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quinta-feira, 29 de abril de 2021

Por uma nova sociologia dos partidos políticos

                                                       Escrito por  Leonardo Almeida

Professor da Universidade do Estado do Mato Grosso (UNEMAT)


 

A introdução do princípio da representação política como eixo para o exercício da democracia suscita a crítica de que a burocratização da atividade representativa, especialmente a representação político-partidária na modernidade é, muitas das vezes, apontada como uma maneira peculiar de contração da democracia, bem como da deslegitimação das instituições democráticas e de seus agentes. A representação é vista como geradora de uma elite que burocratiza e contradiz o seu ideal inicial, conforme apontado por Robert Michels, no clássico livro da Ciência Política do século XX: Sociologia dos partidos políticos (1982 [1911]), obra na qual o autor busca, dentre outros objetivos, justificar a incapacidade das massas e a possível ausência de um conteúdo mais substantivo para a ideia moderna de democracia.

Na teoria desenvolvida por Robert Michels, à medida que uma entidade ou organização cresce em número de apoiadores, a necessidade de escolher representantes torna-se latente e, de certa forma, inevitável. Portanto, a partir desse crescimento, a organização passa a exigir maior especialização desses representantes, visto que tende a ser necessário maior conhecimento jurídico, econômico e administrativo para o exercício dessa liderança e representação. Tal exigência prática inevitavelmente produz uma elite fechada e termina em sua própria existência, cada vez mais profissionalizada, burocratizada e distante dos interesses do grupo que a produziu como representante. Para Michels, então, a massa de representantes fica cada vez mais distante do controle da organização, enquanto o corpo de representantes eleitos também se torna cada vez mais distante dos interesses daqueles que representam e, com isso, adquire demandas e interesses específicos do seu papel que passa a ter o perfil de uma elite e com características de profissionais da representação:

 

A especialização técnica, esta consequência inevitável de qualquer organização mais ou menos extensa, torna necessário o que chamamos de organização dos negócios. Daí resulta que o poder de decisão, considerado como um dos atributos específicos da direção, é pouco a pouco retirado das massas e concentrado exclusivamente nas mãos dos chefes. E estes, que antes não eram senão os órgãos executivos da vontade coletiva, em breve se tornam independentes das massas, frustrando-se ao seu controle. Quem fala de organização fala em tendência à oligarquia. (MICHELS, 1982, p. 21).

 

Para Michels então, resumidamente, um regime democrático demanda uma organização que consequentemente levará à representação e que terá como resultado a oligarquização. É esse fenômeno o que o pensador alemão chamará de lei de ferro da oligarquia: um círculo vicioso resultante do deslocamento de uma inevitável classe dirigente minoritária em matéria de interesses em relação ao de suas bases e que passa, então, a defender objetivos divergentes dos que lhe originaram e, além disso, passam a ter um fim em si mesmas, já que os interesses agora se centram na sua própria manutenção e reprodução. Tal conceito ainda hoje resiste e permeia parte do pensamento político e é utilizado para explicar alguns fenômenos relacionados aos partidos políticos contemporâneos, como a distância entre o eleito e o eleitorado, a indiferenciação entre os conteúdos programáticos dos partidos, a dificuldade de acesso aos eleitos, dentre outros.

 


A indeferenciação entre partidos políticos era uma das tônicas dos protestos de junho de 2013 no Brasil.

 

Contudo, a preocupação de Michels e de toda uma corrente elitista de sua época, ao apontar para os problemas causados pela burocratização, tem como foco central enunciar a inevitabilidade de uma representação democrática ou ao menos o seu aprofundamento, em detrimento de imaginar alternativas plausíveis de conterem, ao menos em partes, os efeitos da tal lei de ferro da oligarquia. É, em tese, uma justificação do controle das minorias sobre maiorias e não necessariamente a sua crítica.

Ainda assim, o legado do ideário de Michels é o de clarificar o que viabiliza a emergência das elites políticas profissionais no interior dos partidos políticos – para além de apenas os democratas e socialistas – e serve para pensar as consequências da oligarquização sobre as demais instituições republicanas e democráticas formais, bem como o desgaste e deslegitimação das mesmas.

A teoria elitista pós-Michels tentou retirar dele e de sua teoria este estigma interpretando que nem toda separação entre líderes e liderados é uma negação da democracia, algo que Michels teria deixado de ressaltar. O argumento geral seria o de que a tal separação é algo empiricamente visto como universal nas democracias e, por concordarem com a ideia de que a democracia é a forma mais adequada de governo, essa distinção e separação entre líderes e liderados será lida como qualidade e virtude da democracia, não como sua negação. Assim, nesta corrente, os procedimentos atuais das democracias ocidentais são aceitos como uma resposta à inevitabilidade da oligarquização elaborada por Michels, sem maiores argumentos para justificar tais procedimentos. Em síntese, o fenômeno da elitização foi e continua sendo interpretado como inevitável (ou mesmo como solução) e não como problema para as democracias que observavam.

Assim, o “legado” de Michels e dos seus achados sobre oligarquização e burocratização dos partidos sobre o pensamento político foi a problematização de qualquer visão de democracia ampliada e, deste modo, portanto, legou uma limitação à Ciência Política a descrever modelos de democracia existentes e focar-se nos processos de escolha dos representantes para as instituições políticas via eleições observando sobretudo a estabilidade dos sistemas partidários e eleitorais, negligenciando assim outras dimensões da democracia, como uma participação política mais ampliada, os mecanismos de democracia direta, bem como o contato das instituições políticas com outras esferas sociais, como a cultura, a economia e o mundo do trabalho. O viés elitista desta abordagem está no fato de que centram a análise nos tomadores de decisão, já que a incapacidade das massas é, de antemão, um dado prévio. O elitismo enquanto método de análise da política ainda persiste pra boa parte do pensamento político, mesmo no século XXI.

 


Brasil está na posição 140 entre 191 países do Mapa Global de Mulheres na Política 2020

 

nova sociologia dos partidos políticos precisa encarar pontos que não foram centrais para Michels e outros, seja por suas opções ideológicas e metodológicas ou pelo contexto do período histórico em que viveram. Ou seja, precisamos encarar o fato de que, tal elite burocratizada e oligarquizada tende, historicamente, a refletir e a replicar o padrão de desproporção entre as elites e os grupos subalternos que são marca das sociedades capitalistas modernas – a sub-representação de mulheres, de minorias étnicas e dos mais pobres, ao mesmo tempo em que homens brancos, empresários, proprietários, com nível superior e alta renda são sobre-representados – seja nos parlamentos, na direção dos partidos ou onde quer que o poder político esteja concentrado. A nova sociologia dos partidos políticos é a que entende que a face da elite dominante que concentra o poder em termos econômicos e sociais é a mesma que se beneficia da burocratização do poder político advinda da oligarquização dos partidos e das instituições políticas, ao mesmo tempo em que a retroalimenta, dado que a dominação política é condição anterior e posterior para a manutenção dos privilégios em termos sociais, o que tem inaugurado novas e inúmeras agendas de pesquisa em diversas campos das ciências sociais, mas ainda não tem causado o mesmo “ânimo” nas principais publicações e centros de pesquisa pertencentes ao campo da Ciência Política, ainda focados mais na estabilidade, no funcionamento e na autonomia do sistema político e menos nos seus contatos com as demais esferas sociais.

 

Referências Bibliográficas:

 

HELD, David. Modelos de Democracia. Belo Horizonte: Paidéia, 1987.

MICHELS, R. Sociologia dos partidos políticos. Brasília: UnB, 1982.

MIGUEL, L. F. A democracia domesticada: Bases antidemocráticas do Pensamento Democrático   Contemporâneo. In: DADOS – Revista de Ciências Sociais, Rio de Janeiro, Vol. 45, nº 3, pp. 483 a 511, 2002.

 

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