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quarta-feira, 5 de maio de 2021

Bolsonaro: o presidente sem partido

 Vitor Vasquez (Doutor em Ciência Política pela Unicamp)

Henrique Curi (Doutorando em Ciência Política pela Unicamp)

 

Fonte: Folha de São Paulo, Ricardo Borges/Folhapress.

 

Já no final de 2019, no seu primeiro ano de mandato, o presidente Jair Bolsonaro deixou o partido pelo qual foi eleito, o PSL. Na ocasião, após uma série de desentendimentos com o presidente da sigla, Luciano Bivar, Bolsonaro anunciou que sairia e criaria um novo partido, o Aliança pelo Brasil. No entanto, a tentativa fracassou e, fato é que, já estamos em 2021 e Bolsonaro segue sem partido. Mas o que significa um país ser liderado por um presidente sem partido? Traremos alguns apontamentos para responder esta questão a partir da importância partidária, para políticos e eleitores, tendo em vista seus três principais eixos institucionais: governamental; em sua relação com militantes e eleitores e; organizacional (Katz e Mair, 1993).

Para começar, vale relembrar rapidamente a vida partidária de Jair Bolsonaro. O político já atuou por oito siglas até aqui. Cronologicamente, foram os seguintes partidos: PDC, PPR, PPB, PTB, PFL, PP, PSC e PSL. Porém, para sermos justos, destacamos que o PDC se fundiu com o PDS para a criação do PPR que, por sua vez, se fundiu com o PP para criar o PPB. Ou seja, se considerarmos a origem comum de PDC, PPR e PPB, Bolsonaro atuou “apenas” por seis siglas distintas. Nosso ponto, aqui, é que o uso utilitarista do partido feito pelo atual presidente do Brasil não chega a ser novidade. Pelo contrário, marcou a sua carreira política até então. O que muda é o status de seu cargo e a sua atual condição partidária. Se antes Bolsonaro ocupava cargos legislativos e migrava de partido, hoje ocupa o principal posto eleitoral do país e está sem partido.

Isto se reflete no uso utilitário que Bolsonaro fez de cada partido em cada momento. Ao ocupar os cargos de vereador e deputado, o político necessitava dos partidos, seja para participar das disputas, seja para atuar no Legislativo. Porém, para concorrer à presidência e, posteriormente, exercer a sua função, Bolsonaro só precisava de um partido para chamar de seu, pois, neste caso, ele centralizou a eleição e o governo em torno de sua figura, transformando decisões eleitorais e governativas em ações personalistas.

Do ponto de vista organizacional, os partidos políticos são responsáveis pela seleção das candidaturas que serão ofertadas aos eleitores. Especialmente no Brasil onde, para disputar uma eleição, um político precisa obrigatoriamente estar filiado a algum partido. Neste processo, a definição do candidato é anterior ao período eleitoral e, em geral, reflete a preferência dos grupos intrapartidários de maior força (Katz, 2001). Consequentemente, o nome a ser escolhido possui ideais próximos a essa elite, ou pelo menos representa seus principais objetivos.

Nesse sentido, o caso do atual presidente é simbólico, já que conforma um processo contrário ao que usualmente se espera quando pensamos na relação partido-candidato: dado seu potencial eleitoral em 2018, diversos partidos disputaram a filiação de Bolsonaro. Portanto, na relação Bolsonaro e PSL a dinâmica partidária de seleção de candidato se inverteu sendo que, desta vez, foi o candidato que escolheu a sua elite. Ao fazê-lo, ele se sobrepôs ao grupo intrapartidário dominante, sendo, inclusive, esta condição, de perfil autoritário, necessária para aceitar a filiação.

As consequências para a sigla foram variadas. Por um lado, um proeminente grupo intrapartidário do PSL, denominado “Livres”, abandonou o partido por conta da candidatura. Por outro, na esteira de Bolsonaro, o partido elegeu três governos estaduais (RO, RR e SC), além da segunda maior bancada da Câmara (53 deputados federais). Apesar desse sucesso eleitoral estrondoso, como Bolsonaro nunca se preocupou em construir a legenda de maneira coletiva e democrática, não hesitou em abandonar o barco após o primeiro desentendimento interno.

Ao agir desta forma, Bolsonaro estendeu o seu personalismo eleitoral para o governo. Assim, seus eleitores e simpatizantes alimentam um vínculo parte ligado às ideias que defende e representa, mas parte vinculada à própria figura do presidente. Não à toa o político é conhecido por seus apoiadores como “mito” e ele mesmo nutre esta condição. A atuação personalista e descolada da imagem de um partido contorna a função partidária de realizar o elo entre políticos e eleitores, pois a relação que Bolsonaro estabelece é direta (Worsley, 1973).

Sabemos que esta função partidária no Brasil é deficitária. O elevado número de partidos, a baixa identificação partidária, as altas taxas de migração e a avaliação ruim que os partidos possuem perante a população tornam a relação entre partidos e eleitores algo potencialmente frágil no país. No entanto, no caso Bolsonaro esta relação não é frágil, ela simplesmente não existe. Isto torna difícil a tarefa de associar Bolsonaro a alguma elite política, fortalecendo a sua narrativa de praticante da nova política, apesar de estar na vida pública eletiva desde o final dos anos 1980.

Isto, finalmente, nos leva ao terceiro eixo institucional dos partidos: o partido no governo. Ao propor uma nova política, Bolsonaro assegurou aos seus eleitores o fim do “toma lá dá cá”, que seria o fim da barganha entre cargos políticos – principalmente ministeriais – e apoio legislativo para a agenda governista. A promessa incluía ministros técnicos, especialistas em suas pastas e que exercessem sua função isentos de ideologia. Neste caso, a falta de partido do presidente somada à ausência de uma base fixa de apoio (coalizão de governo) sugerem um desprezo pelo partido político cumprindo uma de suas funções essenciais que é a de governar, tanto no Executivo quanto no Legislativo.

O resultado desta experiência tem sido desastroso. A convivência em um partido político exige, necessariamente, diálogo e construção de ideias com grupos heterogêneos, já que os partidos, ainda que aglutinadores de interesses em comum, são compostos por políticos, militantes e membros de preferências similares, mas não idênticas (Ceron, 2017). O desprezo que o presidente demonstra pelos partidos políticos, na verdade, demonstra o desprezo por normas mínimas que uma democracia exige.

Preterindo as instituições partidárias, Bolsonaro provoca confusão em eleitores, adversários e até interlocutores. Do ponto de vista da organização, o presidente inverte a ordem ao leiloar a sua candidatura pelo preço máximo: controle completo da legenda. Agindo no governo de forma “independente”, não consegue coordenar minimamente o planejamento e execução de uma agenda. Ao mesmo tempo, justamente em razão desta independência, lava as suas mãos, terceirizando a culpa de fracassos por má gestão aos demais entes federativos (estados e municípios), por não aprovação de leis para outros Poderes (Legislativo e Judiciário) ou até mesmo para os ministros, como no caso da pasta da Saúde, que já está em seu quarto ocupante em plena pandemia de Covid-19. Esta negação dos partidos faz com que Bolsonaro se desvie da culpa, pelo menos perante seus seguidores mais radicais, sendo que, em última instância, é ele o chefe do Executivo e responsável direto pelas ações do governo.

O mais grave é que a estratégia para 2022 se repete. A candidatura de Bolsonaro está em disputa e pelo menos sete partidos já foram ventilados como possível nova casa do presidente: Progressistas, PTB, PR, PRTB, DC, PMB (recém nomeado Brasil 35) e o próprio PSL. Ou seja, corremos mais uma vez o risco de sermos governados por um presidente que deseja o seu partido apenas para disputar eleição, pois, almeja mesmo é governar, do seu jeito, o seu país. O resultado desse personalismo autoritário e exacerbado, somado a falta de diálogo e a coordenação com preferências distintas da do próprio presidente nós já sabemos – da pior forma possível – qual é.

Referências Bibliográficas

CERON, A. “Intra-party politics in 140 characters”. Party Politics, v. 23, n. 1, p. 7-17, 2017.

KATZ, R. “The Problem of Candidate Selection and Models of Party Democracy”, Party Politics, v. 7, n. 3, p. 277–96, 2001.

KATZ, R.; MAIR, P. “The evolution of party organizations in Europe: the three faces of party organization”. American Review of Politics, vol. 14, p. 593-617, 1993.

WORSLEY, P. “O conceito de populismo”. In: TABAK, F. (org.). Ideologias – populismo. Rio de Janeiro: Eldorado. 1973.