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quarta-feira, 20 de dezembro de 2023

Diálogos em memória com Frederico Carlos de Sá Costa

 

Foto: Acervo pessoal do professor Frederico Costa

Entrevistado: Prof. Dr. Frederico Carlos de Sá Costa[i]

 

Thaymara de Assis: Professor, qual é a sua principal memória na UFF Campos?

Frederico Costa: Muito embora eu esteja na UFF Campos desde 2020, boa parte das minhas aulas foram onlines por conta da pandemia. Apenas em 2022 que eu comecei a dar aula no campus. Trabalhei na UFF Niterói de 2011 a 2020, como professor da graduação do curso de Relações Internacionais.  Profissionais de Ciências Sociais sabem a importância de trabalhar em uma universidade pública e entrar para a UFF foi uma conquista. Aquela sensação de realização depois de muito trabalho. Minha maior memória na UFF é a posse do cargo de docente depois do 4° concurso que prestei. Então, foi muito esforço e tenacidade envolvida. Essa memória me trouxe a perspectiva de não desanimar e desistir, pois uma hora chegaria o meu lugar na fila. Era um estágio da minha vida profissional que eu almejava desde o mestrado em 1999.

            Defendi minha tese em 2008 e em 2011 entrei na UFF, após passar 10 anos lecionando em universidades particulares. Isso me trouxe muita realização! Ainda estou me readaptando a dar aula à noite e em um campus do interior. Lecionei por nove anos aulas pela manhã em Niterói e a experiência de dar aula em turnos distintos é bem diferente. Apesar do campus pequeno da UFF Campos, estou conhecendo o espaço de fato aos poucos. Criar familiaridade em um espaço sem prédio é diferente do que conheço. Quando nos mudarmos para o novo prédio, serei estrangeiro como todo mundo. A questão do espaço é muito significativa. Em Niterói, tive alunos oriundos de municípios como Nova Iguaçu e Santa Cruz e eles tinham que acordar de madrugada para estarem na aula às 7 horas. Há um preconceito generalizado de que o estudante do interior é pior do que o estudante de campus de grandes cidades e capitais. Isso é profundamente infundado, já que nessa minha experiência, pude comprovar a qualidade semelhante entre eles, mesmo em ambientes e turnos distintos. Eu fiz minha graduação à noite e sei que o alunado costuma estar cansado fisicamente e mentalmente depois de um dia cheio e, consequentemente, a pessoa acaba tendo que lutar mais para apreender o conteúdo. É bastante diferente ter aula depois de uma noite de sono que ter aula depois de um dia de trabalho. Os perfis dos discentes são bem parecidos nesse sentido. Entretanto, aqui em Campos existe uma concentração de estudantes que ambicionam licenciatura, enquanto no curso de Relações Internacionais os interesses partem mais para o bacharelado. Nesse sentido, as diferenças são notáveis.

Thaymara de Assis: Qual foi o impacto da UFF na sua trajetória profissional?

Frederico Costa: Na universidade particular não existe pesquisa, o foco é apenas nas aulas. Eu já ministrei 50 aulas por semana, uma coisa bem operária. Na UFF e nas universidades públicas, em geral, a ideia é que você dê poucas aulas e tenha tempo para sua pesquisa e projetos. Nesse sentido, é uma realidade muito diferente. As universidades públicas estão muito distantes das faculdades particulares, uma diferença que dá para contar em anos luz. Sem contar que na instituição privada, você tem um patrão, há um empresário por trás da faculdade que visa o lucro. Eu já fui demitido em uma faculdade particular por telegrama dois dias antes do Natal. Você tem que bater ponto, e existe uma cota para a existência de mestres e doutores na composição do quadro de docentes, se essa faculdade já tem sua cota de mestre e você defende sua tese estando lá, você pode ser demitido, pois a faculdade não precisa de mais um mestre. Você está fora do número permitido. A imensa maioria funciona com uma lógica de colégio, diferente das instituições públicas. O incentivo à pesquisa não existe. É um mercado de trabalho bastante difícil.  O estímulo que temos com relação à pesquisa e ocupar outros cargos como chefe de coordenação e departamento é muito marcante em minha carreira. Alinhar os meus interesses com os da universidade é significativo para mim, pois não existe pesquisa que não ressoe nas aulas e na universidade de modo geral.

Di

[i] Possui graduação em História pela Universidade Federal de Minas Gerais (1996), mestrado em Ciência Política pela Universidade Federal de Minas Gerais (2002) e doutorado em Ciência Política pelo Instituto Universitário de Pesquisas do Estado do Rio de Janeiro - IUPERJ (2008). Professor Associado da Universidade Federal Fluminense, na cadeira de Teoria Política. Professor credenciado no Programa de Pós-Graduação em Sociologia Política da Universidade Estadual do Norte Fluminense - Darcy Ribeiro.

 


sexta-feira, 15 de dezembro de 2023

Diálogos em memórias María Gabriela Scotto

 Entrevistada: Profª Drª María Gabriela Scotto[i]

 

Thaymara Assis: Professora, qual a sua principal memória na UFF Campos?

Gabriela Scotto: Minha principal memória é a de quando cheguei à UFF Campos para realizar o concurso para professora de antropologia. Eu nunca havia estado em Campos dos Goytacazes, e a conhecia só de relatos de amigos, que me contaram um pouco da história daqui. Lembro que fiquei num hotel em uma parte da cidade, no centro, que ficava perto da UFF e dava para ir andando por ruelas antigas e estreitas da cidade. Fui embora de Campos após o concurso achando que a cidade de Campos era muito pequena e de ruelas antigas e sinuosas. Só depois quando comecei a dar aulas, em 2010, foi que descobri a real “dimensão” da cidade. Lembro muito nitidamente, também, da sensação ao chegar e entrar pela primeira vez na UFF Campos. Eu já conhecia o campus de Niterói, mas eu não fazia ideia sobre que iria encontrar aqui. Ainda hoje é muito gostoso lembrar da experiência de me aproximar desse campus sem campus, com os dois prédios mais antigos, somente dois contêiners e um bonito e cuidado jardim; não existia ainda o bloco C. Não foi apenas uma descoberta da um espaço institucional - que na época chamávamos de “Polo de Campos” -, mas também de um “lugar” de encontro, estudo, sociabilidades, um lugar pequeno e aconchegante.

Thaymara Assis: Como a UFF Campos impactou na sua trajetória profissional?

Gabriela Scotto: A UFF impactou muito (e ainda impacta) minha trajetória profissional. E cheguei no Brasil, em 1991, trazendo minha experiência como professora de antropologia na Universidade de Buenos Aires (UBA), na Argentina. Vim para realizar meu mestrado em antropologia social (e depois o doutorado) no Museu Nacional da UFRJ, um programa de pós-graduação que, ao menos na época, era um tanto elitizado e não sem muitos vínculos com cursos de graduação. Posteriormente fui professora no recém-criado Instituto de Humanidades da Universidade Cândido Mendes, também no Rio de Janeiro. Diante disso, a UFF Campos foi o meu primeiro mergulho na universidade pública brasileira como professora, com a peculiaridade de ser dando aulas e pesquisando em um curso de ciências sociais que estava sendo criado no contexto Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais, o REUNI. Então, me situando em retrospectiva naquele começo meu como professora na UFF, vejo que muitas descobertas vieram juntas, para eu processar. Naquele momento, os departamentos ainda não existiam. Todos nós docentes dos diferentes cursos estávamos em um único departamento (o SFC, Departamento de Fundamentos de Ciências da Sociedade), o que foi muito bom para a gente se conhecer e integrar. A primeira turma do curso de ciências sociais (ingressantes em 2009, acho), não tinha ingressado ainda pelo Sistema de Seleção Unificada (Sisu).

Eu moro no Brasil há mais de 30 anos, mas sou originalmente de Buenos Aires, Argentina, onde existe uma região chamada Pampa Húmeda, na qual passei muitos bons tempos durante as minhas férias escolares. A paisagem é a de uma ampla planície, muito semelhante à “planície goitacá”, isso me evoca boas e belas lembranças.

Voltando à minha trajetória na UFF Campos, lembro também que nessa época estavam construindo o Porto do Açu, em São João da Barra, um grande projeto de infraestrutura voltado para a exportação de minério de ferro, que acabaria se tornando meu objeto de pesquisa durante vários anos. Naquela época, eu já vinha pesquisando os “conflitos socioambientais em torno da mineração”. Então, foi um processo muito legal, porque ao mesmo tempo em que eu fui me inserindo na docência, fui ampliando e me aprofundando minhas discussões sobre o chamado “desenvolvimento regional” e os impactos sociais e ambientais de projetos como os do Porto de Açu. Na época criamos o Cineclube SocioAmbiental em Campos, um projeto de extensão que ainda hoje existe; ele surge precisamente nesse contexto, com o objetivo de promover junto à sociedade campista uma discussão sobre os impactos socioambientais desse grande projeto de infraestrutura que estava sendo instalado em São João da Barra, com falsas promessas para a população de com ele viriam empregos e desenvolvimento regional.

Assim que cheguei na UFF tive a sorte de me incorporar ao NESA (Núcleo de Pesquisas e Estudos Socioambientais) graças ao convite da professora Antenora Siqueira; no NESA também estava o professor Soffiati, eco historiador e um dos primeiros professores da UFF de Serviço Social, ele é um explorador, o que eu, como antropóloga amo. Adoro essa ideia de ir ao campo para conhecer a região, a cidade e o seu entorno. Então, íamos para a Lagoa Feia, para São João da Barra, para a Baixada campista, por exemplo... Isso me impactou muito, foi uma reconexão com minha paixão pela pesquisa etnográfica, vinculada ao local. O impacto na minha trajetória profissional da UFF Campos, como instituição de ensino e como “lugar” de encontros, sociabilidades e aprendizados foi imenso. As vezes digo o quão cansativo pode ser essa viagem de ida e volta entre Rio de Janeiro e Campos, mas no período remoto fiquei morrendo de saudade.

Thaymara Assis: Poderia nos contar algum fato curioso que você vivenciou na UFF Campos?

Gabriela Scotto: Um dos fatos curiosos que guardo com muito carinho, sem querer parecer saudosista, é a lembrança de quando, um tempo atrás, um colega observar que pelo fato de eu ter sido coordenadora do curso, eu conhecia e me relacionava com os colegas de outros departamentos. Mas eu respondi que eu achava que esse “trânsito” entre os departamentos se devia a esse comecinho, em 2010, quando existia essa reunião única de departamento com todos os professores, a maioria novos que nem eu, era uma festa, nos divertíamos e trocávamos muito entre nós. Essas reuniões eram muito curiosas. O chefe do SFC na época, um professor que já se aposentou, era muito verborrágico e histriônico, eu achava tudo um tanto “exótico”. Ainda hoje, eu conservo muita dessa proximidade a partir desses encontros e reuniões. Também tinha o grupo dos que viajávamos juntos nos ônibus da empresa 1001. Fizemos grandes amizades, tivemos altos papos e conversas voltando para o Rio de Janeiro.

Levei mais ou menos um ano para entender o que de fato era o curso e o que era o Instituto. Antes de nós sermos Instituto, a ideia original é que ele fosse um polo da UFF em Campos dos Goytacazes. Tanto que até hoje alguns ainda o chamam dessa forma, mas acabamos não nos constituindo como polo, mas como instituto, com menos autonomia em relação a Niterói. Um instituto é muito mais dependente do organograma central de Niterói do que se fosse polo. Então, na época, para o polo havia um diretor, o José Luiz Vianna, e o Hernán Mamani era o diretor do instituto. Eu achava isso tudo muito confuso e, no final, a gente só seguia o fluxo. Tinha também a questão dos containers. Eu lamento não ter tirado fotos do espaço e de suas mudanças ao longo de todos esses anos. O campus, mesmo com toda a sua precariedade, foi acompanhando a expansão e democratização da universidade, em todos os sentidos. A vinda dos alunos através do Sisu, a importância do Reuni e o aumento dos cursos ofertados... Havia aquela sensação muito boa de voltar a cada semestre e observar a UFF se tornando cada vez mais plural e diversa. Teve a chegada dos coletivos e os grafites nas paredes. Me lembro muito dessa sensação de ser surpreendida sempre, que retornava, por uma UFF que a cada semestre parecia diferente do anterior. Com relação a esse registro de memórias, ver como a UFF está agora, após a pandemia e as atividades remotas provoca um desejo de redescobrir o que se tornou esse espaço agora, ao mesmo tempo que também sinto o impacto pós-pandêmico que gera um sentimento de saudosismo diante de tudo isso.

Já que estamos falando de lembranças... Outra coisa que lembro é que todo final de ano havia festas com sorteios e cestas organizadas pelas técnicas e técnicos do Instituto. O local onde hoje é a lanchonete do Chiquinho juntava professores, alunos e técnicos. Isso era muito legal! Esses primeiros anos nos permitiram essa união e a sensação de ser da UFF Campos. Depois, dali pra frente, os departamentos foram se dividindo e criaram-se estruturas mais isoladas. Acredito que essa tendência aumente ainda mais quando nos mudemos para o novo prédio.

Sempre gosto de trabalhar em sala de aula sobre a importância do estranhamento para recuperarmos as memórias e a sensação de estar diante ao novo, do seu fascínio e estímulo para formular interrogações para nossas pesquisas. Foi essa sensação de estranhamento a que tive quando cheguei para fazer o concurso e me deparei com as ruelas de Campos e com o próprio campus. Recordar é viver, a gente não tem que ficar lá, mas isso são memórias não só pessoais, mas institucionais. É muito importante sabermos que a instituição somos todos nós, já que às vezes esquecemos disso no meio das correrias cotidianas e das burocracias administrativas. Dessa maneira, podemos recuperar a memória afetiva vinculada ao que nos leva para um lugar e o que nos faz ficar. O engajamento como profissionais e como seres humanos é de extrema importância. Este projeto de vocês é uma contribuição fundamental nesse processo de construção das memórias da nossa querida UFF Campos, parabéns e obrigada!



[i] Possui graduação em Ciencias Antropológicas pela Facultad de Filosofia y Letras, da Universidad de Buenos Aires (1985). Mestrado em Antropologia Social pelo PPGAS / Museu Nacional / UFRJ (1994), e doutorado pela mesma instituição (2003). Atualmente é professora associada do Departamento de Ciências Sociais do Instituto de Ciências da Sociedade e Desenvolvimento Regional da UFF (Campos dos Goytacazes) e do Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento regional, ambiente e políticas públicas (PPGDAP/UFF). É líder do GEPPIR - Grupo de estudos e pesquisa sobre Poder, Imagens e Representações (UFF/CNPq) e pesquisadora do Núcleo de Estudos e Pesquisas Socioambientais (NESA/UFF).

 

terça-feira, 12 de dezembro de 2023

Diálogos em memórias com Simone Silva

 Entrevistada: Profª Drª Simone da Conceição Silva[i]

Thaymara Assis: Professora, qual a sua principal memória na UFF Campos?

Simone Silva: A primeira memória que me vem à mente gira em torno de dois momentos complementares: a primeira tem a ver com a minha primeira turma de Ciências Sociais da UFF, após passar no concurso; uma turma de 4⁰ período no ano de 2011, composta por alunas e alunos que já estavam no meio do curso e que seria a primeira turma a se formar no curso de Ciências Sociais da UFF Campos. Foi muito significativo porque eles tinham mais vivência na UFF Campos do que eu. Geralmente é o contrário, pois o corpo docente tende a estar na universidade há mais tempo do que o alunado, ou seja, têm mais experiência nesse espaço que o corpo discente. E a lembrança que guardo dessa turma é de muita receptividade e acolhimento. Nossas trocas frequentes me marcaram, foi uma experiência muito boa nesse sentido.  Ainda sendo professora deles, no meio do caminho, engravidei. Carrego a memória o   sapatinho de bebê que uma das alunas fez e presenteou a minha filha; um sapatinho amarelo, que expressa desejo de saúde e sorte.  Essas experiências ficaram marcadas de fato. Nessa turma, duas ou três alunas começaram a participar do meu grupo de pesquisa, que na ocasião estava em processo de construção. Ainda tenho contato com dois alunos dessa turma, um desses estudantes em específico, inclusive, acompanho e fui membro da banca dele de mestrado e ainda mantemos contato.

Thaymara Assis: Como a UFF Campos impactou na sua trajetória profissional?

Simone Silva: Ela é parte da minha formação enquanto profissional. Eu exerci a docência, antes de vir para a UFF, como professora de uma universidade privada católica. Evidentemente tive um aprendizado nessa instituição, contudo, nas universidades públicas você tem muito mais autonomia e um espaço de criação amplo que envolve muito trabalho, mas também envolve muito aprendizado e crescimento.  Acredito que o ponto mais importante da UFF, visão essa que tenho como ex-aluna de ciências sociais e atualmente como professora, tem a ver com esses espaços de criação. Obviamente o espaço sofre mudanças, mas a oportunidade de criação continua sendo um importante aspecto pelo qual devemos lutar permanentemente por sua garantia. .

Thaymara Assis: Poderia nos contar um fato curioso que tenha vivenciado na UFF Campos?

Simone Silva: Eu tenho um fato curioso que não é cômico, na verdade, eu fiquei positivamente surpreendida quando eu passei uma experiência de violência de gênero em uma turma e os alunos e alunas da época me defenderam. Eles se engajaram em uma série de atividades para que pudéssemos debater não só o meu caso. Na verdade, o meu caso foi o estopim para que eles levassem essa discussão para dentro do curso e compartilharam com outros alunos que não souberam de imediato do meu caso, sem necessariamente fazer a exposição pessoal do que vivenciei em específico. Inclusive, participei de uma mesa que eles organizaram na época, onde levantaram esse assunto importante para debate e evitar a repetição desse acontecimento, poupando a descrição em particular do meu incidente.

Em geral, dado os múltiplos aspectos que marcam a relação entre docente e discente, a relação de reciprocidade entre eles não é algo dado. E no meu caso, não só a turma como o Centro Acadêmico, fizeram uma leitura muito assertiva de que não era apenas necessário tratar sobre o caso, mas também trazer o tema que permeia nossas vidas como alunas, professoras e funcionárias. Acontecimentos que eu nunca tinha presenciado até então, passaram a ser falados nas rodas de conversa. Sou muito grata a esses alunos que fizeram esse levante. Fico aliviada que esse tema passou a fazer parte da agenda e começou a ser discutido.



[i] Possui graduação em Ciências Sociais pela Universidade Federal Fluminense (2001), mestrado (2004) e doutorado (2010) pelo Programa de Pós-graduação em Antropologia Social do Museu Nacional - UFRJ. É professora no departamento de Ciências Sociais da UFF e coordenadora do grupo de pesquisa Núcleo de Estudos Rurais/UFF.

domingo, 10 de dezembro de 2023

Diálogos em Memórias com Gisele Almeida

 

Foto: Acervo pessoal da professora Gisele Almeida

Entrevistada: Profª Drª Gisele Maria Ribeiro de Almeida[i]

 

Thaymara Assis: Qual a sua principal memória da UFF Campos?

Gisele Almeida: Eu acho que foi a memória do concurso. Eu já tinha estado no espaço da UFF porque o meu companheiro já era professor da UFF enquanto eu ainda estava no doutorado. Ele se mudou para Campos primeiro, eu fiquei entre Campinas e Campos até terminar os créditos do doutorado. Então, o espaço físico não era estranho para mim, mas a primeira vez que eu venho à UFF como pesquisadora foi para prestar o concurso para professora substituta no final de 2013. Eu me lembro das colegas que também estavam participando do processo seletivo, porque não era uma vaga para professora efetiva. Se chama seleção simplificada, que é um processo seletivo e não um concurso. Eu me lembro da gente no bloco da secretaria esperando sair o resultado e as notas das provas que nós tínhamos feito.

Thaymara Assis: Como você acha que a UFF Campos refletiu na sua trajetória enquanto professora e pesquisadora?

Gisele Almeida: Eu diria que refletiu e segue refletindo continuamente. Eu passei o ano de 2014 praticamente todo como professora substituta. Em algum momento teve concurso para professora efetiva, eu prestei, fiquei em segundo lugar e não fui chamada. Aí teve uma vacância e eu como segunda colocada do concurso acabei sendo chamada, mas isso já foi dezembro de 2014. Para mim, as memórias são confusas entre professora substituta e professora efetiva, é difícil eu me separar porque eu vivi tudo como algo único. Quando cheguei para dar aula, eu tinha bastante experiência de sala de aula no ensino superior. Eu fui professora, só com o mestrado, no interior de São Paulo, em uma cidade que se chama Itapeva, no sul do Estado. Eu também fui professora na cidade de Santos, em uma universidade particular que tem lá. E nessas duas universidades eu dei aula para vários cursos. Em Santos, em particular, eu dei aula de Sociologia e Antropologia da Saúde para cursos de Fisioterapia e Enfermagem. Então, quando eu vim dar aula na UFF eu tive aquela sensação de presente, no sentido da dádiva, porque era a possibilidade de dar aula para alunos de Ciências Sociais. Isso eu nunca tinha tido porque eu dava aula de Sociologia para outros cursos, o curso mais próximo da nossa formação de Ciências Sociais foi Relações Internacionais que eu dava em Santos. Mas eu dava para Administração e era aquela sociologia para falar de gerenciamento de conflitos no ambiente de trabalho, que eu não considero tão interessante, até mesmo pelo público. A disciplina de Sociologia do Direito, por exemplo, que apesar do tema ser muito interessante, o alunado é muito conservador e com isso tinha muita disputa. Então, quando cheguei aqui foi essa alegria de estar dando aula para o curso de Ciências Sociais e estar em uma universidade pública. Eu fui formada por uma universidade pública, então para mim era muito importante essa relação com o ensino e aprendizagem que não se confundia com mercadoria. Nas faculdades particulares, mesmo quando são boas, há essa questão das regras. Em Santos, por exemplo, se o aluno faltasse na prova ele tinha que pagar para fazer a prova substitutiva. Não importava o motivo, a pessoa podia ter faltado porque ficou doente e ter um atestado ou ela podia ter faltado porque simplesmente não estudou e não quis ir. Eu achava isso muito errado: por que uma pessoa que faltou com a justificativa de estar doente tem que pagar para poder fazer uma prova substitutiva? Eu achava isso um absurdo! Enfim, não vou dar todos os exemplos que eu poderia dar, mas para te colocar o prazer em estar em um ambiente que eu considerava que seria próximo ao da minha formação que foi na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), que é uma universidade referência, então agora eu estou no meu ambiente, no meu habitat.

Claro que houve várias coisas muito interessantes. Eu tive uma turma em que eu dava aula de Teoria Sociológica II. Acho que foi uma das turmas mais prazerosas que eu tive na minha vida porque era um momento de realmente discutir os textos. Foi uma experiência de muito aprendizado para mim de ler aquele texto com eles e com elas, da gente discutir e finalizar a aula dez horas da noite em uma sexta-feira, mesmo podendo sair a hora que quisesse, pois, a lista de presença já havia sido passada. Então, essas experiências foram muito importantes para mim, eu aprendi muito. Mas por outro lado, o que eu também fui vendo é que essa turma, por exemplo, era exceção. Era uma turma que tinha pessoas mais velhas, tinha uma parcela significativa que não sofria muitas situações de vulnerabilidade socioeconômica e eu fui vendo que o que para mim era o mínimo, por exemplo, o aluno ir com o texto lido para sala de aula. Eu já entendia que o aluno não conseguia ler, já aceitava porque já tinha experiência com o ensino superior, mas eu pensava que era como eu fazia. Quando não tinha lido o texto, eu ia para a aula com o texto e ficava tentando acompanhar, ler, prestar atenção e ter o texto para eu saber que ia ler depois. Então, quando eu comecei a me deparar com essas situações do aluno não ter o texto ou escrever trabalhos muito mal escritos, eu entrei em uma situação de cobrança e pensava: “aqui é uma universidade pública e os alunos precisam de uma formação séria, então, eu preciso puxar o nível e não nivelar por baixo”. Então, eu fui percebendo e aprendendo que eu tinha uma visão muito elitizada do acesso ao ensino superior. Eu não tinha o entendimento ainda do impacto das políticas de expansão de acesso às universidades, sobretudo federais, para a entrada de um contingente de jovens que vinham de contextos muito marcados por situações diversas de violências simbólicas, condições econômicas insuficientes para a manutenção deles na cidade, sobretudo, esse contexto de alunos vindo de outras cidades para uma universidade que não tem moradia estudantil, não tem restaurante universitário e onde as bolsas são escassas. Então foi um processo, para mim, transformador entender que eu não podia seguir com a referência do que tinha sido a minha graduação em Economia na Unicamp, que ainda era mais elitista que as Ciências Sociais. Eu fiz as disciplinas das Ciências Sociais simultaneamente. No meu mestrado e doutorado, foi que eu decidi ir para a Sociologia mesmo. Os alunos de Ciências Sociais tinham menos carros do que os da Economia, mas não era uma situação do aluno não ter dinheiro para ir ao restaurante universitário ou não ter dinheiro para fazer uma xérox com frequência. Eu tinha bolsa e eu não vinha de uma família pobre, mas vinha de uma família que fechava as contas na ponta do lápis, então acontecia às vezes de eu fazer a xerox ao invés de comprar o livro que estava caro. Mas é completamente outra situação que a gente encontra aqui e eu comecei a me questionar sobre essa postura que eu entendia como pedagógica que era estimular com que esses alunos e alunas se esforçassem muito. Eu me lembro de uma aula que coloquei uma reportagem de uma revista feminina, a Marie Claire, sobre violência doméstica e era um texto jornalístico panfletário com um conteúdo como: “A cada 5 minutos uma mulher é violentada, isso é um absurdo, não podemos tolerar!” e depois mostrei um texto acadêmico, com os resultados de uma pesquisa sobre violência doméstica que começava a discutir gênero, patriarcado, definir o que era violência doméstica, então eu fui mostrando e questionando “Vocês estão vendo a diferença? Esse texto é jornalístico, não é Ciências Sociais” e os alunos ficaram olhando para mim sem entender a proposta. Eu achava que fazer isso era uma maneira de estimular com que eles procurassem se empenhar mais, estudar mais, se dedicar mais à leitura, à escrita e eu não conseguia, naquele momento, entender como isso se somava a mais um episódio de violência simbólica que essas pessoas já vivenciavam no seu cotidiano de outras formas. Então assim, da minha formação elitizada, da minha posição de classe eu trazia como normalidade um padrão de identificação, ao estudo, a maneira de entender o que é esforço e como podemos nos esforçar com os contextos específicos e tão delicados que ali se faziam presente. Isso foi um processo que começou nesse momento e que hoje eu sou uma outra pessoa. Para começar que eu disponibilizo todos os textos de forma digital, teve uma época que eu ainda fazia pasta concomitantemente, mas agora que é o mesmo preço imprimir ou xerox eu deixo digital porque eu entendo que as pessoas não têm dinheiro para fazer xerox. E essa questão de reconhecer os limites e as possibilidades desse perfil de alunado, então não é com esse discurso de identificação, de ir atrás que eu iria ajudar essas pessoas a seguirem nas suas formações com rigor e compromisso, eu iria ter que recorrer a outras ferramentas pedagógicas. Por exemplo, eu sempre tive aulas centradas em ferramentas dialógicas, nunca fui aquela professora que fica sentada na frente falando, o que a gente chama de modelo francês de educação “os alunos que me acompanhem”. Eu sempre fui de lousa, de ficar em pé, de falar, estimular que as pessoas participassem e trouxesse dúvidas. Mas hoje eu entendo que a maneira como você faz isso pode inibir certas perguntas, colocações, falas, ou seja, não é só dizer “Quem tem alguma dúvida?” ou que “Agora, eu estou abrindo a discussão”. É construir um ambiente em que as pessoas possam se sentir confortáveis e acolhidas para trazerem as suas dúvidas. Então, para mim, esse é o processo de transformação que eu vivi aqui e eu gosto muito de pensar como até meu próprio percurso como pesquisadora.

No meu doutorado, eu estudei a imigração brasileira com destino a França. Por que eu escolhi a França? Tinha um contexto dos países em que tinha crescido a comunidade brasileira que era: Bélgica, Alemanha e França. E foi um crescimento muito significativo, os números são pequenos se você comparar com o contingente de brasileiros nos Estados Unidos, no Japão ou até mesmo em Portugal. Não são números que chegam perto, mas em termos de crescimento sim. A França, por exemplo, tinha saltado de 10 mil para 30 mil, depois para 50 mil e eu comecei a pensar “Nossa, o que está acontecendo aqui?”. Tinham esses três países que eu me lembro bem, mas eu acabei escolhendo a França porque eu já estudava francês também não posso esquecer minha questão como socióloga, apesar de ter feito Economia. Eu me considero socióloga, não entendo nada de Economia. Pela formação que eu acabei tendo e essa questão dos intelectuais franceses. A gente tem uma influência grande do pensamento francês, sobretudo, na sociologia que a gente lê e se forma aqui no Brasil. É claro que também houve comigo nesse meu processo de seleção, o fato do alemão eu nunca ter estudado, eu acho uma língua difícil. Eu já tinha uma dificuldade com francês que ainda é um pouco semelhante, o alemão que os fonemas são mais distantes. Mas o fato é que independente de eu ter escolhido a França ou não, a minha forma de estudar esse fenômeno ainda foi muito marcada por um olhar colonial de ver a França, de analisar a política migratória francesa como uma contradição entre o país que se dizia precursor dos direitos humanos e as políticas migratórias restritivas.

Eu acabei de lançar a minha tese de doutorado. Eu a transformei em livro e eu não tinha condições de mudar o trabalho todo, mas eu fiz um parágrafo na introdução. E quando eu fui lançar o livro em dois eventos acadêmicos, eu trago essa autocrítica. Eu não consegui olhar como muitos projetos migratórios que tomavam a França como esse lugar de referência, como esse olhar estava marcado por noções de colonialidade, assim como, eu mesma estava marcada por concepções centradas nessa herança colonial ao não ter conseguido problematizar e analisar esse fenômeno como eu faria hoje pensando, por exemplo, a hierarquia das nações. Quem vai estudar na França diz: “Queria estudar na França porque é o berço do conhecimento”. Então assim, são coisas que eu não conseguia problematizar, naquele momento, em 2013 que eu escrevo, como hoje eu problematizo. Hoje, por exemplo, eu estou estudando a imigração de mulheres em Portugal pelo eixo analítico da colonialidade de gênero. Para resumir, o que a UFF me transformou foi ter aprendido com essa experiência e com alunas, eu tenho vários alunos muito queridos, mas, sobretudo, neste primeiro momento foram algumas alunas mulheres que me propiciaram o contato com essa leitura do que era a UFF Campos, o que significava a presença delas aqui, de onde elas tinham vindo, quais eram os desafios, e isso mexeu muito comigo em termos de pensar mesmo. Isso acabou causando um movimento de transformação analítica que me levou a realmente adotar outros referenciais, seja para dar aula ou fazer pesquisa.

Foto: Acervo pessoal da professora Gisele Almeida

Thaymara Assis: Eu me identifico apesar de ser aluna, o modo como eu enxergo a vida mudou completamente quando cheguei aqui. Eu sou a aluna que não tem dinheiro para a xerox. Na verdade, eu nunca tive. O seu discurso é muito bonito porque autoavaliação é algo tão necessário para a gente se tornar alguém bom, alguém que é prazeroso conhecer.

Gisele Almeida: Quando eu ainda estava na graduação, eu fui assistir uma palestra de psicanálise porque eu tinha um monte de amigo que fazia Psicologia na Universidade de São Paulo (USP), em Ribeirão Preto. Eu fui assistir a palestra sobre o amor na psicanálise e a psicanalista estava falando sobre o livro O banquete de autoria de Platão. Ela acabou a fala dela afirmando “Ou se aprende a amar, ou se fica esperando”. Para resumir, na ideia do Platão nós somos seres faltantes, esferas cindidas e a concepção do amor é esse encontro com a outra parte como se fosse a figura do yin yang que se encaixa perfeitamente. Só que tem uma questão que esse encontro é idealista demais e o debate era sobre isso, que amar significava refletir e problematizar que tipo de amor a gente queria ter. Aprender amar passava por aprender amar as imperfeições, a incompletude, essa falta, inclusive, com a gente mesmo. Então o que eu acho que tenho é buscar esse encontro com o outro, talvez isso que você falou de ser uma pessoa legal para conhecer. Eu acho que eu tenho tido essa busca de tentar ir ao encontro do outro porque eu acho isso o mais radical que a gente pode viver em termos de amorosidade. Mas nem sempre é fácil. Talvez se perguntar para as pessoas que moram comigo se eu sou tudo isso e vão falar que não, pelo dia a dia. E é isso, não é porque falei todas essas coisas que um dia eu não vou ser uma professora intransigente, que um dia vou falar uma besteira porque nós também somos feitos dessas falhas e tenho aprendido a acolher as falhas. Eu falo isso porque eu era bem mais rigorosa antes de ser mãe. Não tolerava um dia de atraso e era rigorosa com isso. Eu planejava tudo, na primeira aula eu já tinha todos os conteúdos, todas as datas de avaliação, descontava nota se atrasasse. Eu era educada, solícita e sempre comprometida com meu trabalho como docente, mas rigorosa. E aí fui mãe e minha vida descambou. Minha filha nasceu prematura, ela ficou um tempo na Unidade de Terapia Intensiva (UTI), demorou a ir para a escolinha porque não quis mandar com seis meses, pois prematuro tem o sistema imunológico mais comprometido, então esperei fazer um ano para mandar para escola. Mas mesmo ela tendo ido com um ano e três meses, foi só começar a escola que ela teve uma doença atrás da outra, aquelas doenças de criança. Então assim, não tinha como eu ficar naquele rigor, eu mesma chegava me perguntando do que era a aula, porque tinha virado a noite controlando a febre dela. Isso me tornou mais flexível com os alunos e alunas porque eu também tive que me tornar mais flexível comigo. Depois veio a pandemia e foi o ápice disso. Eu pensava “eu, como professora, que estou com meu dinheiro caindo na conta, podendo fazer isolamento social em casa, que ninguém está doente ou passando sufoco, estou completamente transtornada, o que dirá os alunos que às vezes estão trabalhando, com gente doente em casa, o pai desempregado, tem que ir ao mercado escolher se compra sabonete ou iogurte”. Para mim, esse processo é muito saudável, se permitir falhar e isso faz com que a gente acolha melhor a falha do outro.

 

 



[i] Professora do Departamento de Ciências Sociais da Universidade Federal Fluminense em Campos dos Goytacazes. Doutora em Sociologia pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).

 

quinta-feira, 7 de dezembro de 2023

Diálogos em Memórias com Rodrigo Monteiro

 Entrevistado: Prof. Dr. Rodrigo de Araujo Monteiro

 

Thaymara Assis: Qual sua principal memória na UFF Campos?

Rodrigo Monteiro: É muito difícil definir uma porque estou aqui há oito anos, entrei em 2014. Tenho memórias ainda no concurso fazendo provas para me tornar professor. Você começou a falar e começou a surgir na minha cabeça momentos que poderiam ser os mais marcantes na minha trajetória aqui na UFF Campos. Tem o concurso, por exemplo. A sala do concurso é a F201. Aquele ambiente todo tenso, candidatos ali disputando uma vaga. Eu e os demais candidatos, a banca e a secretaria da banca. Depois, o momento do resultado. Um momento de alívio, felicidade e conquista. Tem momentos pré e pós, e ainda o depois do pós. Eu posso pensar em várias etapas. O pré seria o concurso, a apresentação da banca, os candidatos, onde estávamos sentados. Eu tenho isso muito forte na minha memória. O primeiro dia é a apresentação, o segundo dia é a prova escrita, o terceiro dia é a entrega dos documentos e o quarto dia é a prova de aula. Nós fomos para a sala F201 e ministramos uma aula para a banca. Tudo isso é muito forte. Lembro que tinha um fio atravessando a banca e eu tinha a chance de derrubar e atrapalhar o datashow, a própria reação da banca expressava essa preocupação à medida que eu ia dando aula. Enfim, isso não é pouco. Depois o pós já como professor efetivo em exercício, as reuniões de departamento, as primeiras turmas que me marcaram muito. Na sala C205, se não me engano, turmas bem grandes do Serviço Social e História.

Fui professor em uma pequena faculdade particular do Rio de Janeiro, e de repente estava me dando conta de estar dando aula em um novo cenário para um novo público. Um público muito novo para mim, com cursos em universidade pública politizados com outra perspectiva. Esse começo após o concurso foi muito marcante, as primeiras reuniões de departamento e as turmas iniciais. Eu lecionava Teoria Social III para o terceiro período de Serviço Social e Teoria Sociológica para o primeiro período de História, e eu ainda lembro de muitos rostos de estudantes e conversas paralelas. E foi muito interessante que nesse primeiro período meu aqui, uma turma me homenageou, me deu um livro de presente por acharem que eu fui o melhor professor deles no período e fomos comemorar em um bar chamado Tropeço, que acho que nem existe mais. Essas salas me marcaram muito até hoje, é algo que durante a pandemia onde ficamos afastados vinha sempre à memória essas primeiras turmas. Depois, as reuniões de departamento, os movimentos políticos  da época, toda uma mobilização de atividades nossas, “a UFF Campos faz” na praça São Salvador. Muito fortemente, eu tenho memórias das reuniões do grupo de pesquisa que eu coordenava na época antes da pandemia. Era um grupo grande com estudantes muito engajados na pesquisa sobre educação, futebol e juventudes, então, é algo que me toca muito. Todas as reuniões que a gente desenvolveu e aqui não só sobre futebol. Tinha um pé no futebol e outro na discussão da categoria envolvidos. Nós trabalhamos com grupos focais, policiais, agentes da guarda municipal e com jovens. Tem um grupo focal desses que me vem à memória até hoje, a gente chamou profissionais operadores de segurança pública. A reunião foi muito tensa porque ouvimos questões que não eram simples e terminamos a noite no churrasquinho do Luiz porque aquela reunião foi realmente bem impactante. Mas são muitas alegrias. Minha memória sobre toda pré-pandemia é de muita alegria, felicidade, encontro, troca, aprendizado e de certa satisfação pessoal. Um conjunto de emoções positivas de ver o pessoal se envolvendo no grupo de pesquisa, crescendo dentro das Ciências Sociais e mesmo aqueles que vão descobrindo que não são das Ciências Sociais e vão buscar outros rumos. Mas é uma sensação de “me encaixei” com esse território, me encaixar com esse lugar e me ver descoberto aqui como alguém que pode contribuir com a formação de jovens nas Ciências Sociais e outros cursos na discussão da juventude, educação etc. Minha memória daqui é muito positiva. As emoções daqui são muito boas quando penso nesse campus. E durante a pandemia eu lembrava daqui com muito apego, tanto que, ainda em 2020, eu combinei com outro colega e amigo de passar aqui na porta para se reencontrar com o lugar, as emoções e experiências. E mais tarde assumi o cargo da gestão aqui na vice-direção. Então, esse lugar diz muito para mim de satisfação, prazer e boas emoções. Lógico que tem momentos pesados, mas se for botar na balança os positivos são mais fortes que os negativos

Thaymara Assis: Os depoimentos são sempre muito tocantes. Eu, professor Ricardo e professora Mariele acreditávamos que teríamos falas muito formais, mas me deparei com muito afeto e eu acho que o resultado vai ser muito tocante quando a gente puder ler os depoimentos. Então acredito que essa horizontalidade do campus facilita essa conexão com os alunos porque aqui nós temos uma proximidade que normalmente não encontramos em outros campi e isso me deixa um pouco apreensiva com a forma como vai ser o novo prédio. Mas a segunda pergunta é como você enxerga o impacto da UFF Campos na sua trajetória como pesquisador e professor?

Rodrigo Monteiro: Você está provocando um pouco sobre a horizontalidade daqui, e eu não sei se é isso. Acho que isso dá uma outra noção de espaço mesmo, parece que a gente fica mais visível e acessível. Pensando em Gragoatá, as vezes que eu passo lá, o próprio TCC da Sociologia não tem banca, é um parecer. O aluno escreve a monografia e a banca vai fazer pareceres, então não tem aquela consagração que é a defesa do TCC. É algo que aqui parece que não vamos abrir mão, e eu acho que não é bom que abra mesmo porque é um ritual muito rico.

Mas voltando ao que você está colocando, o papel da UFF Campos na minha trajetória é imenso. Eu estava fazendo pós-doutorado na Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) com taxa de bancada, mas ainda como pós-doutorando, desenvolvendo minha pesquisa. Mas a transição para cá que, no primeiro momento é uma transição de quem não está morando em Campos, fica aqui três, quatro dias, mas também não deixa de morar no Rio e ainda continua com pesquisas lá. A entrada aqui me abre portas fabulosas, muito relevantes e muito significativas. De construir  um grupo de pesquisa. De pensar e problematizar a partir de demandas que vieram dos próprios alunos e alunas. A primeira bolsa de iniciação científica que eu consigo aqui foi de uma aluna queridíssima que nesses corredores me propôs “Eu sei que você estuda esportes, então vamos fazer um projeto! Eu quero ajudar o Goytacaz!” sentamos, escrevemos o projeto e mandamos, e foi o primeiro projeto de bolsa que eu tive aqui aprovado. Essa informalidade da relação não é só UFF Campos, não sei se isso no campus vertical, a futura terra prometida, vai viabilizar ou não.

Acho que você colocou uma questão interessante que me faz pensar nessa informalidade daqui. A minha primeira turma me chama para o bar para me homenagear, eu ganho um livro O Capital de Thomas Piketty, todo mundo assina e vamos para o Tropeço no fim do semestre. É um encontro muito prazeroso, afetuoso e com muita troca. Existe uma informalidade aqui que ao mesmo tempo viabiliza a construção de um potencial, de um grupo de pesquisa que vem de uma conversa de corredor. E aí eu comparo com a minha graduação em 1993 no Instituto de Filosofia e Ciências Sociais (IFCS). Quando é que eu chegaria no corredor para um professor no IFCS e teria uma oportunidade para que eu propusesse um projeto de pesquisa para aquele professor? A universidade também mudou muito com o Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais (REUNI). Quando eu entrei no IFCS, em 1993, alguns professores tinham sobrenome de rua. Gente que a família já está na universidade há muito tempo. Não é a Zona Norte do Rio de Janeiro, é a Zona Sul do Rio de Janeiro ou de centros de outras cidades do país. Mas acho que aqui em Campos tem um diferencial mesmo, não sei se essa horizontalidade, mas talvez um perfil de professor que se adapta aqui é essa construção mais informal das relações que é encostar no corredor e propor um projeto, organizar atividades a partir dessa informalidade e, ao mesmo tempo, essa informalidade ser algo que vai construir a própria carreira. Então é nesse misto do formal: submissão do projeto, apreciação pelos pares e desenvolvimento da carreira.

Aqui é muito particular, até pelo o que eu troco com colegas de outras unidades, de ser algo muito atípico do ponto de vista da informalidade. É legal pensar isso porque essa informalidade propicia a gente a consolidação da carreira e investimento. Ou seja, é uma carreira que é feita de muita inserção nessa relação um pouco mais informal, mas não tanto, que viabiliza aspectos de uma carreira que são muito formais: avaliações de bolsa, conquista de editais e submissão de projetos.

Outro momento muito forte foi quando eu e professores/as Andrea, Geovana e Eugênio organizamos em 2015 ou 2016, um projeto financiado pela Fundação Carlos Chagas Filho de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (Faperj) trazendo para cá pesquisadores da Inglaterra, São Paulo e Bahia. Fizemos um evento aqui muito forte, no ponto de vista de repercussão e impacto, porque foi trazer para Campos pesquisadores de instituições de outras regiões e país. Depois, junto com a Simone Silva, trouxemos outros nomes. Esse campus é muito rico. Essa unidade da UFF é muito relevante e não é à toa que é a terceira maior unidade da UFF de todos os campi. A gente concentra aqui a comunidade de quase 4 mil pessoas. Então, talvez a gente não tenha dimensão desse espaço, desse território para a cidade.

O que é a UFF nos espaços que a cidade propícia para a gente? Se a gente pegar a carreira do ponto de vista da formação da docência - do ensino, pesquisa, extensão - e administração, esse campus possibilita muito. Mas acho que isso tem que ser pensado junto com a cidade e o que é a UFF na cidade. É esse contraponto de um dia eu estar voltando de um bar, jovens mais informais andando na rua e o taxista falar: “Aí, deve ser tudo aluno da UFF!”. A gente acaba sendo uma zona moral, como diria a Sociologia Urbana. Essa ideia de sermos os outsiders da cidade. O aluno da UFF é identificado, sobretudo, quando ele está na Pelinca, que é um território mais elitizado, aburguesado e gentrificado da cidade. Acho que temos que pensar o que é a UFF em Campos e Campos dentro da UFF. Uma cidade com todas as contradições que têm da questão econômica, da social e de repente encontra uma unidade universitária que apresenta um outro modo de ver e viver a cidade de forma mais orgânica. Tudo isso passa pela tensão que a UFF Campos tem com a própria ação política da cidade.

Thaymara Assis: Você tem algum fato curioso que gostaria de registrar?

Rodrigo Monteiro: São tantos momentos que a gente passa nesses oito anos que eu tenho que pensar um pouco. Acho que não dá para pensar fora da relação com o campus. Se a gente pensar nas hierarquias na universidade, ela é um espaço, em geral, ainda de algumas violências simbólicas. Se for pegar engenharia ou outros cursos talvez isso seja mais evidente, mas aqui é um Instituto de cursos de humanas, isso já dá uma diminuída nesse tensionamento e nessa hierarquia. Entender que a cidade já é conservadora, não sei se chamar assim ajuda porque não damos espaço para as contradições. Mas se a gente pensar nas contradições, os movimentos que fazem aqui ter uma classe média, se contrapondo a essa elite tradicional. Enfim, é uma outra conversa. É importantíssimo pensar o que é a UFF em Campos porque, por exemplo, na direção, a gente nunca atuou tanto junto com a cidade como nesse último um ano e meio. Recebemos convites para a Bienal e para a Semana de Extensão no Jardim São Benedito, por exemplo. Muita relação que parecia que não chegava pra gente, nunca vi isso como professor, mas na direção as oportunidades começam a chegar. Não sei se chegava e as gestões anteriores não repassavam ou se não chegava mesmo. Talvez seja uma possibilidade nova de atuação conjunta com a prefeitura porque aqui em Campos tem essa questão de se respaldar muito nas três grandes públicas: UFF, UENF e IFF. Temos ainda as faculdades particulares, ou seja, aqui tem uma população universitária muito grande e isso traz um prestígio para a cidade. Penso que essa gestão atual entendeu essa lógica e usa muito bem isso. O que a gestão municipal pode capitalizar com essa relação com as universidades. Então, acho que é algo a se pensar futuramente. Agora eu quem estou fazendo uma provocação.

Mas sobre o fato curioso, é entender esse espaço como ambiente possível de mobilidade social de trabalhadores e trabalhadoras. O que eu consigo pensar de imediato é um caso de uma época que meu carro estava quebrado há um mês e meio, então eu vinha para cá com carros de aplicativo e no tensionamento que a gente já estava no período eleitoral, o motorista me perguntou “Para a UFF, né?” Eu pensei que seria mais um apoiador do ex-presidente vendo que eu ia para a UFF “de esquerda”, “esquerdopata” e “comunista”. E ele veio emocionado para cá, perguntou o que eu fazia aqui, que ele ia votar no Lula porque uma das filhas dele fez Ciências Sociais aqui graças ao Partido dos Trabalhadores (PT), especificamente, ao governo Lula que havia deixado aqui nove cursos da graduação. O motorista estava emocionado, pois estava indo para o local com um professor que poderia ter sido professor da filha dele. Estava feliz porque estava indo para o local onde a filha dele conseguiu o diploma de graduação que ele não conseguiu, mas permitiu uma chance para a filha junto com a política do governo da época. Aqui está a ideia de que o filho da classe trabalhadora passa a ter oportunidade de se formar enquanto aluno universitário e possibilitar que, posteriormente, essa família possa ter maiores perspectivas de mobilidade social. Isso é um fato que me emocionou. Encontrar um motorista de aplicativo já na condição de precariedade, reconhecendo o papel da universidade pública onde eu trabalho na construção dessa mobilidade social. Esse é um fato que me deu muita emoção de ser parte desse movimento de ajuste ao nosso passado tão pesado aqui do Brasil.

terça-feira, 5 de dezembro de 2023

Diálogos em memórias com Claudio Araujo Souza e Silva

 

Acervo pessoal do professor Claudio Araujo

Entrevistado: Prof. Dr. Claudio Araujo Souza e Silva[i]

 

Thaymara Assis: Qual a primeira memória da UFF Campos que vem à sua cabeça?

Claudio Araujo: Minha primeira memória é de quando eu cheguei aqui, em agosto de 2014, para dar aula no segundo semestre letivo. Eu não conhecia o campus e só havia conhecido brevemente quando vim fazer concurso para professor. Eu até me surpreendi positivamente porque eu já tinha ouvido falar da UFF Campos, inclusive por colegas que estudaram comigo na Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), onde fiz doutorado. O professor Paulo Gajanigo foi meu colega no doutorado, inclusive trabalhamos juntos na revista discente chamada Intratextos. Então, eu já tinha contato e ouvia falar da UFF Campos e dos contêineres, e já imaginava algo totalmente claustrofóbico.

Quando cheguei aqui, claramente identifiquei os contêineres, mas vi que não era tão ruim quanto imaginava. O campus todo bonitinho, bem cuidado e arborizado. É um campus acolhedor. Depois fiquei sabendo que não é toda a área que pertence à UFF. Os próprios contêineres são alugados, além do terreno onde fica o bloco H e G. Inclusive, o fato desse campus ter uma afinidade e um acolhimento entre os alunos e a comunidade acadêmica como um todo, nos faz pensar no que vai ser feito com esse campus quando a gente se mudar para o prédio novo, que ficou conhecido como “terra prometida”. O que nós vamos usar nesse espaço?

Logo quando cheguei, eu tive uma impressão mais positiva do que a imagem que previamente construí. É acolhedor não só pelo espaço físico, mas pela proximidade que você tem com a comunidade acadêmica. A gente chama de UFF Campos e causa impressão de que é uma universidade, mas é um instituto da UFF. Por ser um Instituto do interior ele tem uma estrutura que outros institutos de Niterói não têm, por exemplo, com o núcleo pedagógico e com a assistência estudantil.

O fato de ter uma Assistência Estudantil no campus traz a sensação de acolhimento, principalmente para o corpo discente, mas também para os professores e as pessoas que estão na gestão do curso. Acho que você poder contar com a Assistência Estudantil para resolver ou acolher a situação de algum aluno que está com dificuldade de bolsa da Pró-Reitoria de Assuntos Estudantis (PROAES), como: moradia, alimentação e desenvolvimento acadêmico é muito bom porque o número de alunos que vêm de outros municípios e de outros estados para estudar aqui é muito grande. São estudantes que ficam desamparados aqui porque´estão longe da família e sem dinheiro para se sustentar aqui. Então, se não tivesse a Assistência Estudantil aqui o número de evasão certamente seria muito maior. Tudo isso traz um ambiente acolhedor. A sensação que tive foi de acolhimento, não só pelo espaço físico, mas também pela estrutura institucional que o Instituto tem.

Thaymara Assis: Eu sou uma dessas alunas que vem de outra cidade. Eu sou do Rio de Janeiro e todos os anos fui contemplada com a bolsa da PROAES para me manter. Se não fosse a bolsa eu não teria como fazer faculdade. Hoje sou mantida 100% com bolsa.

Claudio Araujo: Desde quando entrei na coordenação do bacharelado, em 2017, (neste momento eu  estou na segunda gestão, que começou em 2022), eu sou um defensor ferrenho da bolsa de desenvolvimento acadêmico porque eu acho que a formação em pesquisa caminha junto com o ensino. Acho impossível separar as duas coisas, pois são os pilares da universidade. A autonomia está na correlação entre ensino, pesquisa e extensão.

Nós sempre tivemos escassez de bolsas, até lembro da minha época que eu estava na graduação e era muito difícil conseguir bolsa da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Ensino Superior (Capes) ou do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). Eu, felizmente, consegui, mas sei que isso era raridade e hoje ainda é.

Sinto muito orgulho de ter, desde 2018, uma bolsa da Fundação Carlos Chagas Filho de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (FAPERJ) de Iniciação Científica que mantenho até hoje. Porém, é apenas uma bolsa.

O Desenvolvimento Acadêmico garante cinco bolsas por professor. Esse ano, infelizmente, por causa dos cortes do governo, nós tivemos o corte de uma Bolsa de Desenvolvimento Acadêmico, mas eu sempre pedi as cinco, porque você tem a oportunidade de formar cinco alunos em pesquisa, algo que não se consegue em nenhuma outra instituição de fomento. Aliás, para conseguir uma bolsa da Faperj e CNPq não é fácil. Temos que escrever um projeto grande, consistente e, no caso da Faperj, concorrer com professores e instituições do ensino superior de todo o estado do Rio de Janeiro.

No caso da BDA, é uma bolsa interna da PROAES e é muito simples. Nunca aconteceu de ser indeferido, o nível de deferimento é quase 100% e nós temos um corpo docente altamente qualificado. Então nós precisamos escrever um projeto curto e conseguimos cinco bolsas. Vamos pensar que temos 23 professores, mas levando em consideração que sempre tem alguém de licença ou no pós-doutorado. Em uma média razoável de 5 bolsas para 20 professores, são 100 bolsas. Por essa razão eu sou defensor da bolsa de Desenvolvimento Acadêmico. Além de ser uma bolsa inclusiva que tem um critério socioeconômico. Acho maravilhoso a UFF poder manter isso. Também faz parte do que a gente chama de autonomia universitária porque temos a possibilidade de buscar recursos e distribuí-los. Temos a autonomia de criar, com a bolsa de desenvolvimento acadêmico, os nossos próprios projetos didáticos científicos. É o pilar da autonomia universitária, então precisamos manter a todo custo.

Thaymara Assis: Como a UFF Campos impactou na sua trajetória profissional?

Claudio Araujo: A gente acha que chega pronto, mas eu aprendi a ser professor, pesquisador e gestor aqui na universidade tendo relações com a comunidade acadêmica. Tanto com o corpo discente, os professores, os servidores e técnicos administrativos. Eu aprendi muito e minha formação em pesquisa e como professor devo muito à UFF. A minha graduação é em Ciências Sociais, mas sempre voltei mais para a área de Ciência Política. Eu tive a felicidade de ter bolsa de iniciação científica com o José Maurício Domingues, que embora professor de Sociologia, voltava-se muito para o pensamento social brasileiro, que é uma área que dialoga muito com o campo da Ciência Política com o qual tenho mais afinidade. Depois trabalhei, também com bolsa, com o professor Charles Peçanha que era mais direcionado para Ciência Política.

O que aprendi muito com esses professores é que não devemos cair na ideia da divisão entre as três áreas de conhecimento. As Ciências Sociais são historicamente interdisciplinares, então sempre procurei fazer essa ponte entre diversos campos e isso contribui de uma forma muito positiva para a nossa formação. É claro que você vai criando mais afinidades com certas temáticas, o que me levou para a Ciência Política.

Fiz concurso na UFF Campos, para Ciência Política e aprendi muito com meus colegas a entender o que é formar alunos e ter um grupo de pesquisa. Quando você chega aqui, pensa que ser professor universitário é dar aula e orientar alunos, porém é muito mais que isso. Você se envolve em projetos, gestão e atividades dos mais variados tipos que não são esperados. Isso é muito gratificante! Eu aprendi a ser um profissional da área de Ciências Sociais e um  servidor público federal, além de ser um professor do magistério superior.

Thaymara Assis: Você tem um fato curioso da vivência? Um fato que não imaginamos o professor passando dentro da universidade.

Claudio Araujo: No sentido positivo, eu lembro muito das reuniões que foram feitas no pátio em 2019. Tem também a promessa da mudança para o campus da Rua XV de Novembro há muito tempo, tanto é que os alunos apelidaram de Terra Prometida. Tiveram assembleias enormes no pátio sobre esse assunto. Era um momento de muita aflição para todos nós, porque não tínhamos verba para manter o aluguel dos contêineres, que é muito caro. Então estávamos na eminência de perdê-los. Surgiram propostas da gente ocupar o espaço de outras instituições. A direção já estava até vendo, pois iríamos sair mesmo.

Mas foi muito bom ter chegado no dia da assembleia e ver o quanto a comunidade acadêmica estava envolvida, porque, à princípio, essa reunião seria em uma sala, mas a quantidade de pessoas que, naquele dia, compartilhavam da mesma aflição, fez com que qualquer espaço fechado lotasse. Aquela cena foi linda! Inclusive, eu tirei uma foto do meu celular que está nas redes sociais do curso. Eu olhei aquele cenário e pensei: "Que cena maravilhosa!". E se reparar na foto, tem uma pessoinha de perna cruzada de calça jeans e camisa azul ou verde, se não me engano, sentada no galho da árvore porque não estava conseguindo ver. É o professor Carlos Abraão. Eu pensei "Tenho que tirar essa foto." E esse foi o resultado que marcou e usei nas redes sociais.

Tiveram outros momentos lindos de passeatas que saímos para reivindicar a educação e a universidade pública, quando ocupamos a beira-valão e ocupamos a rodoviária. Essa é uma memória que seria muito legal fazer um banco de arquivos com todos os registros audiovisuais. Uma das fotos, que está na página do Facebook, é do professor Eugênio segurando um cartaz com o escrito "Em defesa da educação pública e de qualidade". Esses são registros que marcaram muito minha passagem por aqui.

Entretanto, tiveram memórias ruins também. Aqui sempre foi um ambiente acolhedor, mas teve uma situação horrorosa envolvendo um professor que assediava sexualmente as alunas. Primeiro nós começamos a ouvir em sala de aula, depois por intermédio de algumas estudantes que eram minhas orientandas do grupo de pesquisa e isso trouxe uma situação horrível para o nosso ambiente de trabalho. Nós tivemos que conviver com esse professor durante um bom tempo e era sempre uma situação ruim, mas as alunas que sofreram assédio se mobilizaram e começaram a fazer manifestações contra esse professor, e isso foi fundamental para que resultasse em um processo administrativo disciplinar e esse docente fosse exonerado de seu cargo. Inclusive, também foi fundamental para construir a peça jurídica do processo criminal porque, além de um processo administrativo, é criminoso. Eu lembro desse momento de uma forma muito ruim, porque a presença dele já era incômoda e saber de tudo o que ele fazia era pior ainda, mas o desfecho foi muito bom para a universidade. A gente conseguiu fazer justiça. E isso se deve muito à essa atuação das alunas e toda a comunidade que se juntou à luta contra esse professor. O processo correu em 2016, se não me engano, e saiu em 2017 ou 2018.



[i] É professor adjunto II do Departamento de Ciências Sociais do Instituto de Ciências da Sociedade e Desenvolvimento Regional da Universidade Federal Fluminense (Campos dos Goytacazes). Coordenador do curso de Bacharelado em Ciências Sociais na mesma Universidade. Integrante do Grupo de Estudos e Pesquisas da Imaginação e do Pensamento Político- Social no Sul do Mundo (Imagina-Sul/UFF) e do Laboratório de Pesquisa em Ensino de Ciências Sociais (LAPECS/UFF). Graduado em Ciências Sociais (Bacharelado e Licenciatura) pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (2000), mestre em Ciência Política pelo Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro (2005) e doutor em Ciências Sociais pelo Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da Universidade do Estado do Rio de Janeiro- PPCIS/UERJ (2012).