Entrevistado: Prof. Dr. Carlos Abraão Moura Valpassos[i]
Thaymara Assis: Qual a sua principal memória da UFF
Campos?
Carlos Abraão: Não sei se consigo falar no singular
e eleger uma memória principal. É interessante que minhas principais memórias
são sobre momentos de crises que tivemos aqui. Por exemplo, uma memória muito
forte foi uma assembleia convocada de última hora sobre uma notícia a respeito
da remoção dos contêineres. Circulou a história de que os contêineres seriam
levados embora porque a empresa estava solicitando a retirada por motivo de
falta de pagamento do aluguel. E essa situação gerou muita comoção. Todos se
reuniram e foram para perto do prédio da direção e tivemos uma das maiores
reuniões desse campus. No final das
contas, os contêineres estão aqui até hoje, mas foi um momento de aflição.
Outra memória que eu tenho não foi
boa. Era 2018 e estávamos no período eleitoral. Entrei no campus para dar aula e tinha um rapaz andando irritado no pátio,
que eu suponho que era um policial à serviço de um juiz que recebeu uma
denúncia sobre panfletos eleitorais guardados na universidade. Quebraram a
porta do Centro Acadêmico (CA) e encontraram quatrocentos panfletos. Aquele
punhado de papéis gerou muito estresse e resultou em uma porta que está
quebrada até hoje.
Tem momentos legais também, como o
retorno presencial após a pandemia. Durante a pandemia, eu vim ao campus algumas vezes para pegar
documentos e era muito estranho. Frequentei a UFF até março de 2020 quando,
apesar de não ter muito movimento, ainda havia pessoas. Quando voltei na
segunda metade de 2020, vi a universidade “morta”. Tinha que pedir para abrir o
portão. Você entrava e um funcionário te atendia de longe. O contraste desse
cenário com o que a UFF era normalmente, um lugar ocupado, foi muito forte. Me
recordo que em algum momento no final do semestre de 2019, já em dezembro,
momento em que as obrigações discentes estavam sendo finalizadas, alguns poucos
alunos ficaram para fazer a verificação suplementar (VS) e o campus estava vazio. Era um sentimento
de que o local estava esvaziado, mas você sabia que iria voltar. Inclusive, eu
o fotografei vazio, justamente porque ele contrastava com o cotidiano “normal”,
mas a sensação não era tão incômoda como foi voltar aqui durante a pandemia.
Quando voltei algumas vezes para resolver questões administrativas, passei a
observar o número de gatos aumentando. Foi interessante acompanhar a
transformação dessa população local, como os gatos reproduziram, em uma
situação não adequada, mas eles tomaram conta do lugar nesse período. E como os
seguranças começaram a alimentar esses gatos com ração, cuidando dos novos
habitantes. O campus estava
diferente. Lembro também de quando
fizeram uma ocupação no bloco C inteiro em meados do ano de 2016 ou 2017.
Acamparam e improvisaram um refeitório. Foi uma experiência alterada no campus. Então, acho que foram muitos
acontecimentos desde festas, confraternizações, eventos e palestras
extremamente marcantes no auditório.
Thaymara Assis: Você ingressou como professor em
2013?
Carlos Abraão: Em 2016. Eu entrei quando os
concursos estavam reduzindo, talvez tenha sido um dos últimos.
Thaymara Assis: Como a UFF Campos impactou na sua
trajetória profissional?
Carlos Abraão: Boa pergunta! Foi uma mudança a
vinda para a UFF. Eu sou de Campos, mas como todo bom campista, nasci no Rio.
Por ser prematuro, o nascimento ocorreu lá, mas logo em seguida retornei e fui
criado em Campos. Eu saí de Campos para estudar e trabalhar no Instituto de
Humanidades da Universidade Cândido Mendes, na Candelária, onde contava com uma
enorme heterogeneidade por consequência da abrangência de cursos como Ciências
Sociais, Letras, Relações Internacionais etc. E o alunado era composto por
gente de todas as partes da grande Rio. Então, era um público muito diverso.
Posteriormente, voltei para fazer uma pós-graduação na Universidade Estadual do
Norte Fluminense (UENF). Voltei para ficar em Campos e passei no concurso. A
experiência de trabalho no interior, especificamente no contexto UFF Campos,
foi uma questão, porque eu conhecia pouco as demandas do campus e tinha melhor compreensão do cotidiano de Niterói, onde fiz
meu Mestrado. Mas sabia que o REUNI tinha especificidades que marcavam a rotina
do ESR.
Eu conhecia a UFF Campos de quando
havia somente o curso de Serviço Social e nessa época não tinha contêiner e nem
bloco C. Cheguei e me deparei com uma bolha da cidade. Esse choque foi muito
forte, porque era uma visão nítida de uma universidade pública e federal na
cidade de Campos. Temos a UENF que também é uma universidade pública no mesmo
contexto territorial, mas existe uma diferença de perfil. Na UFF encontra-se um
corpo discente que me parece mais heterogêneo. Precisamos considerar que tem
muitos cursos noturnos e o Instituto de Ciências da Sociedade e Desenvolvimento
Regional (ESR) oferece formações majoritariamente na área de humanas. Têm os
estudantes de Economia, que é o mais próximo que chegamos da área de exatas,
mesmo assim há diferenças. Então, possuímos um eixo completamente voltado para
as ciências humanas e isso gera um ambiente diferente de diálogos, vivências e
trocas.
Algo que me pareceu muito
interessante foi o próprio departamento de Ciências Sociais, composto por vinte
e três docentes. Nunca tinha trabalhado em um departamento tão grande. Temos
uma diversidade de formações e perspectivas teóricas que agregam muita riqueza
ao departamento. Destaco também as possibilidades encontradas na UFF Campos.
Aqui você tem a oportunidade de se dedicar mais à pesquisa, mesmo que existam
inúmeras dificuldades para isso. Mas só por estar em uma universidade pública,
já torna possível administrar melhor o tempo e os recursos para conduzir
atividades de pesquisa. O trabalho não é voltado exclusivamente para a sala de
aula tradicional.
Um setor que ainda precisamos
desenvolver é a pós-graduação em Ciências Sociais, que ainda não temos e isso
gera dificuldades para estabelecer uma agenda de pesquisas.
Thaymara Assis: Fazer parte dessa pesquisa mudou
completamente minha percepção do que era lecionar na universidade. Realizando
as entrevistas eu descobri que os professores fazem muito mais do que dar aula,
eles trabalham muito na gestão e coordenam o curso. É o pilar da faculdade. É
uma experiência incrível, como aluna, saber disso e percebi que a maioria dos
professores entrevistados fazem a comparação entre universidade pública e
privada, e como a UFF oferece liberdade para desenvolver pesquisa.
Carlos Abraão: Acho que a grande questão é o espaço
de tempo que você tem para se dedicar à pesquisa que, inclusive, é esperado que
seja feita. O próprio símbolo da UFF carrega o dizer “Ensino, pesquisa e
extensão”. Há quem goste mais da sala de aula ou goste mais da pesquisa, mas
eu, particularmente, não consigo enxergá-las desvinculadas.
A pesquisa sempre me estimulou a ler
e me atualizar mais. Mesmo que tenha uma ementa pronta, você consegue remanejar
e adicionar novos conhecimentos através do impulsionamento da pesquisa. Ela te
possibilita dar aula sobre os mesmos assuntos, mas utilizando materiais
diferentes. É a parte do nosso trabalho que mais nos estimula.
Quando a universidade pública te
proporciona espaço para pesquisar, você consegue enxergar o porquê do
predomínio das universidades públicas no ranking
de melhores universidades. O desenvolvimento de pesquisas é um aspecto crucial
para as dinâmicas acadêmicas: tanto para professores, quanto para estudantes. É
nesse processo de pesquisa que está o cerne da formação acadêmica e da
aplicação dos conhecimentos teóricos. Por isso, a associação entre ensino e
pesquisa me parece o alicerce da formação de estudantes e do trabalho
docente. E vale ressaltar que quem faz
ciência no Brasil não é laboratório privado, mas sim as universidades - em
todas as áreas de conhecimento.
[i] É professor adjunto no
Departamento de Ciências Sociais, no Instituto de Ciências da Sociedade e
Desenvolvimento Regional (ESR) da Universidade Federal Fluminense (UFF). É
também professor do Programa de Pós-Graduação em Políticas Sociais na
Universidade Estadual do Norte Fluminense - Darcy Ribeiro (Uenf). Possui
bacharelado em Ciências Sociais pela Uenf (2004), mestrado em Antropologia
(2006) pelo PPPGA-UFF e doutorado em Antropologia Cultural pelo PPGSA/IFCS/UFRJ
(2011). Coordena o Atelier de Etnografias e Narrativas Antropolíticas (ATENA) e
é pesquisador do INCT-InEAC.
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