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terça-feira, 24 de agosto de 2021

A Política com P maiúsculo: a necessidade da conscientização política em nosso cotidiano

 

Foto: Pixabay

Escrito por Thaymara Assis de Lima (discente extensionista de Ciências Sociais)[i]

 

Atualmente abordar sobre política brasileira não é tarefa fácil. Seja despretensiosamente em uma conversa ou em uma cobertura jornalística ou até mesmo quando se analisa e estuda a área cientificamente, como no caso da Ciência Política. De modo geral, pode-se notar como o tema é percebido de forma sensível e às vezes hostil pela população. A política brasileira sofre um desprestígio acarretado pela falta de confiança e pela insatisfação popular em relação à classe política. Dia após dia, observamos o declínio de interesse e motivação na participação civil. No momento em que o Brasil é marcado por crises, a desvalorização política é uma ameaça à vida democrática, pois ao perpetuar-se desprezível, a consequência inevitável é a ignorância com oportunas chances de crescimento no desinteresse do povo pela política.

Essa visão calejada sobre o cenário político brasileiro emaranha-se com a desconfiança nos atores políticos que estão, ou estiveram no poder político do país, transformando o conflito entre povo e representantes em um conflito com a própria política. Marco Aurélio Nogueira, em sua obra Em defesa da política (2001), adverte sobre converter o atrito com os políticos em um horror especificamente voltado à política, uma atividade inerente ao cidadão:

 

Sair em defesa da política, portanto, não é algo que se confunda com a defesa dos políticos ou das instituições que nos governam: é, ao contrário, uma operação destinada a defender a hipótese da vida comunitária. Corresponde a necessidade vital de manter abertas as comportas de oxigênio, para que possamos continuar a respirar  (NOGUEIRA, 2001, p.13).

 

Reavaliar a descrença que está geralmente presente na opinião política brasileira pode ser um dos meios para evitar direcionar o atrito na direção errada, observando a origem dessa decepção. A política em si é um terreno fértil para pensarmos nossos valores, nossos fundamentos éticos, nossa vida em sociedade e o modo como administraremos esses setores em nossa vida coletiva, influenciando diretamente a nossa liberdade individual e, em nossas escolhas pessoais.

Essas necessidades não deixarão de existir ao se desvalorizar a política e deslegitimar sua urgência. Pelo contrário, sempre estarão presentes em nossa comunidade. Utilizar a insatisfação relacionada aos representantes como justificativa para depreciar a política é um meio eficaz de desprezar o resguardo dos próprios direitos e liberdade. Compreender a importância da política e introduzi-la como tema relevante em nosso cotidiano está diretamente relacionada à escolha de representantes. Repensarmos quem somos na política é também repensar quem está nos representando diretamente. Parafraseando João Ubaldo Ribeiro (1998, p. 17), quem está no cerne do poder político nada mais é do que alguém do nosso próprio meio.

A perspectiva de que todos os políticos são corruptos e ladrões deve se estender até nossa comunidade. Para refletirmos já que nossos representantes não são seres de outro mundo. São do mesmo mundo que nós, ou seja, são doutores, cozinheiros, gerentes, taxistas e professores.

 

Se não gostamos do comportamento dos políticos e do funcionamento do sistema e não fazemos nada quanto a isso, estamos sendo políticos: estamos contribuindo para a perpetuação de uma situação política indesejável ou inaceitável. Se queremos fazer alguma coisa para melhorar a situação, também estamos sendo políticos, pois a única via de ação possível, neste caso, é a Política. (RIBEIRO, 1998, p. 17).

 

 Ao não nos reconhecermos como agentes políticos, perpetuamos uma atitude de complacência com a corrupção que nos atormenta como Nação. Cabe ao povo se entender como corpo político, embora não consista em uma tarefa fácil, principalmente aos mais pobres, que não tendo acesso a plenas condições de vida e educação, dificilmente se enxergam como parte indispensável na política do país, não se identificando, não vendo na política o seu lugar.

 

O cidadão, confuso, entediado com o roteiro e empanturrado de informações que não consegue decifrar, foge da política. Ou daquilo que dizem ser política. Os mais pobres permanentemente insatisfeitos com o que têm e com o que recebem dos governos, do Estado, da comunidade, não encontram motivos para se interessar pelo jogo político ou para ser leais as instituições públicas (NOGUEIRA, 2001, p.22).

 

Se faz necessário afastar-se de noções enraizadas no senso comum e que dificultam o diálogo na política. Por isso, é fundamental reconhecer tal necessidade e praticá-la, levando em consideração que a vida em sociedade exige participação. Afinal, como entender a importância da cidadania se o próprio indivíduo apresenta uma postura hostil em relação à política? O reconhecimento da importância da política envolve a participação do cidadão, que deve de fato entender-se como cidadão ativo na sociedade, cuja participação vai além do voto sazonal a cada dois anos.

Entender nosso papel na busca pela regulação de uma política coesa e que tenha serventia ativa nos direitos civis e sociais é visualizar nossos deveres e possibilidades de ação além de meros telespectadores. Consciência é a palavra-chave para o que estamos tratando. Conscientizarmos que nossa vida privada, individual, se alinha na consequência da vida social e coletiva. Sobretudo, aqueles que mais dependem dos serviços públicos, dos programas sociais, governamentais.

A importância da conscientização política do cidadão deve assumir que não se faz necessário discutir política apenas quando se há um adversário a combater (CORTELLA, 2010). A política não existe apenas para contra-atacar ou para nos defender da corrupção. Precisamos entendê-la como núcleo de nossas decisões de cidadania, elevarmos o pensar político e nosso dever cívico para implementação de novas perspectivas e revisão das antigas: “A política seria uma maneira de lançarmos luz sobre essas teias invisíveis que nos dominam e tentarmos controlá-las (JANINE apud CORTELLA, 2010, p.9)”.

Devolver a política seu lugar de honra e virtude que um dia a pertenceu, preservar a participação política nada mais é do que preservar a vida como um todo. Ainda que estejamos vivendo tempos individualistas, compreender que a preservação dessa autonomia e liberdade tão almejadas e conquistadas com muito esforço por nossos antecessores, está intrinsicamente ligada aos afazeres cívicos e para manutenção das gerações futuras. Faz-se urgente a necessidade de uma Nação consciente dos seus problemas e responsabilidades, tendo plena noção de que todas as suas escolhas são atos políticos; seja de enfrentamento ou abstenção.

 

Referências Bibliográficas:

CORTELLA, Mario Sergio; RIBEIRO, Renato Janine. Política: para não ser idiota, 2016.

NOGUEIRA, Marco Aurélio. Em defesa da política. São Paulo, 2001.

RIBEIRO, João Ubaldo. Política: quem manda, porque manda, como manda. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1998.

 



[i] Artigo supervisionado pelos professores Ricardo Bruno Ferreira (UFF) e Mariele Troiano (UFF).

terça-feira, 17 de agosto de 2021

Por que punir? Para que punir? A sanha punitivista na contemporaneidade

Escrito por Carlos Henrique Serra (UFF)[i]

 

O campo das Ciências Humanas, e, muito particularmente, os saberes constituídos na Sociologia, há tempos estão a produzir trabalhos acadêmicos sobre a punição, os dispositivos de controle punitivos, sistema penal, e outros temas afins, mas que estabelecem uma estreita ligação com aquilo que Foucault denominou como “arte de punir” (FOUCAULT, 1987).

Nesse sentido, para começo das considerações que pretendemos desenvolver aqui, formulamos algumas indagações, duas em especial: Por que punir? Para que punir?

Como já foi mencionado anteriormente, Foucault, no texto “A sociedade punitiva” (FOUCAULT, 1997), reflete a respeito dos mecanismos engendrados pelas sociedades no sentido preciso de como as sociedades pensaram e aplicaram a punição, através de instituições que foram criadas quando do momento de implantação da ordem burguesa, ou melhor, do capitalismo.

Estamos a nos referir, tomando de empréstimo as lentes de Foucault, sobre os sentidos da punição, da prisão, e, acima de tudo, que o sistema penal, no capitalismo, na sociedade burguesa europeia, ao adotar a privação de liberdade como a pena por excelência, produz a “delinquência” (FOUCAULT, 1997).

Há uma ressalva importante que deve ser destacada: as reflexões foucaultianas se debruçam acerca da sociedade europeia e assim sendo, o autor enfatiza com propriedade que a disciplina é um dos instrumentos singulares do capitalismo. Desta forma, para Foucault, o disciplinamento é um aspecto essencial para se tentar compreender todo esse arcabouço presente na “arte de punir”.

Devemos problematizar alguns aspectos e um deles, sem dúvida, diz respeito à produção acadêmica existente na Ciência Política no que tange à questão da punição. Assim, parece que este campo de saber, com toda a sua trajetória histórica e significativa, que a partir da Filosofia Política na Grécia Antiga, com filósofos como Sófocles, Sócrates, Platão e Aristóteles, por exemplo, tentando refletir sobre a temática do Poder e das relações de poder em si, não dá a devida importância para a punição, do exercício desta nas sociedades contemporâneas e dos dispositivos punitivos que se fusionam nas instituições formais de controle social.

Enquanto possibilidade interpretativa, sustentamos a premissa de que há um equívoco teórico e conceitual de considerar a punição como “questão jurídica”, sendo, pertencente tão somente do campo do Direito Penal, e que, então, apenas este saber deve atuar no exercício e concepção da punição.

O que defendemos caminha na contramão desta perspectiva, pois, na verdade, a punição é uma questão primordialmente política e que deve sim, portanto, ser estudada pela Ciência Política.

Se entendemos que a pena não é um conceito jurídico, mas político, e que se configura enquanto “inflição de dor sem sentido” (ZAFFARONI, 1991), começamos a tentar compreender  qual o sentido de se punir e para que se pune nas sociedades contemporâneas.

Tentando responder a essas indagações, que estruturam o presente trabalho, sublinhamos outro pressuposto que nos orienta: há uma sacralização da pena nas sociedades contemporâneas.

Em outras palavras, a pena aparece enquanto um dogma, algo sagrado, ou melhor, na expressão de Nilo Batista, a pena surge como uma “espécie de rito sagrado da solução de todos os conflitos sociais” (BATISTA, 2002).

A sacralização da pena nas sociedades contemporâneas, e de forma muito específica, na sociedade brasileira, estabelece uma interface com esse desejo de punir mais e mais, um gozo punitivo que atravessa as formações sociais na atualidade.

Sob essa ótica, a do gozo punitivo, o autor Didier Fassin, ao estudar a sociedade francesa, observa que esta sociedade vivencia o período mais punitivo de sua história tendo um aumento considerável do encarceramento e, por conseguinte, se potencializa em larga escala o “ato de punir” (FASSIN, 2017). Nesse sentido, segundo Fassin, o “ato de punir” se configura como uma “paixão contemporânea” (FASSIN, 2017).

Ao nos depararmos com a expressão, “paixão contemporânea”, e, também considerando que a sociedade brasileira não aboliu os castigos físicos, a tortura, por exemplo, que há uma naturalização da punição, de se aplicar castigos, internalizado como algo pedagógico, que “educa”, portanto, chamamos a atenção para uma dimensão que, na nossa avaliação, deve se inserir nos estudos sobre a punição e a pena, a “produção da subjetividade punitiva” (MENEZES, 2021).

Esta produção da “subjetividade punitiva” explica o gozo punitivo, o gozo pela guerra, e, também, toda uma “produção da subjetividade viril” (MENEZES, 2021) que é intrínseco, não no sentido de que seja natural, mas sim uma produção social e política, do poder punitivo. Este goza com a dor no outro e é essencialmente misógino (CUNHA, 2021), posto que é constituído sob a perspectiva dessa “virilidade”, das formas de masculinidades forjadas na brutalidade (MENEZES, 2021).

Não devemos desconsiderar, ainda mais no âmbito da Ciência Política, que esta lógica punitivista, este gozo punitivo, é produzido pelo Estado. Vale dizer que se há uma letalidade das Polícias, há a letalidade do Estado; ou seja, o Estado continua a operar sob uma dupla ótica, a da guerra e a do inimigo.

Aqui no Rio de Janeiro, em particular, desde 1995, conforme destacamos em discussões pretéritas (SERRA, SOUZA e CIRILLO, 2019), os sucessivos governos     estaduais optaram pela política do confronto, que se encontra estruturada no modelo bélico, na  lógica do inimigo e mais, na sacralização da pena.

Esta sanha punitivista traz consigo uma intensa pulsão de morte, o gozo de infligir dor no outro, e, também, produz em larga escala, para além do aumento exponencial do encarceramento penal, fortalecimento do populismo penal, uma dramática letalidade onde o Estado e os dispositivos punitivos estabelecem uma mórbida sincronia.

Quando enfatizamos esta sanha punitivista, letalidade do Estado, ótica da guerra e lógica do inimigo, o aspecto da militarização da segurança pública, e da vida, encontra-se presente, pois a militarização reifica toda esta prática punitivista que articula a guerra e a fabricação incessante do “inimigo”.

E, segundo nossa interpretação, a militarização se configura como um verdadeiro estado de exceção permanente, na medida em que intervenções, ocupações, operações, estratégias militares operam nas margens em que se encontram o legal  e o ilegal  (SERRA e SOUZA, 2020).

Queremos sublinhar que diante da perda da significação e da violência banalizada, precisamos, portanto, seguir a recomendação de Foucault e inverter a proposição de Clausewitz: a política é a extensão da guerra por outros meios (SERRA e SOUZA, 2020). Contudo, na atualidade, a política é a extensão da guerra por meios ainda altamente militarizados.

Assim sendo, as relações de poder estão encontrando sua ancora­gem na guerra e nos dispositivos militares e, então, há uma potencialização do poder punitivo onde também podemos identificar uma produção de subjetividade militarizada, e, claro, punitiva.

Cabe ainda registrar que a militarização, que consiste enquanto modelo de um estado  de  exceção,  permite toda uma ritualística fúnebre e macabra em que se dá a aceitação tácita da violência e da morte (SERRA e SOUZA, 2020).

Ao refletirmos sobre a sanha punitivista na conjuntura atual, essa permanência do gozo punitivo, que fundamenta o ato de punir como uma “paixão contemporânea” (FASSIN, 2017), há uma sinalização para a perspectiva teórica do abolicionismo penal.

O abolicionismo penal possui um escopo amplo que, na nossa interpretação, não obstante as singularidades existentes nas respectivas análises, desde Hulsmann, um pioneiro no registro das “penas perdidas”, passando, entre outros, cada um (a) de uma forma, por Nils Christie, Mathiesen, Zaffaroni, Nilo Batista, Vera Malaguti, Edson Passetti, e mais recente, Sabrina Lasevitch Menezes, possui como foco de afinidade, uma espécie de eixo comum, o repúdio enfático à pena privativa de liberdade, à prisão, à sacralização da pena, à naturalização dos castigos, e não por fim, mas ao defender a abolição dos castigos, sustenta que o Direito Penal não pode ser a resposta; antes, contudo, deve ser abolido, pois configura-se enquanto “Direito da dor” e o “Inimigo no Direito Penal” (ZAFFARONI, 2021 & MENEZES, 2021).

A proposta abolicionista como “estilo de vida” (PASSETTI, 1999) implica num duplo aspecto, pois trata-se tanto de uma perspectiva teórica crítica, devidamente embasada, como também, de forma sincrônica, consiste enquanto “movimento social” (MENEZES, 2021).

Nesse sentido, o abolicionismo penal que defendemos procura articular teoria e práxis social, e, então, possui um amplo escopo que sinaliza concretamente para a constituição de uma sociedade libertária onde aspectos fundamentais como a abolição dos castigos, a dessacralização da pena, o repúdio à criminalização da miséria, a desconstrução plena de toda “produção da subjetividade punitiva”, não sejam mais considerados enquanto “utópicos”, mas como questões exequíveis e que são imprescindíveis à luta política, e que materializam a politização dos conflitos sociais.

O que tentamos sustentar no presente texto é que a sanha punitivista se imbrica à ótica da guerra e lógica do inimigo, e que a “produção da subjetividade punitiva” (MENEZES, 2021) , o gozo punitivo com o sofrimento do outro, se inscreve numa perspectiva estatal onde há uma intensa e exorbitante pulsão de morte, letalidade que se potencializa tragicamente no cenário político contemporâneo.

Assim sendo, a perspectiva abolicionista deve como “movimento social” (MENEZES, 2021) e concepção teórica crítica, atuar no repúdio à criminalização da miséria, o ato naturalizado de “punir os pobres”, deve também sustentar a abolição dos castigos, da prisão, mas, há que se estabelecer uma sincronicidade com a “produção da subjetividade punitiva” (MENEZES), pois, para a nossa interpretação, a compreensão e enfrentamento desta sanha punitivista estão a exigir esta sincronicidade entre a produção material da existência e a produção de subjetividade (s).

Por fim, retomando reflexão recente, sinalizamos que as condições singulares, mórbidas e necropolíticas estão dadas e, portanto, devem ser desativadas com uma retomada da ação política (SERRA, SOUZA e GUAZZELLI, 2021). Vale mencionar que Robert Antelme (2013), conhecido memorialista que sobreviveu a um campo de concentração nazista, diz que a  condição humana é da ordem da indestrutibilidade. Desta forma, por mais que os sujeitos morram e sejam mortos por incontáveis estratégias da biopolítica (Foucault), tanatospolítica (Agamben) ou necropo- lítica (Mbembe), sempre resta algo dessa destruição, sempre algo além dessa destruição (SERRA, SOUZA e GUAZZELLI, 2021). Para além de uma morte de consagração, a violência do estado de exceção requer respostas que apontam para a resistência, para a indestrutibilidade da vida humana (SERRA, SOUZA e GUAZZELLI, 2021).

 

Referências bibliográficas:

BATISTA, Nilo - “Mídia e sistema penal no capitalismo tardio. In: Revista Discursos Sediciosos, 7 (12): 271-288, 2002.

CUNHA, Carolina. As mulheres e o poder punitivo: uma análise interseccional sobre o processo de custódia das mulheres e sua interação com o sistema penal no Brasil. UFF, Tese de Doutorado, 2021.

FOUCAULT, Michel – Resumo dos cursos do Collège de France (1970 – 1982). Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1997.

_________ - Vigiar e Punir. Rio de Janeiro: Vozes, 1987.

HULSMANN, Louk – Penas perdidas. Rio de Janeiro: Luã, 1990.

MENEZES, Sabrina Lasevitch – Micropolítica da abolição: diálogos entre a crítica feminista e o abolicionismo penal. Rio de Janeiro: Dialética, 2021.

PASSETTI, Edson – “Sociedade de controle e abolição da punição”. In: São Paulo em Perspectiva, 13 (3), 1999.

PASSETTI, Edson – Curso livre de abolicionismo penal. Rio de Janeiro: Revan, 2012.

SERRA, Carlos Henrique e SOUZA, Luís Antônio Francisco de – “Quando o estado de exceção se torna permanente: reflexões sobre a militarização da segurança pública no Brasil”. In: Tempo Social,  Revista de Sociologia da USP, v. 32, n. 2, 2020.

SERRA, Carlos Henrique, SOUZA, Luís Antônio Francisco de e CIRILLO, Fernanda Russo – “Guerra às drogas no Brasil contemporâneo: proibicionismo, punitivismo e militarização da segurança pública”. In: Revista Teoria e Cultura, UFJF, v. 14, n. 2, dezembro 2019.

SERRA, Carlos Henrique, SOUZA, Luís Antônio Francisco de e GUAZZELLI, Raphael – “Michel Foucault e Giorgio Agamben: convergências e divergências teóricas sobre poderes e potências”. In: Ethic@, Florianópolis, v. 19, n. 3, dez. 2020.

SERRA, Carlos Henrique, SOUZA, Luís Antônio Francisco de e GUAZZELLI, Raphael – “(Des) encontros entre Giorgio Agamben e Michel Foucault: o que resta do Estado de Direito no Brasil”. In: Revista Sociedade e Cultura, UFG, v. 24, 2021.

ZAFFARONI, Eugenio Raul – Em busca das penas perdidas. Rio de Janeiro: Revan, 1991.

ZAFFARONI, Eugenio Raul – O inimigo no Direito Penal. Rio de Janeiro: Revan, 2021.



[i] Professor Associado IV do Departamento de Ciência Política da UFF.


quarta-feira, 11 de agosto de 2021

O que ainda não podemos celebrar em relação à igualdade de gênero nos jogos olímpicos?

Escrito por Mariana Zuaneti Martins - Grupa (Grupo de Estudos em Gênero e Esporte) UFES; e Vitor Vasquez - IPEA 


No último domingo, se encerraram os jogos olímpicos de Tóquio. Esta olimpíada representou um grande avanço para a igualdade de gênero em termos esportivos, por apresentar o maior equilíbrio da história dos jogos em relação à quantidade de atletas e de eventos, comparando-se homens e mulheres.

A presença das mulheres é uma luta histórica e sequer foi cogitada na primeira edição dos jogos olímpicos. Pelo contrário, quando os jogos olímpicos modernos foram criados, em 1896, seu idealizador Pierre de Coubertin, apenas previu a participação de homens. Foi na segunda edição, em Paris, em 1900, que tal questão começou a ser problematizada, quando das 997 pessoas que competiram, apenas 22 eram mulheres (NUNES, 2019). Portanto, é simbólico refletir que, somente 124 anos depois, na próxima edição dos jogos olímpicos, também em Paris, a meta de igualdade de gênero na quantidade de pessoas competidoras pretende ser atingida.

Esta marca, no entanto, deve-se a esforços institucionais recentes. Somente na última década do século XX o Comitê Olímpico Internacional (COI) começou a colocar metas e a promover o encorajamento aos comitês olímpicos locais para alcançar o objetivo da igualdade de gênero. Em 1996, o COI emitiu a primeira nota incentivando a promoção do esporte feminino em todos os níveis e a entrada de mulheres nos postos de liderança do esporte. Em 2017, tal comitê passou a ter como meta uma edição de jogos olímpicos que contivesse 50% dos participantes do gênero feminino.

Na edição dos jogos olímpicos do Rio de Janeiro (2016), dos 306 eventos olímpicos, 161 eram para homens e 145 para mulheres (NUNES, 2019). Na edição atual, caminhamos para um maior equilíbrio, sendo que, dos 339 eventos, 174 foram femininos ou misto.  Ou seja, 51,3% dos eventos dos jogos olímpicos de Tóquio abrangeu mulheres. Apenas algumas categorias de boxe, a luta greco-romana e a marcha atlética de 50km, que deixará de ser disputada em jogos olímpicos a partir de 2024, ainda não possuem eventos para mulheres. Por outro lado, houve inserção de 18 eventos mistos, como revezamentos na natação, triathlon e atletismo.

Contudo, nem tudo deve ser motivo de entusiasmo. Apesar deste esforço para equilibrar a quantidade de participantes mulher nos jogos e de eventos destinados a elas, há ainda um longo caminho para percorrer em termos de desenvolvimento do esporte feminino. Isto pode ser observado a partir de pelo menos três aspectos: o papel das mulheres em comissões técnicas, o destaque recebido pelo esporte feminino frente à mídia e ao protagonismo que as mulheres desempenham enquanto atletas e não pela sua objetificação.

Quando observamos os dados dos jogos olímpicos do Rio de Janeiro e de Londres (2012), verificamos que as mulheres compõe apenas 11% dos treinadores credenciados ao evento. O desafio para inserção das mulheres nessas posições é histórico e transcende os jogos olímpicos. São muitas as barreiras que costumam afastar as mulheres desse tipo de posição. Segundo Lavoi e Dutove (2012), em geral, são posições de liderança associadas ao universo do masculino e organizadas por meio de redes de poder compostas em sua maioria por homens. Isso faz com que vagas de estágio, mentoria e empregos sejam pouco receptivas para mulheres. É muito comum também, quando uma mulher assume essa posição, que sua avaliação sofra um viés de gênero, isto é, que ela seja mais criticada ou questionada em função de sua identidade de gênero. Soma-se a isso o imaginário social que associa maternidade e cuidados domésticos às mulheres, o que cria outra barreira, uma vez que a profissão de treinador demanda muito tempo de quem a exerce, incluindo períodos noturnos e finais de semana. De forma concreta, os clubes são pouco receptivos às mulheres do ponto de vista de infraestrutura, muitas vezes não possuindo vestiários femininos ou instalações para que aquelas que são mães tenham lugar apropriado para deixarem os filhos durante o período de trabalho.

Como consequência dos fatores elencados, há poucas mulheres treinadoras com visibilidade que possam servir como “modelos” e “espelhos” para as jovens que desejem seguir na carreira. Além disso, cursos de formação de treinadores são caros e, como a chance de inserção profissional de uma mulher não é dada, muitas delas acabam por não poder arcar com esse investimento e não contando com algum apoio externo que o faça.

Nessa edição dos jogos olímpicos, onde excepcionalmente nem todos os treinadores puderam comparecer em razão dos protocolos de prevenção da COVID-19, os dados iniciais indicam que as mulheres ocuparam 13% dos cargos credenciados. Tal quadro reflete a ausência de mulheres em posição de liderança e a necessidade de políticas no âmbito do movimento olímpico que promovam a inserção das mesmas nos cargos diretivos. A partir do momento em que se democratizar os espaços de poder, poderemos ver de forma ainda mais proeminente uma preocupação com as questões de gênero nos jogos, que certamente extrapolam a quantidade de atletas presentes.

Isso nos leva a uma segunda questão para a qual a presença das mulheres nos cargos de liderança poderia ter um papel fundamental na sua reversão. É uma questão simples, mas ao mesmo tempo emblemática para representar o quanto as mulheres não são ouvidas e não têm direito de participar nas decisões dos jogos olímpicos. Sob a aparência de ser uma questão “técnica”, o debate sobre os uniformes esportivos das mulheres põe a luz o debate sobre a sexualização do corpo das atletas e a possibilidade dessas mesmas participarem da negociação dessa matéria.

Exemplo disso é que mulheres continuam a competir com maiôs ou biquínis na ginástica e no vôlei de praia. Como forma de protesto, as atletas da Alemanha realizaram treinos com um uniforme que cobria as pernas, explicitando uma posição de contrariedade à sexualização dos corpos das ginastas promovida pelos tradicionais collants. Um pouco antes dos jogos olímpicos, veio à tona o caso das atletas de beach hand da Noruega, que foram multadas por se recursarem a disputar o torneio europeu de biquíni. Chama a atenção o fato de que em todas essas modalidades, os homens disputam as provas de calças ou de bermudas largas.

Além do protesto das próprias mulheres, há também outras consequências dessas roupas que elas são obrigadas a vestir. O caso da jogadora Rebecca, do vôlei de praia brasileiro, ilustra uma situação em que a exposição da atleta de biquíni fez com que se gerasse uma repercussão sobre sua “forma física”. O uso dos biquínis, ao colocar o corpo sob vigilância dessa forma, transmite a mensagem de que a uma mulher atleta, não basta que ela seja forte e potente, pois é necessário também atender a um determinado padrão estético (de magreza). O fato de não serem consideradas as posições das mulheres sobre esses padrões de vestimenta ratifica como ainda há muito para avançar para a democratização do esporte, não só em termos de quantidade de participantes, mas também nas relações de poder.

Uma última questão que gostaríamos de chamar atenção se refere à visibilidade dada ao esporte de mulheres nos meios de comunicação. Passos importantes foram dados nessa última edição dos jogos olímpicos, sobretudo no Brasil. Finalmente assistimos a equipes de transmissão mistas, com mulheres narrando jogos femininos e masculinos, presentes em mesas de debate, fazendo reportagens em Tóquio etc. No entanto, ainda é notório o desequilíbrio nessa composição e, de forma ainda mais marcante, no tempo e espaço ocupado nos veículos de comunicação para o esporte das mulheres.

Um levantamento da Unesco apontou que apenas 4% das chamadas de notícias esportivas, no mundo, são sobre mulheres. A visibilidade do esporte de mulheres cumpre papel fundamental, uma vez que sua não documentação significa um apagamento da história e das conquistas das atletas. Reconhecer a presença, a existência e os feitos realizados pelas mulheres contribui para demonstrar que não há nada que as mulheres não possam fazer ou alcançar no esporte. Mais, contribui para inspirar outras mulheres, garotas e jovens a se engajarem com o esporte.

 


Esses são alguns dos desafios para a democratização, mas sem dúvida há tantos outros. Atletas não binaries e transgênero, a presença de uma arbitragem feminina mais representativa e mulheres nos cargos de liderança, inclusive do COI, são outros exemplos de campos para se avançar. Caminhamos bons passos no sentido de democratização, mas é importante sabermos que ainda temos muitos outros para percorrer. Torcemos para que em Paris tenhamos não só as mulheres estampadas no logo dos jogos olímpicos, mas que suas posições, seu espaço e suas conquistas também sejam a marca desses 124 anos da entrada da primeira mulher em uma edição!

Bibliografia

LAVOI, N.; DUTOVE, J (2012). Barriers and supports for female coaches: An ecological model. Sports Coaching Review, v. 1, n. 1, p. 17-37.

NUNES, R. (2019). Women athletes in the Olympic Games. Journal of Human Sport and Exercise, 14(3), 674-683. https://doi.org/10.14198/jhse.2019.143.17. 

quarta-feira, 4 de agosto de 2021

Podcast - Política na Escola

Segue o primeiro episódio de uma série de podcasts intitulado “Política na Escola”, que tem como objetivo levar conhecimentos básicos da Ciência Política para o universo do Ensino Médio. Este projeto de ensino é coordenado pelos professores Mariele Troiano (UFF) e Ricardo Bruno Ferreira (UFF), é produzido pela discente Luisy Melchiades (UFF) e conta com o apoio das professoras Luana Viana (UFOP) e Flavia Mendes (FAETEC).

 

https://open.spotify.com/episode/0vUlLnXeJ1SxLMMYzxHbya...