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quarta-feira, 31 de agosto de 2022

A campanha presidencial e o voto das mulheres evangélicas

 

 

                                                       Texto escrito por Flávia Mendes 

 

Na convenção que oficializou a candidatura de Jair Bolsonaro para a presidência da República, Michelle Bolsonaro afirmou: “Ele é um escolhido de Deus. Ele é um escolhido de Deus! Esse homem tem um coração puro, limpo, além de ser lindo, né? Mas é meu.” E prosseguiu afirmando que a reeleição tratava-se de uma guerra espiritual de libertação, uma polaridade do bem contra o mal, e falou diretamente com as mulheres: “quando ele leva água para o nordeste, ele está cuidando da mãe dona de casa, a mãe que leva o balde, a bacia na cabeça para fazer o alimento, para dar banho aos seus filhos. Esse é o presidente que falam que não gosta de mulheres”[1]. A partir de então, a primeira-dama, que é evangélica, tem participado ativamente da agenda de campanha de seu marido. Mudou seu visual estético, recentemente passou a vestir roupas mais sóbrias, com menos decotes e partes do corpo à mostra, os cabelos estão mais escuros, e o corte mudou. Vem fazendo discursos direcionados ao público evangélico, sobretudo às mulheres deste segmento religioso, com a afirmação que a atual campanha presidencial trata-se não de uma disputa política, mas de uma guerra espiritual.

Atualmente, 1 em cada 4 brasileiros é evangélico, ou seja, 25% da população. Embora os católicos ainda representem a maioria da população, os evangélicos são mais organizados politicamente. A atuação desse grupo religioso na política não começou recentemente, foi crescendo ao longo das últimas décadas, a ponto de chegarmos na atual campanha presidencial e este ser o segmento da população mais disputado. Se em 2018 as fake news eram sobre a ameaça à família, a moral e aos bons costumes que o inventado kit gay e a ideologia de gênero fariam nas escolas, este ano é sobre a fictícia notícia que igrejas evangélicas podem ser fechadas. 

Na última eleição presidencial, em 2018, o voto evangélico foi decisivo para a vitória de Jair Bolsonaro, embora este grupo não seja homogêneo, 70% dos evangélicos naquele ano votaram no atual presidente. Em 2022 o voto dessa parcela da população tem sido o mais disputado entre os dois candidatos que lideram as pesquisas: o atual presidente Bolsonaro, que concorre a reeleição, e o ex-presidente Luís Inácio Lula da Silva. A última pesquisa Datafolha nos apresentou o dado de que Bolsonaro ampliou a vantagem nesse grupo. A pesquisa mostrou que na disputa presidencial, Lula tem 47% dos votos e Bolsonaro 32%, mas entre os eleitores evangélicos, Bolsonaro ampliou sua vantagem e tem agora 49%, enquanto Lula tem 32%[2]. No entanto, o que chama atenção no resultado da pesquisa, é que entre os evangélicos, a intenção de voto de homens e mulheres não é idêntica.

A pesquisa Datafolha nos trouxe o dado que 34% das eleitoras evangélicas ainda não decidiram em quem votar, o que significa que o voto dessa parcela da população pode ser decisivo para levar a eleição para o segundo turno, algo importante para a campanha bolsonarista  e, não à toa, a  participação de Michelle Bolsonaro na campanha tornou-se tão importante. Sua presença faz parte da tentativa de dialogar com as mulheres evangélicas, suavizar a imagem do Bolsonaro e apresentar o atual presidente como alguém mais humano, já que pesquisas qualitativas mostram que ele é visto como alguém “insensível, grosseiro e egoísta”[3].

Mas afinal, o que querem as mulheres evangélicas e por que votam diferente dos homens? Uma das possíveis respostas está no elemento família. Para as mulheres evangélicas, e essas em sua maioria fazem parte das classes populares, há uma preocupação com políticas públicas do cuidado, “elas também desejam autonomia financeira, direitos iguais e focam em questões cotidianas.[4]” As mulheres, independente da religião, são as responsáveis pelo cuidado, pela manutenção da vida cotidiana pela subsistência das famílias, portanto, dão prioridade a políticas que façam diferença na vida cotidiana.

O atual governo pode ser classificado como neoconservador, já que sua forma de governo possui uma lógica que une neoliberalismo com conservadorismo moral. “Um dos aspectos mais importantes da aliança entre neoliberais e conservadores, que engendra o neoconservadorismo, é que eles convergem em uma narrativa da crise que tem como lócus a família”. (BIROLI; VAGGIONE; MACHADO, 2020, p. 26)

            Governos neoconservadores, não apenas no Brasil utilizam discurso que flerta com “valores familiares” a partir de uma agenda moral para justificar censuras e retrocessos em leis e políticas públicas. Nessa agenda as tradições morais são defendidas, os avanços feministas, por exemplo, atacados e tratados como ameaça. A defesa da família está relacionada com a maneira como a divisão do trabalho e das responsabilidades é percebido, porque embora as mulheres continuem sendo as principais responsáveis pelo trabalho doméstico e do cuidado, sua presença no mundo do trabalho aumentou.  (BIROLI, 2020, p. 149).

Isso significa que o trabalho gratuito que desempenharam historicamente entra em tensão com suas funções na vida pública, mesmo em uma perspectiva bastante prática: o tempo disponível para o trabalho remunerado, o tempo destinado ao cuidado e o tempo destinado à profissionalização e aos vínculos laborais entram frequentemente em conflito (BIROLI, 2020, p. 149).

 

 

            Nesse sentido, podemos pensar que se por um lado as fake news e o medo que igrejas sejam fechadas afetem essas mulheres, na medida em que são nesses espaços que elas são acolhidas e encontram uma rede de apoio quando o Estado é ausente, por outro lado, a necessidade de políticas públicas que transforme diretamente suas vidas e seu cotidiano pesará na decisão do voto. Se em 2018 a identidade evangélica pesou na decisão das mulheres evangélicas, os quatro anos de governo Bolsonaro, o desmonte de inúmeras políticas públicas, a inflação, a perda do poder de compra do salário mínimo e o desemprego, tem muita relação com a indecisão atual das mulheres evangélicas.  

Jacqueline Teixeira, professora da UNB, que há alguns anos pesquisa o eleitorado evangélico, sobretudo o feminino que frequenta as igrejas neopentecostais, afirma que:

 

É um público de baixa renda baixa, mulheres que passaram por esse processo de vulnerabilização posterior à pandemia, preocupadas com núcleos familiares estendidos. Na ausência dos homens, elas são responsáveis pelos netos, pelos sobrinhos e agregados. Vão confiar em quem oferecer políticas para ajudá-las nessa atividade de garantir a subsistência e o cuidado das famílias[5]

 

Assim, é importante que a esquerda consiga dialogar com as eleitoras, sem perder de vista que a agenda econômica e a manutenção da vida diária tem um peso relevante para este público. Por isso, os ataques às igrejas, espaços onde são acolhidas, mexe com seus afetos e medos, é importante escutar essas mulheres sem perder de vista que a categoria família é geradora de políticas públicas, que vai além do público evangélico, porque alcança o eleitorado geral e faz sentido para a vida cotidiana dos indivíduos porque interfere no desemprego, queda da renda, qualidade de vida, fome, insegurança alimentar, educação, saúde e segurança e pelo que indicam as pesquisas, vai interferir diretamente no voto feminino.

 

Referências

 

BALLOUSIER, Anna Virgínia; BOGOSIAN, Bruno. Datafolha: Mulheres evangélicas impedem que Bolsonaro vá melhor nas igrejas. Jornal Folha de são Paulo, 2022. Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/poder/2022/08/datafolha-mulheres-evangelicas-impedem-que-bolsonaro-va-melhor-nas-igrejas.shtml

 

BIROLI, Flávia. Gênero, “valores familiares” e democracia. In: BIROLI, Flávia; VAGGIONE, Juan Marco; MACHADO, Maria das Dores Campos. Gênero, neoconservadorismo e democracia: disputas e retrocessos na América Latina. São Paulo: Boitempo, 2020.

 

BIROLI, Flávia; VAGGIONE, Juan Marco; MACHADO, Maria das Dores Campos. Gênero, neoconservadorismo e democracia: disputas e retrocessos na América Latina. São Paulo: Boitempo, 2020.

 

EVANGELISTA, Ana Carolina; TEIXEIRA, Jacqueline; REIS, Lívia. O que querem as mulheres evangélicas nesta eleição? Jornal Folha de São Paulo, 2022. Disponível em https://www1.folha.uol.com.br/ilustrissima/2022/08/o-que-querem-as-mulheres-evangelicas-nesta-eleicao.shtml Acesso em 28 Ago. 2022.

 

NUNES, Felipe. Lula X Bolsonaro: fase pós-convenção. O Assunto, 2022. Disponível em: https://open.spotify.com/episode/1qvQZcKopb4mVb9zOcxKCC  Acesso em 22 Ago. 2022.

 

SAKAMOTO, Leonardo. Michelle diz que Jair “gosta de mulheres” mas pesquisa mostra o contrário. UOL, 2022. Disponível em: https://noticias.uol.com.br/colunas/leonardo-sakamoto/2022/07/25/michelle-diz-que-jair-gosta-d-mulheres-mas-pesquisa-revela-o-contrario.htm Acesso 30 Ago. 2022.

 

SOLANO, Esther. In: Brasil fora da Bolha: mulheres. O Globo, 2022. Disponível em https://infograficos.oglobo.globo.com/politica/especial-eleicoes-2022-brasil-fora-da-bolha.html?mulheres Acesso em 22 Ago. 2022.

 

TEIXEIRA, Jacqueline. In: Porque o voto das evangélicas será decisivo. Valor, 2022. Disponível em https://valor.globo.com/politica/eleicoes-2022/coluna/por-que-o-voto-das-evangelicas-sera-decisivo.ghtml.