Vitor Vasquez (Doutor em Ciência Política pela Unicamp)
Henrique Curi (Doutorando em
Ciência Política pela Unicamp)
Já no final de 2019, no seu primeiro ano de mandato, o presidente Jair Bolsonaro deixou o partido pelo qual foi eleito, o PSL. Na ocasião, após uma série de desentendimentos com o presidente da sigla, Luciano Bivar, Bolsonaro anunciou que sairia e criaria um novo partido, o Aliança pelo Brasil. No entanto, a tentativa fracassou e, fato é que, já estamos em 2021 e Bolsonaro segue sem partido. Mas o que significa um país ser liderado por um presidente sem partido? Traremos alguns apontamentos para responder esta questão a partir da importância partidária, para políticos e eleitores, tendo em vista seus três principais eixos institucionais: governamental; em sua relação com militantes e eleitores e; organizacional (Katz e Mair, 1993).
Para começar, vale
relembrar rapidamente a vida partidária de Jair Bolsonaro. O político já atuou
por oito siglas até aqui. Cronologicamente, foram os seguintes partidos: PDC,
PPR, PPB, PTB, PFL, PP, PSC e PSL. Porém, para sermos justos, destacamos que o
PDC se fundiu com o PDS para a criação do PPR que, por sua vez, se fundiu com o
PP para criar o PPB. Ou seja, se considerarmos a origem comum de PDC, PPR e
PPB, Bolsonaro atuou “apenas” por seis siglas distintas. Nosso ponto, aqui, é
que o uso utilitarista do partido feito pelo atual presidente do Brasil não
chega a ser novidade. Pelo contrário, marcou a sua carreira política até então.
O que muda é o status de seu cargo e a sua atual condição partidária. Se antes
Bolsonaro ocupava cargos legislativos e migrava de partido, hoje ocupa o
principal posto eleitoral do país e está sem partido.
Isto se reflete no uso
utilitário que Bolsonaro fez de cada partido em cada momento. Ao ocupar os
cargos de vereador e deputado, o político necessitava dos partidos, seja para
participar das disputas, seja para atuar no Legislativo. Porém, para concorrer
à presidência e, posteriormente, exercer a sua função, Bolsonaro só precisava
de um partido para chamar de seu, pois, neste caso, ele centralizou a eleição e
o governo em torno de sua figura, transformando decisões eleitorais e
governativas em ações personalistas.
Do ponto de vista
organizacional, os partidos políticos são responsáveis pela seleção das
candidaturas que serão ofertadas aos eleitores. Especialmente no Brasil onde,
para disputar uma eleição, um político precisa obrigatoriamente estar filiado a
algum partido. Neste processo, a definição do candidato é anterior ao período
eleitoral e, em geral, reflete a preferência dos grupos intrapartidários de
maior força (Katz, 2001). Consequentemente, o nome a ser escolhido possui
ideais próximos a essa elite, ou pelo menos representa seus principais
objetivos.
Nesse sentido, o caso
do atual presidente é simbólico, já que conforma um processo contrário ao que
usualmente se espera quando pensamos na relação partido-candidato: dado seu
potencial eleitoral em 2018, diversos partidos disputaram a filiação de
Bolsonaro. Portanto, na relação Bolsonaro e PSL a dinâmica partidária de
seleção de candidato se inverteu sendo que, desta vez, foi o candidato que
escolheu a sua elite. Ao fazê-lo, ele se sobrepôs ao grupo intrapartidário
dominante, sendo, inclusive, esta condição, de perfil autoritário, necessária
para aceitar a filiação.
As consequências para a
sigla foram variadas. Por um lado, um proeminente grupo intrapartidário do PSL,
denominado “Livres”, abandonou o partido por conta da candidatura. Por outro,
na esteira de Bolsonaro, o partido elegeu três governos estaduais (RO, RR e
SC), além da segunda maior bancada da Câmara (53 deputados federais). Apesar
desse sucesso eleitoral estrondoso, como Bolsonaro nunca se preocupou em
construir a legenda de maneira coletiva e democrática, não hesitou em abandonar
o barco após o primeiro desentendimento interno.
Ao agir desta forma,
Bolsonaro estendeu o seu personalismo eleitoral para o governo. Assim, seus
eleitores e simpatizantes alimentam um vínculo parte ligado às ideias que
defende e representa, mas parte vinculada à própria figura do presidente. Não à
toa o político é conhecido por seus apoiadores como “mito” e ele mesmo nutre
esta condição. A atuação personalista e descolada da imagem de um partido
contorna a função partidária de realizar o elo entre políticos e eleitores,
pois a relação que Bolsonaro estabelece é direta (Worsley, 1973).
Sabemos que esta função
partidária no Brasil é deficitária. O elevado número de partidos, a baixa
identificação partidária, as altas taxas de migração e a avaliação ruim que os
partidos possuem perante a população tornam a relação entre partidos e
eleitores algo potencialmente frágil no país. No entanto, no caso Bolsonaro
esta relação não é frágil, ela simplesmente não existe. Isto torna difícil a
tarefa de associar Bolsonaro a alguma elite política, fortalecendo a sua
narrativa de praticante da nova política, apesar de estar na vida pública
eletiva desde o final dos anos 1980.
Isto, finalmente, nos
leva ao terceiro eixo institucional dos partidos: o partido no governo. Ao
propor uma nova política, Bolsonaro assegurou aos seus eleitores o fim do “toma
lá dá cá”, que seria o fim da barganha entre cargos políticos – principalmente
ministeriais – e apoio legislativo para a agenda governista. A promessa incluía
ministros técnicos, especialistas em suas pastas e que exercessem sua função
isentos de ideologia. Neste caso, a falta de partido do presidente somada à
ausência de uma base fixa de apoio (coalizão de governo) sugerem um desprezo
pelo partido político cumprindo uma de suas funções essenciais que é a de
governar, tanto no Executivo quanto no Legislativo.
O resultado desta
experiência tem sido desastroso. A convivência em um partido político exige, necessariamente,
diálogo e construção de ideias com grupos heterogêneos, já que os partidos,
ainda que aglutinadores de interesses em comum, são compostos por políticos,
militantes e membros de preferências similares, mas não idênticas (Ceron, 2017).
O desprezo que o presidente demonstra pelos partidos políticos, na verdade,
demonstra o desprezo por normas mínimas que uma democracia exige.
Preterindo as
instituições partidárias, Bolsonaro provoca confusão em eleitores, adversários
e até interlocutores. Do ponto de vista da organização, o presidente inverte a
ordem ao leiloar a sua candidatura pelo preço máximo: controle completo da
legenda. Agindo no governo de forma “independente”, não consegue coordenar
minimamente o planejamento e execução de uma agenda. Ao mesmo tempo, justamente
em razão desta independência, lava as suas mãos, terceirizando a culpa de
fracassos por má gestão aos demais entes federativos (estados e municípios),
por não aprovação de leis para outros Poderes (Legislativo e Judiciário) ou até
mesmo para os ministros, como no caso da pasta da Saúde, que já está em seu
quarto ocupante em plena pandemia de Covid-19. Esta negação dos partidos faz
com que Bolsonaro se desvie da culpa, pelo menos perante seus seguidores mais
radicais, sendo que, em última instância, é ele o chefe do Executivo e
responsável direto pelas ações do governo.
O mais grave é que a
estratégia para 2022 se repete. A candidatura de Bolsonaro está em disputa e
pelo menos sete partidos já foram ventilados como possível nova casa do
presidente: Progressistas, PTB, PR, PRTB, DC, PMB (recém nomeado Brasil 35) e o
próprio PSL. Ou seja, corremos mais uma vez o risco de sermos governados por um
presidente que deseja o seu partido apenas para disputar eleição, pois,
almeja mesmo é governar, do seu jeito, o seu país. O resultado
desse personalismo autoritário e exacerbado, somado a falta de diálogo e a
coordenação com preferências distintas da do próprio presidente nós já sabemos
– da pior forma possível – qual é.
Referências Bibliográficas
CERON,
A. “Intra-party politics in 140 characters”. Party Politics, v. 23, n. 1, p. 7-17, 2017.
KATZ,
R. “The Problem of Candidate Selection and Models of Party Democracy”, Party
Politics, v. 7, n. 3, p. 277–96, 2001.
KATZ,
R.; MAIR, P. “The evolution of party organizations in Europe: the three faces
of party organization”. American Review of Politics, vol. 14, p. 593-617, 1993.
WORSLEY,
P. “O conceito de populismo”. In:
TABAK, F. (org.). Ideologias – populismo. Rio de Janeiro: Eldorado. 1973.