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terça-feira, 5 de dezembro de 2023

Diálogos em memórias com Claudio Araujo Souza e Silva

 

Acervo pessoal do professor Claudio Araujo

Entrevistado: Prof. Dr. Claudio Araujo Souza e Silva[i]

 

Thaymara Assis: Qual a primeira memória da UFF Campos que vem à sua cabeça?

Claudio Araujo: Minha primeira memória é de quando eu cheguei aqui, em agosto de 2014, para dar aula no segundo semestre letivo. Eu não conhecia o campus e só havia conhecido brevemente quando vim fazer concurso para professor. Eu até me surpreendi positivamente porque eu já tinha ouvido falar da UFF Campos, inclusive por colegas que estudaram comigo na Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), onde fiz doutorado. O professor Paulo Gajanigo foi meu colega no doutorado, inclusive trabalhamos juntos na revista discente chamada Intratextos. Então, eu já tinha contato e ouvia falar da UFF Campos e dos contêineres, e já imaginava algo totalmente claustrofóbico.

Quando cheguei aqui, claramente identifiquei os contêineres, mas vi que não era tão ruim quanto imaginava. O campus todo bonitinho, bem cuidado e arborizado. É um campus acolhedor. Depois fiquei sabendo que não é toda a área que pertence à UFF. Os próprios contêineres são alugados, além do terreno onde fica o bloco H e G. Inclusive, o fato desse campus ter uma afinidade e um acolhimento entre os alunos e a comunidade acadêmica como um todo, nos faz pensar no que vai ser feito com esse campus quando a gente se mudar para o prédio novo, que ficou conhecido como “terra prometida”. O que nós vamos usar nesse espaço?

Logo quando cheguei, eu tive uma impressão mais positiva do que a imagem que previamente construí. É acolhedor não só pelo espaço físico, mas pela proximidade que você tem com a comunidade acadêmica. A gente chama de UFF Campos e causa impressão de que é uma universidade, mas é um instituto da UFF. Por ser um Instituto do interior ele tem uma estrutura que outros institutos de Niterói não têm, por exemplo, com o núcleo pedagógico e com a assistência estudantil.

O fato de ter uma Assistência Estudantil no campus traz a sensação de acolhimento, principalmente para o corpo discente, mas também para os professores e as pessoas que estão na gestão do curso. Acho que você poder contar com a Assistência Estudantil para resolver ou acolher a situação de algum aluno que está com dificuldade de bolsa da Pró-Reitoria de Assuntos Estudantis (PROAES), como: moradia, alimentação e desenvolvimento acadêmico é muito bom porque o número de alunos que vêm de outros municípios e de outros estados para estudar aqui é muito grande. São estudantes que ficam desamparados aqui porque´estão longe da família e sem dinheiro para se sustentar aqui. Então, se não tivesse a Assistência Estudantil aqui o número de evasão certamente seria muito maior. Tudo isso traz um ambiente acolhedor. A sensação que tive foi de acolhimento, não só pelo espaço físico, mas também pela estrutura institucional que o Instituto tem.

Thaymara Assis: Eu sou uma dessas alunas que vem de outra cidade. Eu sou do Rio de Janeiro e todos os anos fui contemplada com a bolsa da PROAES para me manter. Se não fosse a bolsa eu não teria como fazer faculdade. Hoje sou mantida 100% com bolsa.

Claudio Araujo: Desde quando entrei na coordenação do bacharelado, em 2017, (neste momento eu  estou na segunda gestão, que começou em 2022), eu sou um defensor ferrenho da bolsa de desenvolvimento acadêmico porque eu acho que a formação em pesquisa caminha junto com o ensino. Acho impossível separar as duas coisas, pois são os pilares da universidade. A autonomia está na correlação entre ensino, pesquisa e extensão.

Nós sempre tivemos escassez de bolsas, até lembro da minha época que eu estava na graduação e era muito difícil conseguir bolsa da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Ensino Superior (Capes) ou do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). Eu, felizmente, consegui, mas sei que isso era raridade e hoje ainda é.

Sinto muito orgulho de ter, desde 2018, uma bolsa da Fundação Carlos Chagas Filho de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (FAPERJ) de Iniciação Científica que mantenho até hoje. Porém, é apenas uma bolsa.

O Desenvolvimento Acadêmico garante cinco bolsas por professor. Esse ano, infelizmente, por causa dos cortes do governo, nós tivemos o corte de uma Bolsa de Desenvolvimento Acadêmico, mas eu sempre pedi as cinco, porque você tem a oportunidade de formar cinco alunos em pesquisa, algo que não se consegue em nenhuma outra instituição de fomento. Aliás, para conseguir uma bolsa da Faperj e CNPq não é fácil. Temos que escrever um projeto grande, consistente e, no caso da Faperj, concorrer com professores e instituições do ensino superior de todo o estado do Rio de Janeiro.

No caso da BDA, é uma bolsa interna da PROAES e é muito simples. Nunca aconteceu de ser indeferido, o nível de deferimento é quase 100% e nós temos um corpo docente altamente qualificado. Então nós precisamos escrever um projeto curto e conseguimos cinco bolsas. Vamos pensar que temos 23 professores, mas levando em consideração que sempre tem alguém de licença ou no pós-doutorado. Em uma média razoável de 5 bolsas para 20 professores, são 100 bolsas. Por essa razão eu sou defensor da bolsa de Desenvolvimento Acadêmico. Além de ser uma bolsa inclusiva que tem um critério socioeconômico. Acho maravilhoso a UFF poder manter isso. Também faz parte do que a gente chama de autonomia universitária porque temos a possibilidade de buscar recursos e distribuí-los. Temos a autonomia de criar, com a bolsa de desenvolvimento acadêmico, os nossos próprios projetos didáticos científicos. É o pilar da autonomia universitária, então precisamos manter a todo custo.

Thaymara Assis: Como a UFF Campos impactou na sua trajetória profissional?

Claudio Araujo: A gente acha que chega pronto, mas eu aprendi a ser professor, pesquisador e gestor aqui na universidade tendo relações com a comunidade acadêmica. Tanto com o corpo discente, os professores, os servidores e técnicos administrativos. Eu aprendi muito e minha formação em pesquisa e como professor devo muito à UFF. A minha graduação é em Ciências Sociais, mas sempre voltei mais para a área de Ciência Política. Eu tive a felicidade de ter bolsa de iniciação científica com o José Maurício Domingues, que embora professor de Sociologia, voltava-se muito para o pensamento social brasileiro, que é uma área que dialoga muito com o campo da Ciência Política com o qual tenho mais afinidade. Depois trabalhei, também com bolsa, com o professor Charles Peçanha que era mais direcionado para Ciência Política.

O que aprendi muito com esses professores é que não devemos cair na ideia da divisão entre as três áreas de conhecimento. As Ciências Sociais são historicamente interdisciplinares, então sempre procurei fazer essa ponte entre diversos campos e isso contribui de uma forma muito positiva para a nossa formação. É claro que você vai criando mais afinidades com certas temáticas, o que me levou para a Ciência Política.

Fiz concurso na UFF Campos, para Ciência Política e aprendi muito com meus colegas a entender o que é formar alunos e ter um grupo de pesquisa. Quando você chega aqui, pensa que ser professor universitário é dar aula e orientar alunos, porém é muito mais que isso. Você se envolve em projetos, gestão e atividades dos mais variados tipos que não são esperados. Isso é muito gratificante! Eu aprendi a ser um profissional da área de Ciências Sociais e um  servidor público federal, além de ser um professor do magistério superior.

Thaymara Assis: Você tem um fato curioso da vivência? Um fato que não imaginamos o professor passando dentro da universidade.

Claudio Araujo: No sentido positivo, eu lembro muito das reuniões que foram feitas no pátio em 2019. Tem também a promessa da mudança para o campus da Rua XV de Novembro há muito tempo, tanto é que os alunos apelidaram de Terra Prometida. Tiveram assembleias enormes no pátio sobre esse assunto. Era um momento de muita aflição para todos nós, porque não tínhamos verba para manter o aluguel dos contêineres, que é muito caro. Então estávamos na eminência de perdê-los. Surgiram propostas da gente ocupar o espaço de outras instituições. A direção já estava até vendo, pois iríamos sair mesmo.

Mas foi muito bom ter chegado no dia da assembleia e ver o quanto a comunidade acadêmica estava envolvida, porque, à princípio, essa reunião seria em uma sala, mas a quantidade de pessoas que, naquele dia, compartilhavam da mesma aflição, fez com que qualquer espaço fechado lotasse. Aquela cena foi linda! Inclusive, eu tirei uma foto do meu celular que está nas redes sociais do curso. Eu olhei aquele cenário e pensei: "Que cena maravilhosa!". E se reparar na foto, tem uma pessoinha de perna cruzada de calça jeans e camisa azul ou verde, se não me engano, sentada no galho da árvore porque não estava conseguindo ver. É o professor Carlos Abraão. Eu pensei "Tenho que tirar essa foto." E esse foi o resultado que marcou e usei nas redes sociais.

Tiveram outros momentos lindos de passeatas que saímos para reivindicar a educação e a universidade pública, quando ocupamos a beira-valão e ocupamos a rodoviária. Essa é uma memória que seria muito legal fazer um banco de arquivos com todos os registros audiovisuais. Uma das fotos, que está na página do Facebook, é do professor Eugênio segurando um cartaz com o escrito "Em defesa da educação pública e de qualidade". Esses são registros que marcaram muito minha passagem por aqui.

Entretanto, tiveram memórias ruins também. Aqui sempre foi um ambiente acolhedor, mas teve uma situação horrorosa envolvendo um professor que assediava sexualmente as alunas. Primeiro nós começamos a ouvir em sala de aula, depois por intermédio de algumas estudantes que eram minhas orientandas do grupo de pesquisa e isso trouxe uma situação horrível para o nosso ambiente de trabalho. Nós tivemos que conviver com esse professor durante um bom tempo e era sempre uma situação ruim, mas as alunas que sofreram assédio se mobilizaram e começaram a fazer manifestações contra esse professor, e isso foi fundamental para que resultasse em um processo administrativo disciplinar e esse docente fosse exonerado de seu cargo. Inclusive, também foi fundamental para construir a peça jurídica do processo criminal porque, além de um processo administrativo, é criminoso. Eu lembro desse momento de uma forma muito ruim, porque a presença dele já era incômoda e saber de tudo o que ele fazia era pior ainda, mas o desfecho foi muito bom para a universidade. A gente conseguiu fazer justiça. E isso se deve muito à essa atuação das alunas e toda a comunidade que se juntou à luta contra esse professor. O processo correu em 2016, se não me engano, e saiu em 2017 ou 2018.



[i] É professor adjunto II do Departamento de Ciências Sociais do Instituto de Ciências da Sociedade e Desenvolvimento Regional da Universidade Federal Fluminense (Campos dos Goytacazes). Coordenador do curso de Bacharelado em Ciências Sociais na mesma Universidade. Integrante do Grupo de Estudos e Pesquisas da Imaginação e do Pensamento Político- Social no Sul do Mundo (Imagina-Sul/UFF) e do Laboratório de Pesquisa em Ensino de Ciências Sociais (LAPECS/UFF). Graduado em Ciências Sociais (Bacharelado e Licenciatura) pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (2000), mestre em Ciência Política pelo Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro (2005) e doutor em Ciências Sociais pelo Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da Universidade do Estado do Rio de Janeiro- PPCIS/UERJ (2012). 


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