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quinta-feira, 23 de novembro de 2023

Diálogos em memórias Carlos Abraão Moura Valpassos

 Entrevistado: Prof. Dr. Carlos Abraão Moura Valpassos[i]

 

Thaymara Assis: Qual a sua principal memória da UFF Campos?

Carlos Abraão: Não sei se consigo falar no singular e eleger uma memória principal. É interessante que minhas principais memórias são sobre momentos de crises que tivemos aqui. Por exemplo, uma memória muito forte foi uma assembleia convocada de última hora sobre uma notícia a respeito da remoção dos contêineres. Circulou a história de que os contêineres seriam levados embora porque a empresa estava solicitando a retirada por motivo de falta de pagamento do aluguel. E essa situação gerou muita comoção. Todos se reuniram e foram para perto do prédio da direção e tivemos uma das maiores reuniões desse campus. No final das contas, os contêineres estão aqui até hoje, mas foi um momento de aflição.

Outra memória que eu tenho não foi boa. Era 2018 e estávamos no período eleitoral. Entrei no campus para dar aula e tinha um rapaz andando irritado no pátio, que eu suponho que era um policial à serviço de um juiz que recebeu uma denúncia sobre panfletos eleitorais guardados na universidade. Quebraram a porta do Centro Acadêmico (CA) e encontraram quatrocentos panfletos. Aquele punhado de papéis gerou muito estresse e resultou em uma porta que está quebrada até hoje.

Tem momentos legais também, como o retorno presencial após a pandemia. Durante a pandemia, eu vim ao campus algumas vezes para pegar documentos e era muito estranho. Frequentei a UFF até março de 2020 quando, apesar de não ter muito movimento, ainda havia pessoas. Quando voltei na segunda metade de 2020, vi a universidade “morta”. Tinha que pedir para abrir o portão. Você entrava e um funcionário te atendia de longe. O contraste desse cenário com o que a UFF era normalmente, um lugar ocupado, foi muito forte. Me recordo que em algum momento no final do semestre de 2019, já em dezembro, momento em que as obrigações discentes estavam sendo finalizadas, alguns poucos alunos ficaram para fazer a verificação suplementar (VS) e o campus estava vazio. Era um sentimento de que o local estava esvaziado, mas você sabia que iria voltar. Inclusive, eu o fotografei vazio, justamente porque ele contrastava com o cotidiano “normal”, mas a sensação não era tão incômoda como foi voltar aqui durante a pandemia. Quando voltei algumas vezes para resolver questões administrativas, passei a observar o número de gatos aumentando. Foi interessante acompanhar a transformação dessa população local, como os gatos reproduziram, em uma situação não adequada, mas eles tomaram conta do lugar nesse período. E como os seguranças começaram a alimentar esses gatos com ração, cuidando dos novos habitantes. O campus estava diferente.  Lembro também de quando fizeram uma ocupação no bloco C inteiro em meados do ano de 2016 ou 2017. Acamparam e improvisaram um refeitório. Foi uma experiência alterada no campus. Então, acho que foram muitos acontecimentos desde festas, confraternizações, eventos e palestras extremamente marcantes no auditório.

 

Thaymara Assis: Você ingressou como professor em 2013?

Carlos Abraão: Em 2016. Eu entrei quando os concursos estavam reduzindo, talvez tenha sido um dos últimos.

 

Thaymara Assis: Como a UFF Campos impactou na sua trajetória profissional?

Carlos Abraão: Boa pergunta! Foi uma mudança a vinda para a UFF. Eu sou de Campos, mas como todo bom campista, nasci no Rio. Por ser prematuro, o nascimento ocorreu lá, mas logo em seguida retornei e fui criado em Campos. Eu saí de Campos para estudar e trabalhar no Instituto de Humanidades da Universidade Cândido Mendes, na Candelária, onde contava com uma enorme heterogeneidade por consequência da abrangência de cursos como Ciências Sociais, Letras, Relações Internacionais etc. E o alunado era composto por gente de todas as partes da grande Rio. Então, era um público muito diverso. Posteriormente, voltei para fazer uma pós-graduação na Universidade Estadual do Norte Fluminense (UENF). Voltei para ficar em Campos e passei no concurso. A experiência de trabalho no interior, especificamente no contexto UFF Campos, foi uma questão, porque eu conhecia pouco as demandas do campus e tinha melhor compreensão do cotidiano de Niterói, onde fiz meu Mestrado. Mas sabia que o REUNI tinha especificidades que marcavam a rotina do ESR.

Eu conhecia a UFF Campos de quando havia somente o curso de Serviço Social e nessa época não tinha contêiner e nem bloco C. Cheguei e me deparei com uma bolha da cidade. Esse choque foi muito forte, porque era uma visão nítida de uma universidade pública e federal na cidade de Campos. Temos a UENF que também é uma universidade pública no mesmo contexto territorial, mas existe uma diferença de perfil. Na UFF encontra-se um corpo discente que me parece mais heterogêneo. Precisamos considerar que tem muitos cursos noturnos e o Instituto de Ciências da Sociedade e Desenvolvimento Regional (ESR) oferece formações majoritariamente na área de humanas. Têm os estudantes de Economia, que é o mais próximo que chegamos da área de exatas, mesmo assim há diferenças. Então, possuímos um eixo completamente voltado para as ciências humanas e isso gera um ambiente diferente de diálogos, vivências e trocas.

Algo que me pareceu muito interessante foi o próprio departamento de Ciências Sociais, composto por vinte e três docentes. Nunca tinha trabalhado em um departamento tão grande. Temos uma diversidade de formações e perspectivas teóricas que agregam muita riqueza ao departamento. Destaco também as possibilidades encontradas na UFF Campos. Aqui você tem a oportunidade de se dedicar mais à pesquisa, mesmo que existam inúmeras dificuldades para isso. Mas só por estar em uma universidade pública, já torna possível administrar melhor o tempo e os recursos para conduzir atividades de pesquisa. O trabalho não é voltado exclusivamente para a sala de aula tradicional.

Um setor que ainda precisamos desenvolver é a pós-graduação em Ciências Sociais, que ainda não temos e isso gera dificuldades para estabelecer uma agenda de pesquisas.

 

Thaymara Assis: Fazer parte dessa pesquisa mudou completamente minha percepção do que era lecionar na universidade. Realizando as entrevistas eu descobri que os professores fazem muito mais do que dar aula, eles trabalham muito na gestão e coordenam o curso. É o pilar da faculdade. É uma experiência incrível, como aluna, saber disso e percebi que a maioria dos professores entrevistados fazem a comparação entre universidade pública e privada, e como a UFF oferece liberdade para desenvolver pesquisa.

Carlos Abraão: Acho que a grande questão é o espaço de tempo que você tem para se dedicar à pesquisa que, inclusive, é esperado que seja feita. O próprio símbolo da UFF carrega o dizer “Ensino, pesquisa e extensão”. Há quem goste mais da sala de aula ou goste mais da pesquisa, mas eu, particularmente, não consigo enxergá-las desvinculadas.

A pesquisa sempre me estimulou a ler e me atualizar mais. Mesmo que tenha uma ementa pronta, você consegue remanejar e adicionar novos conhecimentos através do impulsionamento da pesquisa. Ela te possibilita dar aula sobre os mesmos assuntos, mas utilizando materiais diferentes. É a parte do nosso trabalho que mais nos estimula.

Quando a universidade pública te proporciona espaço para pesquisar, você consegue enxergar o porquê do predomínio das universidades públicas no ranking de melhores universidades. O desenvolvimento de pesquisas é um aspecto crucial para as dinâmicas acadêmicas: tanto para professores, quanto para estudantes. É nesse processo de pesquisa que está o cerne da formação acadêmica e da aplicação dos conhecimentos teóricos. Por isso, a associação entre ensino e pesquisa me parece o alicerce da formação de estudantes e do trabalho docente.  E vale ressaltar que quem faz ciência no Brasil não é laboratório privado, mas sim as universidades - em todas as áreas de conhecimento.

 

 



[i] É professor adjunto no Departamento de Ciências Sociais, no Instituto de Ciências da Sociedade e Desenvolvimento Regional (ESR) da Universidade Federal Fluminense (UFF). É também professor do Programa de Pós-Graduação em Políticas Sociais na Universidade Estadual do Norte Fluminense - Darcy Ribeiro (Uenf). Possui bacharelado em Ciências Sociais pela Uenf (2004), mestrado em Antropologia (2006) pelo PPPGA-UFF e doutorado em Antropologia Cultural pelo PPGSA/IFCS/UFRJ (2011). Coordena o Atelier de Etnografias e Narrativas Antropolíticas (ATENA) e é pesquisador do INCT-InEAC.

 

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