Entrevistada: Profª Drª Glaucia Maria Pontes Mouzinho[i]
Thaymara Assis: Professora, qual é a sua principal memória na UFF
Campos?
Glaucia Mouzinho: Certamente tenho mais de uma memória
significativa, mas acho que minha principal memória foi a minha chegada na UFF
Campos. A primeira turma que tive foi de Ciências Sociais que, inclusive, era a
primeira turma do curso de Ciências Sociais da UFF Campos. Quando entrei na
turma estava no terceiro período, praticamente no meio do curso e foi minha
primeira experiência com os alunos da UFF Campos. Foi uma turma sensacional,
pois eram os primeiros, então eram muito unidos, apesar dos conflitos entre
eles, que eram todos resolvidos abertamente. Era uma turma de pessoas muito
interessadas, com as leituras sempre em dia e os debates eram sempre muito
polêmicos em sala de aula. Me lembro de um debate em específico, sobre Lévi
Strauss, em que um dos alunos, hoje doutor em sociologia pela Universidade
Estadual do Norte Fluminense (UENF), um grande amigo, cismou que aquela
história sobre incesto em Lévi Strauss, era um grande absurdo. Foi uma
discussão acalorada por toda a turma na época, apesar dessa discussão parecer
um pouco ingênua. Nessa turma surgiram muitos amigos que trago comigo até os
dias de hoje. Não sei se por conta de serem a primeira turma do curso de
Ciências Sociais da UFF Campos, mas havia muito respeito pela figura do
professor, não havia uma distância hierárquica entre nós, os pronomes de
tratamento não eram tão usados, todos nós nos chamávamos pelos nomes, tudo isso
com muito respeito. A diversidade que observávamos nas turmas de Ciências
Sociais, e que se manteve e foi ampliado nas turmas seguintes, acho que é algo
que me marca até os dias de hoje. Essa memória que não está só no passado, mas
no presente também.
Temos uma grande qualidade e
diversidade dos alunos que temos na UFF Campos e isso fica muito evidente por
meio da nossa estrutura pequena, que não é tão nítida em outros campi.
As conversas que os docentes tinham no Chiquinho também me marcaram muito.
Dizem que as memórias são seletivas. Então essa memória é boa porque me marca
muito. É sobre a universidade em que acredito, dos alunos que tive e ainda
tenho, sobre as relações de amizades com meus futuros colegas na área.
Thaymara Assis: Qual foi o impacto da UFF Campos em sua
trajetória profissional?
Glaucia Mouzinho: Eu tinha muitas histórias trilhadas antes de
entrar como docente na UFF Campos. Estudei na UFF, fui discente por muitos anos
no mestrado e doutorado, fiz vários projetos na UFF com um grupo grande do qual
pertencia e que ainda faço parte, coordenando cursos de extensão, dando aula
como doutoranda e como professora substituta. Tive trabalhos anteriores em
outros lugares também, como na Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz). Acho que a UFF
Campos me impactou muito por conta do momento em que entrei na universidade
pública como docente. Era um momento marcado pelo Programa de Apoio a Planos de
Reestruturação e Expansão das Universidades Federais (REUNI). Tivemos uma
diferença evidente entre os alunos. Uma multiplicidade, diversidade e inclusão
muito grande de alunos que antes não eram frequentadores da universidade
pública. Foi uma experiência emocionante e indescritível. Como antropóloga que
se impacta com a descoberta de um novo mundo, poder observar a formação, a
vivência, a linguagem e os problemas que as pessoas trazem que podem ser
problemas sociológicos importantes e que os alunos de todos os lugares do
Brasil trouxeram com o Sistema de Seleção Unificada (SISU). Tive alunos de
vários lugares e estados como de Rondônia e de Belém.
Durante a pandemia tive acesso a
casa das pessoas por meio das aulas transmitidas via Google Meet e isso
também mostra as facilidades de uns e as restrições, sobretudo, materiais de
outros. O que ouvi e tem a ver com esse momento, foi uma aluna que já
estava se graduando, e na saída do campus ela me disse que estava muito
feliz por estar se formando, mas mais feliz ainda pelos pais dela, que não
estudavam há muito tempo e iriam fazer a prova do Exame Nacional do Ensino
Médio (ENEM) para tentarem uma vaga na universidade pública. Esse foi um impacto
que ainda ressoa em mim, talvez outros colegas que façam parte de outras
universidades com muito mais estruturas não percebam com tanta clareza, mas nós
que temos nossa proximidade física ocasionada pelo que nos falta, conseguimos
vislumbrar.
Tenho feito muitos trabalhos com
os alunos do primeiro período e um fato muito interessante também, é que alguns
quando chegam acham esse espaço péssimo pela falta de prédios e estruturas
clássicas de uma universidade, mas quando se acostumam com a rotina nesse
entorno, veem diferente esse espaço e mudam de opinião.
Outro momento importante foi o
estabelecimento dos coletivos dos alunos. Eu vi de perto esses coletivos se
formarem, como o Coletivo das Mulheres, o Coletivo Mercedes Batista e o
Coletivo dos Alunos Pretos. Tivemos muitos eventos bacanas organizados por eles,
como as aulas de capoeira e de música. Tínhamos um grupo de samba antes da
pandemia que ensaiava todas às sextas-feiras e ensinavam os colegas a tocarem
instrumentos. Imagino que exista em outros locais algo parecido,
principalmente, relacionado à grupos de identidade, mas acho que talvez não
tenham tanta visibilidade para nós professores, como é aqui no campus,
afinal, as estruturas hierárquicas são bem mais definidas por conta de espaços
que não temos.
Thaymara Assis: Professora, a senhora tem alguma curiosidade
vivida no campus da UFF Campos, que queira nos contar?
Glaucia Mouzinho: Acho que a coisa que mais me surpreendeu foi
relacionada a essa aluna que se formou e me contou que seus pais tentariam uma
vaga para a universidade também. Ela falou sobre uma política educacional
justa, pluralidade, o nosso lugar como docente e os temas novos que pessoas de
outras realidades tendo acesso à universidade trariam para nosso campo de
pesquisa e nossos desafios.
Eu vivi no primeiro dia que entrei no campus
da UFF como professora, um fato curioso e engraçado. Um dia antes havia ido a
um samba na cidade de Campos com um grupo de amigos, também professores da UFF
e da UENF. Um samba muito bom, que infelizmente acabou, era um local de música,
tinha jazz, samba e cada dia tinha um estilo diferente. No dia seguinte, meu
primeiro dia no campus, alunos que eu ainda não conhecia me reconheceram
do samba do dia anterior. Na cidade de Campos todos se conhecem e é difícil
passar despercebido, principalmente, como professor. Aqui, é praticamente
impossível ficar invisível. A consequência disso foi que eles começaram a ir ao
samba comigo e eu com eles, inclusive, foi a turma que citei no início do
depoimento.
[i] É Bacharel e Licenciada em Ciências Sociais pela Universidade Federal
Fluminense (1992), mestrado e doutorado em Antropologia pela mesma universidade
(1999; 2007) . Atualmente é professora associada do Departamento de Ciências
Sociais da Universidade Federal Fluminense, professora permanente do Programa
de Pós-Graduação em Desenvolvimento Regional, Ambiente e Políticas Públicas e
pesquisadora do Instituto de Estudos Comparados em Administração de Conflitos
(INCT/InEAC), além de coordenar o Curso de Especialização em Organização e
Gestão em Justiça Criminal e Segurança integrante da Rede Nacional de Altos
Estudos da Senasp - MJ.
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