Mariele Troiano (UFF)
Vitor Vasquez (IPEA)
Há quase dois meses instalava-se a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) no Senado Federal para investigar a
conduta do presidente Jair Bolsonaro no enfrentamento à pandemia da Covid-19,
conhecida como a CPI da Covid. A partir desse momento, pesquisas de opinião
pública, análises de especialistas e diferentes perfis nas redes sociais
acompanham os desdobramentos dos trabalhos dos onze senadores titulares. Longe
das atividades findarem no prazo inicial de 90 dias e diante uma crise
sanitária que se prolonga em nosso país, nos propomos a pensar em que medida os
trabalhos desta CPI nos ajudam a interpretar alguns elementos essenciais de
nossa democracia, em especial, a confiança das pessoas sobre as instituições
políticas e os atores que as coordenam.
Para começar, trazemos dados sobre a
interação entre política institucional e sociedade a partir de uma pesquisa do
Datafolha realizada com mais de duas mil pessoas de diferentes municípios, publicada
no dia 14 de maio (ZANINI, 2021). Em um primeiro momento, a pesquisa buscou conhecer
a opinião a respeito da abertura da CPI. As respostas foram majoritariamente
positivas, sendo que, 82%
das pessoas entrevistadas mostraram apoiar a abertura dos trabalhos de
investigação. Apenas 11% dos respondentes acharam ser má
ideia a decisão dos senadores. Outros 5% não souberam opinar e 2% se declarou
indiferente à questão.
Por outro lado, a pesquisa também
perguntou aos entrevistados sobre a função e o poder decisório da CPI. Desta
vez, as opiniões foram em sua maioria de desconfiança. Assim, 57% dos
entrevistados disseram acreditar que a CPI não passaria de uma encenação; 6%
das pessoas não souberam responder sobre a funcionalidade da CPI; 2% deram
respostas de outras naturezas e apenas 35% das pessoas disseram acreditar no
trabalho exitoso de investigação da CPI instalada.
Contrastando os dois resultados da
pesquisa aqui expostos, observa-se uma possível contradição. Por um lado, a
maioria dos entrevistados acredita na importância da abertura dos procedimentos
da CPI da Covid. Por outro, dentre os mesmos respondentes, há também um grupo
majoritário que não acredita na efetividade de seus resultados. O que
explicaria este aparente contrassenso? Para responder esta questão, primeiro
trataremos brevemente sobre o papel das comissões no Brasil e, em seguida,
abordaremos alguns pontos em torno da percepção dos eleitores sobre as
instituições democráticas e os principais atores políticos institucionais,
quais sejam, partidos e seus membros.
Agência
Senado, Edilson Rodrigues - Correio Braziliense
Não é de hoje que comissões corroboram para o
desenvolvimento dos trabalhos legislativos no Brasil. Entretanto, foi com a
Constituição Federal de 1988, que o funcionamento das comissões previstas na
Câmara dos Deputados e no Senado Federal passou a compor um projeto político
democrático.
Em termos de divisão de trabalho no interior do
Legislativo, a formulação de consensos em espaços menores, divididos por
temáticas políticas, torna os processos de tomada de decisões mais eficientes. Primeiro
porque a dificuldade de se chegar a uma decisão coletiva é reduzida quanto
menor for o tamanho do grupo. Segundo porque, como cada comissão se especializa
no seu tema, seus membros produzem informações de mais qualidade sobre a sua
jurisdição, diminuindo a incerteza sobre as decisões tomadas em seu interior.
Consequentemente, conforme destaca Arrow (1963), a especialização temática das
comissões traz estabilidade ao jogo político, em função de suas decisões serem
potencialmente mais bem embasadas.
Do ponto de vista da relação entre poderes,
a proposta do trabalho em comissões, sobretudo a partir da Carta Constitucional
de 1988, objetiva contrabalancear a preponderância que o Executivo possui no
processo legislativo brasileiro. Ou seja, a estrutura descentralizada das
comissões seria um contrapeso à centralização decisória do Executivo, ao
conferir ao Legislativo espaços de negociações entre atores políticos e
sociedade civil, tornando a arena decisória mais plural. Ainda sobre este
aspecto, cabe destacar que as comissões têm papel fundamental na fiscalização
do Executivo, seja analisando suas propostas legislativas, seja investigando
possíveis desvios de função.
As comissões no Congresso Nacional
podem ser permanentes ou temporárias. As permanentes lidam com temas políticos
fixos como agricultura, educação e trabalho, por exemplo. Elas têm finalidade
de deliberar sobre proposições cujo mérito se relacione diretamente às suas
jurisdições e possuem, em grande parte, caráter técnico. Além disso, há as
comissões permanentes que avaliam a constitucionalidade das matérias (Constituição
e Justiça e de Cidadania) e sua adequação financeira (Finanças e Tributação).
Já as comissões temporárias surgem a
partir de uma demanda específica, sendo dissolvidas com a resolução da questão
ou quando findada a legislatura. As comissões temporárias podem ser: especiais,
que lidam com questões complexas como emendas à constituição ou matérias cujo
teor envolvam mais de três comissões temáticas; externas, que tratam de
assuntos externos à Câmara; mistas, compostas por deputados e senadores ou;
parlamentares de inquérito, com caráter fiscalizador, como a CPI da Covid.
Portanto,
um arranjo institucional do Legislativo que seja organizado por um sistema de
comissões pode estimular uma série de vantagens governativas, tornando as tomadas
de decisão mais eficientes do ponto de vista de tempo e de qualidade de
informação, além de permitir que desvios do Executivo sejam controlados, tanto
em termos de teor das políticas propostas por este Poder, quanto em relação às
suas ações propriamente ditas, como no caso do enfrentamento à Covid-19. A eficácia
deste desenho institucional parece ser identificada pelas pessoas entrevistadas
pelo Datafolha, uma vez que a maioria delas reconheceu como legítima a abertura
da CPI.
Porém,
embora reconheçam a necessidade de se abrir uma frente de investigação e que a
CPI seria uma instituição adequada nesse sentido, a maior parte dos
respondentes se mostrou descrente em relação aos resultados dos procedimentos adotados
no Senado. Ou seja, se por um lado a instituição CPI foi avaliada como
necessária; por outro, os atores responsáveis pela coordenação dos seus
trabalhos não gozam do mesmo crédito, pelo menos por parte das pessoas
entrevistadas nesta pesquisa.
A confiança nos atores institucionais
se constrói frente à atuação dos representantes políticos e na legitimidade dos
processos democráticos, inclusive os eleitorais. Portanto, a desconfiança em
torno da efetividade dos resultados produzidos pela CPI envolve direta e
especificamente a avaliação dos papéis desempenhado pelos atores que trabalham
no seu interior. Isto é, envolve os senadores e os partidos políticos aos quais
pertencem.
Em recente avaliação da atuação dos
partidos políticos, dentre os eleitores entrevistados pelo Estudo Eleitoral
Brasileiro (ESEB, 2018), 27,3% avaliou como ruim a atuação dos partidos
políticos e 35,9% como péssima. De acordo com a mesma pesquisa, 23,9% dos
respondentes avaliaram a atuação do Congresso Nacional como ruim, e 37,6% como
péssima. Ora, se a atuação dos partidos e do Congresso Nacional recebe
má avaliação majoritária dos eleitores é sinal de que a desconfiança recai
principalmente nos atores institucionais, e não nas instituições em si.
É claro que a desconfiança em torno
dos atores institucionais tem impacto sobre a percepção dos eleitores em
relação às instituições democráticas. Contudo, fazer essa distinção entre
atores políticos e instituições é necessário inclusive para pensarmos em
possíveis melhorias. Em um momento no qual o país vive uma crise política
marcada por um descontrole da pandemia da Covid-19, entender a importância e a
necessidade da construção de um projeto político, fundamentado na confiança nas
instituições políticas, é crucial para a estabilidade do próprio regime
democrático e para qualificar o debate sobre quais reformas realmente podem
trazer benefícios.
Referências
ARROW, K. J. Social Choice and Individual Values. New Haven and London: Yale
University Press, 1963.
ESEB-2018-ESTUDO
ELEITORAL BRASILEIRO -CESOP-IBOPE/BRASIL-2018/NOV-04622. In: Banco de Dados do Cesop/Unicamp.
Disponível em: <https://www.cesop.unicamp.br/por/eseb/ondas/11>. Acesso
em: 21 out. 2019.
ZANINI,
F. Datafolha: maioria apoia cpi da covid, mas avalia.... Poder. Folha de S. Paulo, São Paulo. 14 de
maio de 2021. Disponível
em:https://www1.folha.uol.com.br/poder/2021/05/datafolha-maioria-apoia-cpi-da-covid-mas-avalia-que-comissao-fara-apenas-uma-encenacao.shtml.
Acesso em: 20 mai. 2021.