilidades de uns e as restrições, sobretudo, materiais de outros.  O que ouvi e tem a ver com esse momento, foi uma aluna que já estava se graduando, e na saída do campus ela me disse que estava muito feliz por estar se formando, mas mais feliz ainda pelos pais dela, que não estudavam há muito tempo e iriam fazer a prova do Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM) para tentarem uma vaga na universidade pública. Esse foi um impacto que ainda ressoa em mim, talvez outros colegas que façam parte de outras universidades com muito mais estruturas não percebam com tanta clareza, mas nós que temos nossa proximidade física ocasionada pelo que nos falta, conseguimos vislumbrar. 

Tenho feito muitos trabalhos com os alunos do primeiro período e um fato muito interessante também, é que alguns quando chegam acham esse espaço péssimo pela falta de prédios e estruturas clássicas de uma universidade, mas quando se acostumam com a rotina nesse entorno, veem diferente esse espaço e mudam de opinião. 

Outro momento importante foi o estabelecimento dos coletivos dos alunos. Eu vi de perto esses coletivos se formarem, como o Coletivo das Mulheres, o Coletivo Mercedes Batista e o Coletivo dos Alunos Pretos. Tivemos muitos eventos bacanas organizados por eles, como as aulas de capoeira e de música. Tínhamos um grupo de samba antes da pandemia que ensaiava todas às sextas-feiras e ensinavam os colegas a tocarem instrumentos. Imagino que exista em outros locais algo parecido, principalmente, relacionado à grupos de identidade, mas acho que talvez não tenham tanta visibilidade para nós professores, como é aqui no campus, afinal, as estruturas hierárquicas são bem mais definidas por conta de espaços que não temos. 

Thaymara Assis: Professora, a senhora tem alguma curiosidade vivida no campus da UFF Campos, que queira nos contar?

Glaucia Mouzinho: Acho que a coisa que mais me surpreendeu foi relacionada a essa aluna que se formou e me contou que seus pais tentariam uma vaga para a universidade também. Ela falou sobre uma política educacional justa, pluralidade, o nosso lugar como docente e os temas novos que pessoas de outras realidades tendo acesso à universidade trariam para nosso campo de pesquisa e nossos desafios.

Eu vivi no primeiro dia que entrei no campus da UFF como professora, um fato curioso e engraçado. Um dia antes havia ido a um samba na cidade de Campos com um grupo de amigos, também professores da UFF e da UENF. Um samba muito bom, que infelizmente acabou, era um local de música, tinha jazz, samba e cada dia tinha um estilo diferente. No dia seguinte, meu primeiro dia no campus, alunos que eu ainda não conhecia me reconheceram do samba do dia anterior. Na cidade de Campos todos se conhecem e é difícil passar despercebido, principalmente, como professor. Aqui, é praticamente impossível ficar invisível. A consequência disso foi que eles começaram a ir ao samba comigo e eu com eles, inclusive, foi a turma que citei no início do depoimento.



[i] É Bacharel e Licenciada em Ciências Sociais pela Universidade Federal Fluminense (1992), mestrado e doutorado em Antropologia pela mesma universidade (1999; 2007) . Atualmente é professora associada do Departamento de Ciências Sociais da Universidade Federal Fluminense, professora permanente do Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Regional, Ambiente e Políticas Públicas e pesquisadora do Instituto de Estudos Comparados em Administração de Conflitos (INCT/InEAC), além de coordenar o Curso de Especialização em Organização e Gestão em Justiça Criminal e Segurança integrante da Rede Nacional de Altos Estudos da Senasp - MJ.