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quarta-feira, 27 de outubro de 2021

Nova direita e neoconservadorismo no Brasil

Escrito por Flavia Mendes

 

Nova direita e neoconservadorismo no Brasil

           

            Os últimos anos no Brasil trouxeram à tona uma direita diferente da direita tradicional, o que tem sido chamado de nova direita. A direita tradicional pós-redemocratização e Constituição atuava dentro dos marcos do pacto de 1988. Um pacto democrático apoiado na Constituição, que tem substrato progressista. Essa direita tradicional, por exemplo, compreendia o regime de presidencialismo de coalizão  – necessidade de construir maiorias parlamentares para governar –, eleições, divisão dos poderes e todo um aparato institucional da democracia liberal estabelecida por aqui. A direta tradicional não rompia com o pacto. A nova direita ao contrário, visa romper. Ela quer substituir o substrato progressista por um substrato conservador, radical e também romper com o livre mercado (ROCHA, 2021). Neoliberalismo é pouco, defendem a privatização de tudo.

            O crescimento dessa nova direita, também chamada de extrema direita, não aconteceu apenas por aqui. Camila Rocha (2021) no excelente livro “Menos Marx, mais Mises: liberalismo e a nova direita no Brasil” afirma que a nova direita já vinha se organizando desde 2005 na antiga rede social Orkut após os escândalos do Mensalão no primeiro mandato do ex-presidente Lula. As pessoas que já se conectavam e trocavam experiências, textos e referências, não se viam representadas pela direita tradicional. Acontecimentos dos últimos anos somados a dificuldade dessa direita em encontrar um candidato capaz de vencer às eleições e o antipetismo, fizeram esse grupo apoiar Jair Bolsonaro na última eleição presidencial. Vale observar que a nova direita é uma força política – atores, organizações, políticos – mas é diferente e anterior ao bolsonarismo.

            No Brasil, entre os anos de 2013 e 2016 inúmeras manifestações levaram para as ruas novos atores, bem diferentes daqueles que majoritariamente ocupavam esses espaços desde a redemocratização na década de 1980. Manifestantes que se identificavam com posições de centro e de direita passaram a ir às ruas, levando para o espaço público, novas cores, novas demandas, novas bandeiras, nova estética e, inclusive, alterando os espaços onde historicamente as manifestações aconteciam nas grandes cidades do país.

             Os desdobramentos das manifestações que encheram as ruas de diversas cidades do Brasil e que também mobilizaram forte apoio nas redes sociais, com novos protagonistas no novo cenário político que se desenhou e permitiu o crescimento dessa direita que pegou alguns de surpresa, mas já se organizava desde os primeiros anos do governo PT, levaram Jair Messias Bolsonaro a presidência da República. Com discurso extremamente autoritário, uniu na campanha de 2018 conservadorismo e neoliberalismo.

O bolsonarismo, que teve início em 2014 e 2015, se apoiou em outro fenômeno político, cuja trajetória remonta a quase quinze anos: o surgimento de uma nova direita brasileira. Ao contrário da direita envergonhada atuante no país desde a redemocratização, pautada em uma defesa algo hesitante do livre mercado e em um conservadorismo difuso, a nova direita não tem nenhuma vergonha de se afirmar como tal. Unificada em torno do combate ao que considera ser uma “hegemonia cultural esquerdista” que teria passado a vigorar desde a redemocratização, age em defesa de uma combinação de radicalismo de mercado e conservadorismo programático e visa romper com o pacto democrático de 1988. (ROCHA, 2021, p. 9).

            Uma importante característica dessa nova direita que chegou ao poder e teve grande ascensão desde as manifestações de 2013, é a união entre liberalismo e conservadorismo, ou, o que tem sido chamado pela literatura de neoconservadorismo, que é uma organização intelectual que surgiu nos Estados Unidos na década de 1970, período da Guerra fria, e une libertarianismo econômico, tradicionalismo moral e anticomunismo. Enquanto movimento político se organizaram e chegaram ao poder em 1981 (LACERDA, 2019). Como o próprio nome já informa, o neoconservadorismo é um ideal ou movimento conservador e de direita, “sua peculiaridade reside na centralidade que atribui às questões relativas à família, à sexualidade, à reprodução e aos valores cristãos” (LACERDA, 2019, p. 29). Características importantes do novo conservadorismo é a relação com neoliberalismo, militarismo, punitivismo, anticomunismo e o sionismo. O discurso a favor da família, e contra uma suposta desordem moral, que seria resultado da agenda de igualdade de gênero que teve avanço nos últimos anos, é chave para este movimento. A partir dos anos 1970 houve a união entre um ultraliberalismo e o conservadorismo que questiona os direitos das mulheres e da população LGBTQIA+, defende a religião como fonte de autoridade política e fere princípios do Estado de direito, da democracia e do sistema internacional de direitos humanos.

            A união entre liberalismo e conservadorismo religioso foi a base do programa político de Jair Bolsonaro na eleição de 2018. Ele apresentou uma agenda ultraliberal com o Ministro Paulo Guedes a frente do Ministério da economia e uma agenda com inúmeras pautas morais que teve apoio principalmente da bancada evangélica, mas também de outros grupos religiosos e conservadores do país (FERREIRA, 2020).

            Em 2018 as eleições mostraram o “potencial de um ativismo conservador que mistura diferentes temáticas” (BIROLI, 2019, p. 12) mas que convergem contra os direitos humanos e, principalmente, o que chamam de ideologia de gênero. O que muita gente não levou a sério e foi classificado como cortina de fumaça foi a estratégia de campanha.


O ativismo pró-famíla patriarcal brasileiro é, tal qual o movimento neoconservador estadunidense, protagonizado por evangélicos, com participação relevante de católicos – nosso equivalente da direita cristã. Os argumentos mais frequentes usados na reação pró-família patriarcal brasileira são religiosos cristãos – depois argumentos jurídicos e da defesa da família tradicional. O léxico neoconservador está presente: os valores da maioria cristã devem prevalecer; a família é o principal projeto para uma sociedade justa e o principal mecanismo para prevenir estupros, pobreza, gravidez precoce, entre outros males. A família, e não o feminismo, oferece a segurança que as mulheres querem e de que precisam. (LACERDA, 2019, p.92/93).

 

            A aliança entre os liberais e os conservadores que resulta no neoconservadorismo tem uma narrativa cujo locus é a família. Algumas interpretações compreendem como uma forma de governo (BIROLI, 2020) não no sentido institucional mas Foucaultiano, de governamentalidade, de técnicas e procedimentos que vão dirigir as condutas dos indivíduos e produzir novas formas de subjetividade. (FOUCAULT, 1997).

            Atualmente, a popularidade de Jair Bolsonaro vem caindo a cada pesquisa apresentada. A crise política, econômica, os efeitos da pandemia e os resultados da CPI tornam o cenário para a eleição de 2022 difíceis para o atual presidente. No entanto, o discurso pró-família não desapareceu, já que é um dos pilares do bolsonarismo. Não a toa, em todos os discursos que fez na ONU Bolsonaro fez questão de falar da importância da família, e acenar para os seus eleitores, não se importando com o público que o escutava no evento ou os demais eleitores brasileiros. Bolsonarismo não é a mesma coisa que a nova direita, mas conseguiu estabelecer o casamento que garantiu a vitória em 2018 porque para ambos, direitos humanos e toda uma agenda democrática e feminista não interessa. O cenário mudou nos últimos anos e ao que parece, embora o Brasil siga sendo um país conservador, autoritário, misógino, racista e violento, a falta de emprego, a fome, a inflação e a maneira como o presidente conduziu a pandemia de COVID-19 serão as principais pautas para a eleição de 2022. O que não significa que a agenda neoconservadora tenha perdido apoiadores por aqui.

           

Referências

BIROLI, Flávia; VAGGIONE, Juan Marco; MACHADO, Maria das Dores Campos (Org.) Gênero, neoconservadorismo e democracia: disputas e retrocessos na América Latina. São Paulo: Boitempo, 2020.

FERREIRA, Flávia Mendes. Militarização do ensino e Escola sem partido: uma análise dos discursos de vigilância, controle e disciplina. Tese (Doutorado em Ciência Política). Universidade Federal Fluminense, 2020.

FOUCAULT, Michel. Resumo dos cursos do Collège de France (1970-1982). Rio de Janeiro: Zahar, 1997.

LACERDA, Marina Basso. O novo conservadorismo brasileiro: de Reagan a Bolsonaro. Porto Alegre: Zouk, 2019.

PINHEIRO-MACHADO, Rosana. Amanhã vai ser maior: o que aconteceu com o Brasil e as possíveis rotas de fuga para a crise atual. São Paulo: Planeta do Brasil, 2019.

PINTO, Céli regina Jardim. A trajetória discursiva das manifestações de rua no Brasil(2013-2015). In: SOLANO, Esther; ROCHA, Camila (Orgs.) As direitas nas redes e nas ruas: a crise política no Brasil. 1. ed. São Paulo: Expressão popular, 2019.

ROCHA, Camila. Liberalismo e nova direita no Brasil. Canal Assembleia de Minas Gerais, 2021. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=H2FBB_6PyLIhttps://www.youtube.com/watch?v=H2FBB_6PyLI Acesso em 26 Out. 2021.

ROCHA, Camila. Menos Marx, mais Mises: O liberalismo e a nova direita no Brasil. 1. ed. São Paulo: Todavia, 2021.