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domingo, 26 de novembro de 2023

Diálogos em memórias com George Gomes Coutinho

 

Foto: Acervo pessoal do prof. George Gomes Coutinho


Entrevistado: Prof. Dr. George Gomes Coutinho
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Thaymara Assis: Professor, qual a sua principal memória na UFF Campos?

George Coutinho: Entrei na UFF Campos em 1998. Fiz a graduação e depois retornei como docente em março de 2010. Então, eu posso dizer que tenho uma longa história na UFF. São doze anos de docência e quatro anos e meio de graduação, portanto, eu tenho, aproximadamente, dezesseis anos na UFF.

Uma questão que me ocorre de imediato, que inclusive já conversei com a professora Mariele, foi a invasão do Tribunal Regional Eleitoral do Rio de Janeiro (TRE-RJ), na UFF de Campos, em setembro de 2018. Eu estava dando aula de Teoria Política IV em um container (que permanecem até hoje no campus) no bloco F, quando de repente ocorreu uma comoção intensa e, o então diretor da época, professor Roberto Rozendo, que estava dando aula de pós-graduação, foi interrompido em sala de aula, em ofício, pelo juiz eleitoral local, Ralf Manhães, acompanhado pela polícia eleitoral. Um tipo de agravante que não se tem memória nem em época de ditadura militar. O referido juiz ameaçou dar ordem de prisão ao diretor e, posteriormente, o arrombamento do diretório acadêmico Conceição Muniz. Recordo que cheguei uns minutos depois de arrombarem o diretório acadêmico, e lembro que encontrei o professor Hélio Coelho (in memoriam), um professor do Departamento de Fundamentos de Ciências da Sociedade (SFC) e ele também tinha sofrido ameaças de ordem de prisão. O professor Helinho precisou mostrar sua carteira da Ordem de Advogados do Brasil (OAB), já que ele era também advogado. Lembro dessa conjuntura de 2018 como algo que me marcou muito, uma espécie de prenúncio de violência política que, posteriormente, iria acontecer com muita frequência no Brasil todo através da Justiça Eleitoral de primeira instância, em diversos campi federais e estaduais e institutos federais. Para mim, esse foi um momento de fato muito marcante e Campos dos Goytacazes foi pioneira com relação a esse ocorrido. Depois aconteceu um escândalo na Faculdade de Direito em Niterói, com relação a uma faixa que continha frases contra o fascismo. Mais ou menos uma semana antes, a Justiça Eleitoral na época mandou retirar essa faixa e depois, o próprio corpo docente da faculdade de direito conseguiu recolocar e, por isso, houve discussões no Supremo Tribunal Federal (STF).

Claro que tenho memórias de momentos alegres na instituição, mas na minha perspectiva, em todos esses anos, o que mais me marcou foi esse momento de violência política na universidade. Estávamos em uma conjuntura desfavorável para o Estado democrático. Eu me senti violentado e violado, pois apesar de não saber se houvera um acontecimento como esse registrado, particularmente, foi minha primeira vez me deparando com algo do tipo. E no final das contas, o que foi apreendido foi um pacote de panfletos que estavam em um armário de um estudante. Aquilo não configurava propaganda eleitoral irregular conforme as leis das eleições. Aquilo não configurava crime. Eu achei de uma violência à universidade e ao Estado Democrático de direito. E foi um momento tenso todo o período das eleições do anterior governo federal. Tenho essas recordações guardadas, apesar de não serem agradáveis, sempre quando falo sobre isso fico bastante emocionado, fui para o espaço público através de denúncias e publicações colaborando com a imprensa. Disse para eles que eu não esqueceria e fiz isso.

Continuo tocando nessa questão, pois para mim, se tornou uma pauta não apenas política, mas pessoal. Foi um trauma. Eu tenho hobbies peculiares e um deles é ler sobre psicanálise e afins, gosto de relacionar com a questão do trauma que, dentro de algumas discussões à respeito, recomendam que para você eliminar o trauma, é preciso algum tipo de restituição, de modo que você não fique congelado na situação traumática e passe adiante na sua história. Então, um dos meus objetivos é que essa questão seja reconstruída, onde o TRE local peça desculpas à comunidade universitária. Nunca o fizeram e, portanto, devem isso a nós.

 

Foto: Acervo pessoal do prof. George Gomes Coutinho

Thaymara Assis: Como a UFF Campos refletiu na sua trajetória profissional?

George Coutinho: Uma das minhas formações vem da UFF Campos. Existe um termo em latim - alma mater - que diz respeito ao retorno à sua origem e isso é algo que me identifico. Fiz minha formação na UFF e UENF como estudante de graduação e pós-graduação e, agora, estou como profissional da UFF Campos. Eu me ressinto um pouco em relação a uma certa precariedade no projeto de ampliação e interiorização da UFF. Sabemos que foi um acontecimento no Brasil todo e acredito que isso deixou uma marca no ensino superior. Com relação à infraestrutura do campus temos problemas advindos dessa precarização. Por outro lado, em uma questão de departamento, é como se fosse o meu parque de diversões no seguinte sentido: temos um corpo docente muito jovem, e isso é uma grande vantagem, sobretudo, para quem já passou por instituições consolidadas. Dessa maneira, não tem donos ou donas, como todos estão mais ou menos no mesmo momento de carreira, se têm a possibilidade de fomentar e criar oportunidades que não se tem em instituições e departamentos mais antigos. Nesse sentido, apesar do elemento de precariedade infraestrutural, temos uma configuração que abre as portas. Estou na UFF há 12 anos e cheguei antes do departamento. Eu fui o segundo chefe do departamento de Ciências Sociais e ajudei a implementar os regimentos, a criar rotina, e nesse sentido, é um espaço que me permitiu ser um cara que pode arriscar, criar, ter gestos mais ousados e criativos, sem ter um decano. Acho que o Departamento de Ciências Sociais (COC) foi e continua sendo um espaço de muita possibilidade criativa e acolhimento. Não há constrangimento na criação de projetos de extensão e pesquisa, é um belo espaço para o desenvolvimento dos pesquisadores, há uma plasticidade que é inerente a esse tipo de perfil que é muito interessante.

 

Foto: Acervo pessoal do prof. George Gomes Coutinho

Thaymara Assis: Poderia nos contar alguma curiosidade que aconteceu em sua trajetória na UFF Campos?

George Coutinho: Não sei se foi um dos momentos mais divertidos, mas quando fui o segundo chefe do departamento, eu tinha apenas 33 anos e era uns dos mais jovens. Eu tinha ainda cabelo comprido. E quando fazíamos concurso e recebíamos os colegas para participar de banca, olhavam para mim e perguntavam quem era o chefe de departamento e isso era muito engraçado. Quando fui para Icaraí, fizeram a mesma pergunta para mim, quem é o chefe do departamento? E eu achava aquilo divertido e não levava para o lado pessoal. A UFF Campos tem 60 anos e a UFF Niterói tem departamentos muito antigos. Então, a galera estava mais acostumada a ter chefes e colaboradores seniores. Hoje me lembro de forma muito cômica de toda essa situação. Tive uma reunião com o reitor e fui barrado na porta por não me identificarem como chefe do COC, mas depois acreditaram porque eu estava com a minha carteirinha comprovando meu título e consegui participar.

Outra memória que tenho é quando penso em ensino superior na nossa região. Eu tenho a impressão de que aqui há um certo ar de dramaticidade na relação da universidade e o meio social local. Um dos maiores exemplos disso é a UENF, onde tenho colegas que fizeram pesquisas com o tema dessa entrevista, sobre memória institucional, e o pessoal sempre comentava que em documentários e jornais, a UENF era mencionada pela comunidade local como um disco voador pousado na cidade e comandado pelas elites econômicas que vêm para a cidade, principalmente, por conta dos negócios da cana-de-açúcar. Temos também momentos divertidos em sala de aula, mas sempre quando penso em nossa relação com a cidade há sempre esse ar de dramaticidade, uma certa tensão e estranhamento. Não que seja de todo negativa, mas no geral tento manter o bom humor.

Foto: Acervo pessoal do prof. George Gomes Coutinho




[i] George Gomes Coutinho - Professor Adjunto III da área de Ciência Política da Universidade Federal Fluminense (Campos dos Goytacazes). Graduado em Serviço Social pela Universidade Federal Fluminense, bacharel em Ciências Sociais e Mestre em Políticas Sociais pela Universidade Estadual do Norte Fluminense. Doutor em Ciência Política pela Universidade Federal Fluminense (ICHF/DCP/PPGCP). É líder do Grupo de Estudos Álvaro Vieira Pinto.

 

 

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