Foto: Acervo pessoal do prof. George Gomes Coutinho
Entrevistado:
Prof. Dr. George Gomes Coutinho[i]
Thaymara Assis: Professor, qual a sua principal memória na UFF
Campos?
George Coutinho: Entrei na UFF Campos em 1998. Fiz a
graduação e depois retornei como docente em março de 2010. Então, eu posso
dizer que tenho uma longa história na UFF. São doze anos de docência e quatro
anos e meio de graduação, portanto, eu tenho, aproximadamente, dezesseis anos
na UFF.
Uma questão que me ocorre de imediato, que inclusive já conversei
com a professora Mariele, foi a invasão do Tribunal Regional Eleitoral do Rio
de Janeiro (TRE-RJ), na UFF de Campos, em setembro de 2018. Eu estava dando
aula de Teoria Política IV em um container (que permanecem até hoje no campus) no bloco F, quando de repente
ocorreu uma comoção intensa e, o então diretor da época, professor Roberto
Rozendo, que estava dando aula de pós-graduação, foi interrompido em sala de
aula, em ofício, pelo juiz eleitoral local, Ralf Manhães, acompanhado pela
polícia eleitoral. Um tipo de agravante que não se tem memória nem em época de
ditadura militar. O referido juiz ameaçou dar ordem de prisão ao diretor e,
posteriormente, o arrombamento do diretório acadêmico Conceição Muniz. Recordo
que cheguei uns minutos depois de arrombarem o diretório acadêmico, e lembro
que encontrei o professor Hélio Coelho (in
memoriam), um professor do Departamento de
Fundamentos de Ciências da Sociedade (SFC) e ele também tinha sofrido
ameaças de ordem de prisão. O professor Helinho
precisou mostrar sua carteira da Ordem de Advogados do Brasil (OAB), já que ele
era também advogado. Lembro dessa conjuntura de 2018 como algo que me marcou
muito, uma espécie de prenúncio de violência política que, posteriormente, iria
acontecer com muita frequência no Brasil todo através da Justiça Eleitoral de
primeira instância, em diversos campi federais
e estaduais e institutos federais. Para mim, esse foi um momento de fato muito
marcante e Campos dos Goytacazes foi pioneira com relação a esse ocorrido.
Depois aconteceu um escândalo na Faculdade de Direito em Niterói, com relação a
uma faixa que continha frases contra o fascismo. Mais ou menos uma semana
antes, a Justiça Eleitoral na época mandou retirar essa faixa e depois, o próprio corpo docente da faculdade de
direito conseguiu recolocar e, por isso, houve discussões no Supremo Tribunal
Federal (STF).
Claro que tenho memórias de momentos alegres na instituição, mas
na minha perspectiva, em todos esses anos, o que mais me marcou foi esse
momento de violência política na universidade. Estávamos em uma conjuntura
desfavorável para o Estado democrático. Eu me senti violentado e violado, pois
apesar de não saber se houvera um acontecimento como esse registrado,
particularmente, foi minha primeira vez me deparando com algo do tipo. E no
final das contas, o que foi apreendido foi um pacote de panfletos que estavam
em um armário de um estudante. Aquilo não configurava propaganda eleitoral
irregular conforme as leis das eleições. Aquilo não configurava crime. Eu achei
de uma violência à universidade e ao Estado Democrático de direito. E foi um momento tenso todo o
período das eleições do anterior governo federal. Tenho essas recordações
guardadas, apesar de não serem agradáveis, sempre quando falo sobre isso fico
bastante emocionado, fui para o espaço público através de denúncias e
publicações colaborando com a imprensa. Disse para eles que eu não esqueceria e
fiz isso.
Continuo tocando nessa questão, pois para mim, se tornou uma pauta
não apenas política, mas pessoal. Foi um trauma. Eu tenho hobbies peculiares e um deles é ler sobre psicanálise e afins,
gosto de relacionar com a questão do trauma que, dentro de algumas discussões à
respeito, recomendam que para você eliminar o trauma, é preciso algum tipo de
restituição, de modo que você não fique congelado na situação traumática e
passe adiante na sua história. Então, um dos meus objetivos é que essa questão
seja reconstruída, onde o TRE local peça desculpas à comunidade universitária.
Nunca o fizeram e, portanto, devem isso a nós.
Foto: Acervo pessoal do prof. George Gomes Coutinho
Thaymara Assis: Como a UFF Campos refletiu na sua trajetória
profissional?
George Coutinho: Uma das minhas formações
vem da UFF Campos. Existe um termo em latim - alma mater - que diz respeito ao retorno à sua origem e isso é algo
que me identifico. Fiz minha formação na UFF e UENF como estudante
de graduação e pós-graduação e, agora, estou como profissional da UFF Campos.
Eu me ressinto um pouco em relação a uma certa precariedade no projeto de
ampliação e interiorização da UFF. Sabemos que foi um acontecimento no Brasil
todo e acredito que isso deixou uma marca no ensino superior. Com relação à
infraestrutura do campus temos
problemas advindos dessa precarização. Por outro lado, em uma questão de
departamento, é como se fosse o meu parque de diversões no seguinte sentido:
temos um corpo docente muito jovem, e isso é uma grande vantagem, sobretudo,
para quem já passou por instituições consolidadas. Dessa maneira, não tem donos
ou donas, como todos estão mais ou menos no mesmo momento de carreira, se têm a
possibilidade de fomentar e criar oportunidades que não se tem em instituições
e departamentos mais antigos. Nesse sentido, apesar do elemento de precariedade
infraestrutural, temos uma configuração que abre as portas. Estou na UFF há 12
anos e cheguei antes do departamento. Eu fui o segundo chefe do departamento de
Ciências Sociais e ajudei a implementar os regimentos, a criar rotina, e nesse
sentido, é um espaço que me permitiu ser um cara que pode arriscar, criar, ter
gestos mais ousados e criativos, sem ter um decano. Acho que o Departamento de
Ciências Sociais (COC) foi e continua sendo um espaço de muita possibilidade
criativa e acolhimento. Não há constrangimento na criação de projetos de
extensão e pesquisa, é um belo espaço para o desenvolvimento dos pesquisadores,
há uma plasticidade que é inerente a esse tipo de perfil que é muito
interessante.
Foto: Acervo pessoal do prof. George Gomes Coutinho
Thaymara Assis: Poderia nos contar alguma curiosidade
que aconteceu em sua trajetória na UFF Campos?
George Coutinho: Não sei se foi um dos
momentos mais divertidos, mas quando fui o segundo chefe do departamento, eu
tinha apenas 33 anos e era uns dos mais jovens. Eu tinha ainda cabelo comprido.
E quando fazíamos concurso e recebíamos os colegas para participar de banca,
olhavam para mim e perguntavam quem era o chefe de departamento e isso era
muito engraçado. Quando fui para Icaraí, fizeram a mesma pergunta para mim,
quem é o chefe do departamento? E eu achava aquilo divertido e não levava para
o lado pessoal. A UFF Campos tem 60 anos e a UFF Niterói tem departamentos
muito antigos. Então, a galera estava mais acostumada a ter chefes e
colaboradores seniores. Hoje me lembro de forma muito cômica de toda essa
situação. Tive uma reunião com o reitor e fui barrado na porta por não me
identificarem como chefe do COC, mas depois acreditaram porque eu estava com a
minha carteirinha comprovando meu título e consegui participar.
Outra memória que tenho é quando penso em ensino superior na nossa
região. Eu tenho a impressão de que aqui há um certo ar de dramaticidade na
relação da universidade e o meio social local. Um dos maiores exemplos disso é
a UENF, onde tenho colegas que fizeram pesquisas com o tema dessa entrevista,
sobre memória institucional, e o pessoal sempre comentava que em documentários
e jornais, a UENF era mencionada pela comunidade local como um disco voador
pousado na cidade e comandado pelas elites econômicas que vêm para a cidade,
principalmente, por conta dos negócios da cana-de-açúcar. Temos também momentos
divertidos em sala de aula, mas sempre quando penso em nossa relação com a
cidade há sempre esse ar de dramaticidade, uma certa tensão e estranhamento. Não
que seja de todo negativa, mas no geral tento manter o bom humor.
Foto: Acervo pessoal do prof. George Gomes Coutinho
[i] George Gomes Coutinho - Professor Adjunto III da área
de Ciência Política da Universidade Federal Fluminense (Campos dos Goytacazes).
Graduado em Serviço Social pela Universidade Federal Fluminense, bacharel em
Ciências Sociais e Mestre em Políticas Sociais pela Universidade Estadual do
Norte Fluminense. Doutor em Ciência Política pela Universidade Federal
Fluminense (ICHF/DCP/PPGCP). É líder do Grupo de Estudos Álvaro Vieira Pinto.
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