Escrito por Leonardo Almeida
Professor
da Universidade do Estado do Mato Grosso (UNEMAT)
A introdução do princípio da representação
política como eixo para o exercício da democracia suscita a crítica de que a
burocratização da atividade representativa, especialmente a representação
político-partidária na modernidade é, muitas das vezes, apontada como uma
maneira peculiar de contração da democracia, bem como da deslegitimação das
instituições democráticas e de seus agentes. A representação é vista como
geradora de uma elite que burocratiza e contradiz o seu ideal inicial, conforme
apontado por Robert Michels, no clássico livro da Ciência Política do século
XX: Sociologia dos partidos políticos (1982 [1911]), obra na
qual o autor busca, dentre outros objetivos, justificar a incapacidade das
massas e a possível ausência de um conteúdo mais substantivo para a ideia
moderna de democracia.
Na teoria desenvolvida por Robert Michels, à
medida que uma entidade ou organização cresce em número de apoiadores, a
necessidade de escolher representantes torna-se latente e, de certa forma,
inevitável. Portanto, a partir desse crescimento, a organização passa a exigir
maior especialização desses representantes, visto que tende a ser necessário
maior conhecimento jurídico, econômico e administrativo para o exercício dessa
liderança e representação. Tal exigência prática inevitavelmente produz uma
elite fechada e termina em sua própria existência, cada vez mais profissionalizada,
burocratizada e distante dos interesses do grupo que a produziu como
representante. Para Michels, então, a massa de representantes fica cada vez
mais distante do controle da organização, enquanto o corpo de representantes
eleitos também se torna cada vez mais distante dos interesses daqueles que
representam e, com isso, adquire demandas e interesses específicos do seu papel
que passa a ter o perfil de uma elite e com características de profissionais da
representação:
A especialização técnica,
esta consequência inevitável de qualquer organização mais ou menos extensa,
torna necessário o que chamamos de organização dos negócios. Daí resulta que o
poder de decisão, considerado como um dos atributos específicos da direção, é
pouco a pouco retirado das massas e concentrado exclusivamente nas mãos dos
chefes. E estes, que antes não eram senão os órgãos executivos da vontade
coletiva, em breve se tornam independentes das massas, frustrando-se ao seu
controle. Quem fala de organização fala em tendência à oligarquia. (MICHELS,
1982, p. 21).
Para Michels então, resumidamente, um regime
democrático demanda uma organização que consequentemente levará à representação
e que terá como resultado a oligarquização. É esse fenômeno o que o pensador
alemão chamará de lei de ferro da oligarquia: um círculo vicioso
resultante do deslocamento de uma inevitável classe dirigente minoritária em
matéria de interesses em relação ao de suas bases e que passa, então, a
defender objetivos divergentes dos que lhe originaram e, além disso, passam a
ter um fim em si mesmas, já que os interesses agora se centram na sua própria
manutenção e reprodução. Tal conceito ainda hoje resiste e permeia parte do
pensamento político e é utilizado para explicar alguns fenômenos relacionados
aos partidos políticos contemporâneos, como a distância entre o eleito e o
eleitorado, a indiferenciação entre os conteúdos programáticos dos partidos, a
dificuldade de acesso aos eleitos, dentre outros.
A indeferenciação entre partidos políticos era uma das tônicas dos protestos de junho de 2013 no Brasil.
Contudo,
a preocupação de Michels e de toda uma corrente elitista de
sua época, ao apontar para os problemas causados pela burocratização, tem como
foco central enunciar a inevitabilidade de uma representação democrática ou ao
menos o seu aprofundamento, em detrimento de imaginar alternativas plausíveis
de conterem, ao menos em partes, os efeitos da tal lei de ferro da
oligarquia. É, em tese, uma justificação do controle das minorias sobre
maiorias e não necessariamente a sua crítica.
Ainda
assim, o legado do ideário de Michels é o de clarificar o que viabiliza a
emergência das elites políticas profissionais no interior dos partidos
políticos – para além de apenas os democratas e socialistas – e serve para
pensar as consequências da oligarquização sobre as demais instituições
republicanas e democráticas formais, bem como o desgaste e deslegitimação das
mesmas.
A
teoria elitista pós-Michels tentou retirar dele e de sua teoria este estigma
interpretando que nem toda separação entre líderes e liderados é uma negação da
democracia, algo que Michels teria deixado de ressaltar. O argumento geral
seria o de que a tal separação é algo empiricamente visto como universal nas
democracias e, por concordarem com a ideia de que a democracia é a forma mais
adequada de governo, essa distinção e separação entre líderes e liderados será
lida como qualidade e virtude da democracia, não como sua negação. Assim, nesta
corrente, os procedimentos atuais das democracias ocidentais são aceitos como
uma resposta à inevitabilidade da oligarquização elaborada por Michels, sem maiores
argumentos para justificar tais procedimentos. Em síntese, o fenômeno da
elitização foi e continua sendo interpretado como inevitável (ou mesmo como
solução) e não como problema para as democracias que observavam.
Assim,
o “legado” de Michels e dos seus achados sobre oligarquização e burocratização
dos partidos sobre o pensamento político foi a problematização de qualquer
visão de democracia ampliada e, deste modo, portanto, legou uma limitação à
Ciência Política a descrever modelos de democracia existentes e focar-se nos
processos de escolha dos representantes para as instituições políticas via
eleições observando sobretudo a estabilidade dos sistemas
partidários e eleitorais, negligenciando assim outras dimensões da democracia,
como uma participação política mais ampliada, os mecanismos de democracia
direta, bem como o contato das instituições políticas com outras esferas
sociais, como a cultura, a economia e o mundo do trabalho. O viés elitista
desta abordagem está no fato de que centram a análise nos tomadores de decisão,
já que a incapacidade das massas é, de antemão, um dado prévio. O elitismo
enquanto método de análise da política ainda persiste pra boa parte do
pensamento político, mesmo no século XXI.
Brasil está na posição 140 entre 191 países do Mapa Global de Mulheres na Política 2020
A nova
sociologia dos partidos políticos precisa encarar pontos que não foram
centrais para Michels e outros, seja por suas opções ideológicas e
metodológicas ou pelo contexto do período histórico em que viveram. Ou seja,
precisamos encarar o fato de que, tal elite burocratizada e oligarquizada
tende, historicamente, a refletir e a replicar o padrão de desproporção entre
as elites e os grupos subalternos que são marca das sociedades capitalistas
modernas – a sub-representação de mulheres, de minorias étnicas e dos mais
pobres, ao mesmo tempo em que homens brancos, empresários, proprietários, com
nível superior e alta renda são sobre-representados – seja nos parlamentos, na
direção dos partidos ou onde quer que o poder político esteja concentrado.
A nova sociologia dos partidos políticos é a que entende que a
face da elite dominante que concentra o poder em termos econômicos e sociais é
a mesma que se beneficia da burocratização do poder político advinda da
oligarquização dos partidos e das instituições políticas, ao mesmo tempo em que
a retroalimenta, dado que a dominação política é condição anterior e posterior
para a manutenção dos privilégios em termos sociais, o que tem inaugurado novas
e inúmeras agendas de pesquisa em diversas campos das ciências sociais, mas
ainda não tem causado o mesmo “ânimo” nas principais publicações e centros de
pesquisa pertencentes ao campo da Ciência Política, ainda focados mais na
estabilidade, no funcionamento e na autonomia do sistema político e menos nos
seus contatos com as demais esferas sociais.
Referências Bibliográficas:
HELD,
David. Modelos de Democracia. Belo Horizonte: Paidéia, 1987.
MICHELS,
R. Sociologia dos partidos políticos. Brasília: UnB, 1982.
MIGUEL,
L. F. A democracia domesticada: Bases antidemocráticas do Pensamento
Democrático Contemporâneo. In: DADOS – Revista de
Ciências Sociais, Rio de Janeiro, Vol. 45, nº 3, pp. 483 a 511, 2002.