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terça-feira, 28 de junho de 2022

A História Política do século XXI requer outros estudos do Capitalismo

Escrito por Milton Ferreira Lima dos Santos[1]

 

            No espaço dos últimos dois séculos (XIX e XX), o mundo testemunhou a transformação de uma época, onde a história enquanto disciplina era tradicionalmente voltada para uma história política, mas passou a ser explicada no século XX por uma história problema[2]. A partir dos desafios[3] presentes na mudança do breve século XX, esta história problema encontrou na produção historiográfica de Eric Hobsbawm, “A Era dos Extremos” [4], a qual joga luz sobre os desafios do mundo marcado por uma nova história (BURKE, 1990).  

            O historiador que esteve acostumado a lidar com o passado ou como lembra Fernand Braudel (1965) com a longa duração (onde a propaganda de guerra dizia: ainda há lugar para você), tem a partir da primeira guerra mundial o estudo comparativo entre nações de Marc Bloch. Quando retomamos Hobsbawm, lembramos que o autor dispôs de uma trilogia (A Era da Revolução A Era do Império e A Era dos Extremos) da qual utilizaremos em nossa análise, a última obra que remete o pós-guerra e o capitalismo.



Fonte: https://library.leeds.ac.uk/special-collections/tour/726/war_propaganda#activate-image1

             A obra supracitada de Eric Hobsbawm tratando do breve século XX discorre sobre a primeira guerra mundial até o ano de 1991[5]. O colapso da união soviética no século das revoluções teve que lidar com a desintegração dos impérios. A primeira guerra mundial desencadeou a desintegração do império russo (SHARPE, 1997).

            Para Menduni (1973), o século XX testemunhou com a historiografia de Hobsbawm na Inglaterra outra produção historiográfica do capitalismo. Sobre a recepção do capitalismo na Itália vale lembrar que neste período os historiadores italianos estavam preocupados com a questão da unidade nacional em meados dos anos de 1970. É importante lembrar que os estudos de Gramsci sobre a luta de classes italiana influenciaram Hobsbawm, principalmente no texto intitulado “I ribelli”. O texto sobre os rebeldes “confirma a particularidade substancial do interesse de Hobsbawm, que se reúne em torno de transformações revolucionárias” (MENDUNI, 1973, p. 684). Portanto, se os últimos dois séculos apresentaram uma nova história, e a historiografia estudada indicará a luta por direitos civis como veio apontar Hegel, tanto a filosofia política, quanto a filosofia do direito (LOEWENSTEIN, 1973), serão objeto de estudo da teoria da constituição.

 

O capitalismo e a ciência política como temas quentes na história política

           

       O debate histórico deste mundo em mudança encontrará na ciência política o comportamento humano frente aos conflitos sociais oriundos do pós-guerra do século XX. Por isso, o tema quente do século XXI será o capitalismo – e esse debate será polêmico.  De acordo com Kocka (2011), o conceito ou substantivo “Capitalismo”, apenas viria a se firmar, na segunda metade do século XIX[6]. Antes do século XIX o termo não tinha tanta referência, pois, termos como capital e capitalista[7] eram mais utilizados até então. Na Alemanha do século XVI, por exemplo, Kapital era visto na escala comercial, o que mudaria quando disciplinas como, as ciências sociais e as ciências econômicas apareceram nos séculos XVII e XVIII (KOCKA, 2011, p. 5). O social é visto por uma disputa entre as novas ciências humanas, o que significa dizer que, as ciências sociais uma vez em disputa deixam como legado uma a outra, o caráter abrangente de estudar o social por completo. Assim a economia encontra a história, a geografia e a sociologia “na construção de um mercado comum”. “(...) É preciso que, quando desta tomada em comum de técnicas e conhecimentos, cada um dos participantes não permaneça limitado no seu trabalho particular, cego ou surdo, como no passado (...)” (BRAUDEL, 1965, p. 262). O fenômeno do poder[8] é constantemente estudado pela ciência política e pela filosofia política, como também o é, pelas ciências sociais em geral; e tal estudo sobre o poder já vem sendo discutido por séculos através de grandes teóricos como, Aristóteles, Maquiavel, Montesquieu, Rousseau e Lenin (LOEWENSTEIN, 1973, p. 24). No entanto, a partir de conceitos como, comunismo, socialismo e capitalismo, entre a história política e a social que crescia surgira à sociologia e para ciência política é dado, o estudo do objeto de poder.

            Se por um lado a história política dos últimos dois séculos teve de lidar com o que Bloch, ao estudar a monarquia[9], chamou de história política da Europa, quando compara na longa duração o poder peculiar do rei sobre a psicologia religiosa e o milagre da fé, por outro como um milagre econômico, o capitalismo teve desde a revolução industrial seu modo de dividir para reinar. O capitalismo do século XX, tal como liberalismo ou tal como neoliberalismo, é direcionado para o pensamento econômico da vida social como mera mercadoria, por isso, o capitalismo deve ser relido no século XXI com outra história política. Portanto, o capitalismo se renova e continua dividido em disciplinas, é preciso para uma análise crítica de seu desenvolvimento uma análise interdisciplinar e uma crítica para se buscar outros estudos do capitalismo na história política quanto na ciência política.

 

Referências Bibliográficas:

BRAUDEL, F. História e Ciências Sociais: a longa duração. Revista de História[S. l.], v. 30, n. 62, p. 261-294, 1965. DOI: 10.11606/issn.2316-9141.rh.1965.123422. Disponível em: https://www.revistas.usp.br/revhistoria/article/view/123422. Acesso em: 28 jun. 2022.

BURKE, Peter. A Escola dos Annales (1929-1989): a Revolução Francesa da historiografia/ Peter Burke; tradução Nilo Odalia. – São Paulo: Fundação Editora da Unesp, 1997.

LOEWENSTEIN, Karl. Teoría de la constitución. Reimpresión, 1979. Barcelona. Tradución: Alfredo Gallego Anabitarte.

M.E. Sharpe (1997) The Age of Extremes: A History of the World, 1914-1991 by Eric Hobsbawm, Challenge, 40:2, 121-127, DOI: 10.1080/05775132.1997.11471967. Disponível em: <http://dx.doi.org/10.1080/05775132.1997.11471967> Acesso em jun.2022.



[1] Mestrando em História Comparada pelo IH do PPGHC/UFRJ. E-mail: miltonsociologo@yahoo.com

[2] “A insatisfação que os jovens Marc Bloch e Lucien Febvre demonstravam, nas décadas de 10 e 20, em relação à história política, sem dúvida estava vinculada à relativa pobreza de suas análises, em que situações históricas complexas se viam reduzidas a um simples jogo de poder entre grandes – homens ou países – ignorando que, aquém e além dele, se situavam campos de forças estruturais, coletivas e individuais que lhe conferiam densidade e profundidade incompatíveis com o que parecia ser a frivolidade dos eventos”. (BURKE, 1990, p. 7).

[4] Segundo Sharpe (1997) quando Hobsbawm escreveu sobre o breve século XX – 1914 até 1991 – em The Age of Extremes, ele estava preocupado com a história e a memória, e tal preocupação, o levou a dividir o livro em três partes, A era da catástrofe, A era de ouro e Avalanche. M.E. Sharpe (1997) The Age of Extremes: A History of the World, 1914-1991 by Eric Hobsbawm, Challenge, 40:2, 121-127, DOI: 10.1080/05775132.1997.11471967. Disponível em: <http://dx.doi.org/10.1080/05775132.1997.11471967> Acesso em jun.2022.

[5] Ver as obras da trilogia: The Age of Revolution 1789-1848; The Age of Empire 1875 -1914.

[6] Ver (KOCKA, 2011) capítulo 1: O nascimento de um conceito polêmico.

[7] Um capitalista no século XIX era aquele que detinha um montante alto de capital, ou seja, dinheiro ou um patrimônio considerado extenso, para viver de seus lucros. O capitalista era o comerciante, o banqueiro, quem emprestava dinheiro, ou aquele que havia se beneficiado de seu capital para gerar mais renda. Embora o capitalista também fosse visto como um profissional que ganhasse dinheiro além da necessidade de seu consumo (KOCKA, 2011, p. 6).

[8] “Cada vez com mais unanimidade se considera o poder como a infraestrutura dinâmica das instituições sociopolíticas. Não deixa de ser significativo, por outra parte, que a ênfase que se põe em nossa geração sobre o poder como chave para a melhor compreensão da sociedade estatal, tem vindo a substituir o interesse científico pelo conceito de soberania que ao longo de tantos séculos ocupou um ponto de honra tanto na teoria política como na prática do direito internacional”. (LOEWENSTEIN, 1973, p. 24).

[9] Em sua obra Les Rois Thaumaturges, a qual fora vista por Ginzburg (1965) e Lê Goff (1983) como uma grande obra do século XX, trouxe a temática da crença bastante difundida, tanto na Inglaterra como na França, “da Idade Média até o século XVIII, de que os reis tinham o poder de curar os doentes”. (BURKE, 1997, p. 28).