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quarta-feira, 15 de novembro de 2023

Diálogos em memórias com Glaucia Maria Pontes Mouzinho

 Entrevistada: Profª Drª Glaucia Maria Pontes Mouzinho[i]

 

Thaymara Assis: Professora, qual é a sua principal memória na UFF Campos?

Glaucia Mouzinho: Certamente tenho mais de uma memória significativa, mas acho que minha principal memória foi a minha chegada na UFF Campos. A primeira turma que tive foi de Ciências Sociais que, inclusive, era a primeira turma do curso de Ciências Sociais da UFF Campos. Quando entrei na turma estava no terceiro período, praticamente no meio do curso e foi minha primeira experiência com os alunos da UFF Campos. Foi uma turma sensacional, pois eram os primeiros, então eram muito unidos, apesar dos conflitos entre eles, que eram todos resolvidos abertamente. Era uma turma de pessoas muito interessadas, com as leituras sempre em dia e os debates eram sempre muito polêmicos em sala de aula. Me lembro de um debate em específico, sobre Lévi Strauss, em que um dos alunos, hoje doutor em sociologia pela Universidade Estadual do Norte Fluminense (UENF), um grande amigo, cismou que aquela história sobre incesto em Lévi Strauss, era um grande absurdo. Foi uma discussão acalorada por toda a turma na época, apesar dessa discussão parecer um pouco ingênua. Nessa turma surgiram muitos amigos que trago comigo até os dias de hoje. Não sei se por conta de serem a primeira turma do curso de Ciências Sociais da UFF Campos, mas havia muito respeito pela figura do professor, não havia uma distância hierárquica entre nós, os pronomes de tratamento não eram tão usados, todos nós nos chamávamos pelos nomes, tudo isso com muito respeito. A diversidade que observávamos nas turmas de Ciências Sociais, e que se manteve e foi ampliado nas turmas seguintes, acho que é algo que me marca até os dias de hoje. Essa memória que não está só no passado, mas no presente também. 

Temos uma grande qualidade e diversidade dos alunos que temos na UFF Campos e isso fica muito evidente por meio da nossa estrutura pequena, que não é tão nítida em outros campi. As conversas que os docentes tinham no Chiquinho também me marcaram muito. Dizem que as memórias são seletivas. Então essa memória é boa porque me marca muito. É sobre a universidade em que acredito, dos alunos que tive e ainda tenho, sobre as relações de amizades com meus futuros colegas na área.

Thaymara Assis: Qual foi o impacto da UFF Campos em sua trajetória profissional?

Glaucia Mouzinho: Eu tinha muitas histórias trilhadas antes de entrar como docente na UFF Campos. Estudei na UFF, fui discente por muitos anos no mestrado e doutorado, fiz vários projetos na UFF com um grupo grande do qual pertencia e que ainda faço parte, coordenando cursos de extensão, dando aula como doutoranda e como professora substituta. Tive trabalhos anteriores em outros lugares também, como na Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz). Acho que a UFF Campos me impactou muito por conta do momento em que entrei na universidade pública como docente. Era um momento marcado pelo Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais (REUNI). Tivemos uma diferença evidente entre os alunos. Uma multiplicidade, diversidade e inclusão muito grande de alunos que antes não eram frequentadores da universidade pública. Foi uma experiência emocionante e indescritível. Como antropóloga que se impacta com a descoberta de um novo mundo, poder observar a formação, a vivência, a linguagem e os problemas que as pessoas trazem que podem ser problemas sociológicos importantes e que os alunos de todos os lugares do Brasil trouxeram com o Sistema de Seleção Unificada (SISU). Tive alunos de vários lugares e estados como de Rondônia e de Belém.  

Durante a pandemia tive acesso a casa das pessoas por meio das aulas transmitidas via Google Meet e isso também mostra as facilidades de uns e as restrições, sobretudo, materiais de outros.  O que ouvi e tem a ver com esse momento, foi uma aluna que já estava se graduando, e na saída do campus ela me disse que estava muito feliz por estar se formando, mas mais feliz ainda pelos pais dela, que não estudavam há muito tempo e iriam fazer a prova do Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM) para tentarem uma vaga na universidade pública. Esse foi um impacto que ainda ressoa em mim, talvez outros colegas que façam parte de outras universidades com muito mais estruturas não percebam com tanta clareza, mas nós que temos nossa proximidade física ocasionada pelo que nos falta, conseguimos vislumbrar. 

Tenho feito muitos trabalhos com os alunos do primeiro período e um fato muito interessante também, é que alguns quando chegam acham esse espaço péssimo pela falta de prédios e estruturas clássicas de uma universidade, mas quando se acostumam com a rotina nesse entorno, veem diferente esse espaço e mudam de opinião. 

Outro momento importante foi o estabelecimento dos coletivos dos alunos. Eu vi de perto esses coletivos se formarem, como o Coletivo das Mulheres, o Coletivo Mercedes Batista e o Coletivo dos Alunos Pretos. Tivemos muitos eventos bacanas organizados por eles, como as aulas de capoeira e de música. Tínhamos um grupo de samba antes da pandemia que ensaiava todas às sextas-feiras e ensinavam os colegas a tocarem instrumentos. Imagino que exista em outros locais algo parecido, principalmente, relacionado à grupos de identidade, mas acho que talvez não tenham tanta visibilidade para nós professores, como é aqui no campus, afinal, as estruturas hierárquicas são bem mais definidas por conta de espaços que não temos. 

Thaymara Assis: Professora, a senhora tem alguma curiosidade vivida no campus da UFF Campos, que queira nos contar?

Glaucia Mouzinho: Acho que a coisa que mais me surpreendeu foi relacionada a essa aluna que se formou e me contou que seus pais tentariam uma vaga para a universidade também. Ela falou sobre uma política educacional justa, pluralidade, o nosso lugar como docente e os temas novos que pessoas de outras realidades tendo acesso à universidade trariam para nosso campo de pesquisa e nossos desafios.

Eu vivi no primeiro dia que entrei no campus da UFF como professora, um fato curioso e engraçado. Um dia antes havia ido a um samba na cidade de Campos com um grupo de amigos, também professores da UFF e da UENF. Um samba muito bom, que infelizmente acabou, era um local de música, tinha jazz, samba e cada dia tinha um estilo diferente. No dia seguinte, meu primeiro dia no campus, alunos que eu ainda não conhecia me reconheceram do samba do dia anterior. Na cidade de Campos todos se conhecem e é difícil passar despercebido, principalmente, como professor. Aqui, é praticamente impossível ficar invisível. A consequência disso foi que eles começaram a ir ao samba comigo e eu com eles, inclusive, foi a turma que citei no início do depoimento.



[i] É Bacharel e Licenciada em Ciências Sociais pela Universidade Federal Fluminense (1992), mestrado e doutorado em Antropologia pela mesma universidade (1999; 2007) . Atualmente é professora associada do Departamento de Ciências Sociais da Universidade Federal Fluminense, professora permanente do Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Regional, Ambiente e Políticas Públicas e pesquisadora do Instituto de Estudos Comparados em Administração de Conflitos (INCT/InEAC), além de coordenar o Curso de Especialização em Organização e Gestão em Justiça Criminal e Segurança integrante da Rede Nacional de Altos Estudos da Senasp - MJ. 

 

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