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quinta-feira, 7 de dezembro de 2023

Diálogos em Memórias com Rodrigo Monteiro

 Entrevistado: Prof. Dr. Rodrigo de Araujo Monteiro

 

Thaymara Assis: Qual sua principal memória na UFF Campos?

Rodrigo Monteiro: É muito difícil definir uma porque estou aqui há oito anos, entrei em 2014. Tenho memórias ainda no concurso fazendo provas para me tornar professor. Você começou a falar e começou a surgir na minha cabeça momentos que poderiam ser os mais marcantes na minha trajetória aqui na UFF Campos. Tem o concurso, por exemplo. A sala do concurso é a F201. Aquele ambiente todo tenso, candidatos ali disputando uma vaga. Eu e os demais candidatos, a banca e a secretaria da banca. Depois, o momento do resultado. Um momento de alívio, felicidade e conquista. Tem momentos pré e pós, e ainda o depois do pós. Eu posso pensar em várias etapas. O pré seria o concurso, a apresentação da banca, os candidatos, onde estávamos sentados. Eu tenho isso muito forte na minha memória. O primeiro dia é a apresentação, o segundo dia é a prova escrita, o terceiro dia é a entrega dos documentos e o quarto dia é a prova de aula. Nós fomos para a sala F201 e ministramos uma aula para a banca. Tudo isso é muito forte. Lembro que tinha um fio atravessando a banca e eu tinha a chance de derrubar e atrapalhar o datashow, a própria reação da banca expressava essa preocupação à medida que eu ia dando aula. Enfim, isso não é pouco. Depois o pós já como professor efetivo em exercício, as reuniões de departamento, as primeiras turmas que me marcaram muito. Na sala C205, se não me engano, turmas bem grandes do Serviço Social e História.

Fui professor em uma pequena faculdade particular do Rio de Janeiro, e de repente estava me dando conta de estar dando aula em um novo cenário para um novo público. Um público muito novo para mim, com cursos em universidade pública politizados com outra perspectiva. Esse começo após o concurso foi muito marcante, as primeiras reuniões de departamento e as turmas iniciais. Eu lecionava Teoria Social III para o terceiro período de Serviço Social e Teoria Sociológica para o primeiro período de História, e eu ainda lembro de muitos rostos de estudantes e conversas paralelas. E foi muito interessante que nesse primeiro período meu aqui, uma turma me homenageou, me deu um livro de presente por acharem que eu fui o melhor professor deles no período e fomos comemorar em um bar chamado Tropeço, que acho que nem existe mais. Essas salas me marcaram muito até hoje, é algo que durante a pandemia onde ficamos afastados vinha sempre à memória essas primeiras turmas. Depois, as reuniões de departamento, os movimentos políticos  da época, toda uma mobilização de atividades nossas, “a UFF Campos faz” na praça São Salvador. Muito fortemente, eu tenho memórias das reuniões do grupo de pesquisa que eu coordenava na época antes da pandemia. Era um grupo grande com estudantes muito engajados na pesquisa sobre educação, futebol e juventudes, então, é algo que me toca muito. Todas as reuniões que a gente desenvolveu e aqui não só sobre futebol. Tinha um pé no futebol e outro na discussão da categoria envolvidos. Nós trabalhamos com grupos focais, policiais, agentes da guarda municipal e com jovens. Tem um grupo focal desses que me vem à memória até hoje, a gente chamou profissionais operadores de segurança pública. A reunião foi muito tensa porque ouvimos questões que não eram simples e terminamos a noite no churrasquinho do Luiz porque aquela reunião foi realmente bem impactante. Mas são muitas alegrias. Minha memória sobre toda pré-pandemia é de muita alegria, felicidade, encontro, troca, aprendizado e de certa satisfação pessoal. Um conjunto de emoções positivas de ver o pessoal se envolvendo no grupo de pesquisa, crescendo dentro das Ciências Sociais e mesmo aqueles que vão descobrindo que não são das Ciências Sociais e vão buscar outros rumos. Mas é uma sensação de “me encaixei” com esse território, me encaixar com esse lugar e me ver descoberto aqui como alguém que pode contribuir com a formação de jovens nas Ciências Sociais e outros cursos na discussão da juventude, educação etc. Minha memória daqui é muito positiva. As emoções daqui são muito boas quando penso nesse campus. E durante a pandemia eu lembrava daqui com muito apego, tanto que, ainda em 2020, eu combinei com outro colega e amigo de passar aqui na porta para se reencontrar com o lugar, as emoções e experiências. E mais tarde assumi o cargo da gestão aqui na vice-direção. Então, esse lugar diz muito para mim de satisfação, prazer e boas emoções. Lógico que tem momentos pesados, mas se for botar na balança os positivos são mais fortes que os negativos

Thaymara Assis: Os depoimentos são sempre muito tocantes. Eu, professor Ricardo e professora Mariele acreditávamos que teríamos falas muito formais, mas me deparei com muito afeto e eu acho que o resultado vai ser muito tocante quando a gente puder ler os depoimentos. Então acredito que essa horizontalidade do campus facilita essa conexão com os alunos porque aqui nós temos uma proximidade que normalmente não encontramos em outros campi e isso me deixa um pouco apreensiva com a forma como vai ser o novo prédio. Mas a segunda pergunta é como você enxerga o impacto da UFF Campos na sua trajetória como pesquisador e professor?

Rodrigo Monteiro: Você está provocando um pouco sobre a horizontalidade daqui, e eu não sei se é isso. Acho que isso dá uma outra noção de espaço mesmo, parece que a gente fica mais visível e acessível. Pensando em Gragoatá, as vezes que eu passo lá, o próprio TCC da Sociologia não tem banca, é um parecer. O aluno escreve a monografia e a banca vai fazer pareceres, então não tem aquela consagração que é a defesa do TCC. É algo que aqui parece que não vamos abrir mão, e eu acho que não é bom que abra mesmo porque é um ritual muito rico.

Mas voltando ao que você está colocando, o papel da UFF Campos na minha trajetória é imenso. Eu estava fazendo pós-doutorado na Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) com taxa de bancada, mas ainda como pós-doutorando, desenvolvendo minha pesquisa. Mas a transição para cá que, no primeiro momento é uma transição de quem não está morando em Campos, fica aqui três, quatro dias, mas também não deixa de morar no Rio e ainda continua com pesquisas lá. A entrada aqui me abre portas fabulosas, muito relevantes e muito significativas. De construir  um grupo de pesquisa. De pensar e problematizar a partir de demandas que vieram dos próprios alunos e alunas. A primeira bolsa de iniciação científica que eu consigo aqui foi de uma aluna queridíssima que nesses corredores me propôs “Eu sei que você estuda esportes, então vamos fazer um projeto! Eu quero ajudar o Goytacaz!” sentamos, escrevemos o projeto e mandamos, e foi o primeiro projeto de bolsa que eu tive aqui aprovado. Essa informalidade da relação não é só UFF Campos, não sei se isso no campus vertical, a futura terra prometida, vai viabilizar ou não.

Acho que você colocou uma questão interessante que me faz pensar nessa informalidade daqui. A minha primeira turma me chama para o bar para me homenagear, eu ganho um livro O Capital de Thomas Piketty, todo mundo assina e vamos para o Tropeço no fim do semestre. É um encontro muito prazeroso, afetuoso e com muita troca. Existe uma informalidade aqui que ao mesmo tempo viabiliza a construção de um potencial, de um grupo de pesquisa que vem de uma conversa de corredor. E aí eu comparo com a minha graduação em 1993 no Instituto de Filosofia e Ciências Sociais (IFCS). Quando é que eu chegaria no corredor para um professor no IFCS e teria uma oportunidade para que eu propusesse um projeto de pesquisa para aquele professor? A universidade também mudou muito com o Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais (REUNI). Quando eu entrei no IFCS, em 1993, alguns professores tinham sobrenome de rua. Gente que a família já está na universidade há muito tempo. Não é a Zona Norte do Rio de Janeiro, é a Zona Sul do Rio de Janeiro ou de centros de outras cidades do país. Mas acho que aqui em Campos tem um diferencial mesmo, não sei se essa horizontalidade, mas talvez um perfil de professor que se adapta aqui é essa construção mais informal das relações que é encostar no corredor e propor um projeto, organizar atividades a partir dessa informalidade e, ao mesmo tempo, essa informalidade ser algo que vai construir a própria carreira. Então é nesse misto do formal: submissão do projeto, apreciação pelos pares e desenvolvimento da carreira.

Aqui é muito particular, até pelo o que eu troco com colegas de outras unidades, de ser algo muito atípico do ponto de vista da informalidade. É legal pensar isso porque essa informalidade propicia a gente a consolidação da carreira e investimento. Ou seja, é uma carreira que é feita de muita inserção nessa relação um pouco mais informal, mas não tanto, que viabiliza aspectos de uma carreira que são muito formais: avaliações de bolsa, conquista de editais e submissão de projetos.

Outro momento muito forte foi quando eu e professores/as Andrea, Geovana e Eugênio organizamos em 2015 ou 2016, um projeto financiado pela Fundação Carlos Chagas Filho de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (Faperj) trazendo para cá pesquisadores da Inglaterra, São Paulo e Bahia. Fizemos um evento aqui muito forte, no ponto de vista de repercussão e impacto, porque foi trazer para Campos pesquisadores de instituições de outras regiões e país. Depois, junto com a Simone Silva, trouxemos outros nomes. Esse campus é muito rico. Essa unidade da UFF é muito relevante e não é à toa que é a terceira maior unidade da UFF de todos os campi. A gente concentra aqui a comunidade de quase 4 mil pessoas. Então, talvez a gente não tenha dimensão desse espaço, desse território para a cidade.

O que é a UFF nos espaços que a cidade propícia para a gente? Se a gente pegar a carreira do ponto de vista da formação da docência - do ensino, pesquisa, extensão - e administração, esse campus possibilita muito. Mas acho que isso tem que ser pensado junto com a cidade e o que é a UFF na cidade. É esse contraponto de um dia eu estar voltando de um bar, jovens mais informais andando na rua e o taxista falar: “Aí, deve ser tudo aluno da UFF!”. A gente acaba sendo uma zona moral, como diria a Sociologia Urbana. Essa ideia de sermos os outsiders da cidade. O aluno da UFF é identificado, sobretudo, quando ele está na Pelinca, que é um território mais elitizado, aburguesado e gentrificado da cidade. Acho que temos que pensar o que é a UFF em Campos e Campos dentro da UFF. Uma cidade com todas as contradições que têm da questão econômica, da social e de repente encontra uma unidade universitária que apresenta um outro modo de ver e viver a cidade de forma mais orgânica. Tudo isso passa pela tensão que a UFF Campos tem com a própria ação política da cidade.

Thaymara Assis: Você tem algum fato curioso que gostaria de registrar?

Rodrigo Monteiro: São tantos momentos que a gente passa nesses oito anos que eu tenho que pensar um pouco. Acho que não dá para pensar fora da relação com o campus. Se a gente pensar nas hierarquias na universidade, ela é um espaço, em geral, ainda de algumas violências simbólicas. Se for pegar engenharia ou outros cursos talvez isso seja mais evidente, mas aqui é um Instituto de cursos de humanas, isso já dá uma diminuída nesse tensionamento e nessa hierarquia. Entender que a cidade já é conservadora, não sei se chamar assim ajuda porque não damos espaço para as contradições. Mas se a gente pensar nas contradições, os movimentos que fazem aqui ter uma classe média, se contrapondo a essa elite tradicional. Enfim, é uma outra conversa. É importantíssimo pensar o que é a UFF em Campos porque, por exemplo, na direção, a gente nunca atuou tanto junto com a cidade como nesse último um ano e meio. Recebemos convites para a Bienal e para a Semana de Extensão no Jardim São Benedito, por exemplo. Muita relação que parecia que não chegava pra gente, nunca vi isso como professor, mas na direção as oportunidades começam a chegar. Não sei se chegava e as gestões anteriores não repassavam ou se não chegava mesmo. Talvez seja uma possibilidade nova de atuação conjunta com a prefeitura porque aqui em Campos tem essa questão de se respaldar muito nas três grandes públicas: UFF, UENF e IFF. Temos ainda as faculdades particulares, ou seja, aqui tem uma população universitária muito grande e isso traz um prestígio para a cidade. Penso que essa gestão atual entendeu essa lógica e usa muito bem isso. O que a gestão municipal pode capitalizar com essa relação com as universidades. Então, acho que é algo a se pensar futuramente. Agora eu quem estou fazendo uma provocação.

Mas sobre o fato curioso, é entender esse espaço como ambiente possível de mobilidade social de trabalhadores e trabalhadoras. O que eu consigo pensar de imediato é um caso de uma época que meu carro estava quebrado há um mês e meio, então eu vinha para cá com carros de aplicativo e no tensionamento que a gente já estava no período eleitoral, o motorista me perguntou “Para a UFF, né?” Eu pensei que seria mais um apoiador do ex-presidente vendo que eu ia para a UFF “de esquerda”, “esquerdopata” e “comunista”. E ele veio emocionado para cá, perguntou o que eu fazia aqui, que ele ia votar no Lula porque uma das filhas dele fez Ciências Sociais aqui graças ao Partido dos Trabalhadores (PT), especificamente, ao governo Lula que havia deixado aqui nove cursos da graduação. O motorista estava emocionado, pois estava indo para o local com um professor que poderia ter sido professor da filha dele. Estava feliz porque estava indo para o local onde a filha dele conseguiu o diploma de graduação que ele não conseguiu, mas permitiu uma chance para a filha junto com a política do governo da época. Aqui está a ideia de que o filho da classe trabalhadora passa a ter oportunidade de se formar enquanto aluno universitário e possibilitar que, posteriormente, essa família possa ter maiores perspectivas de mobilidade social. Isso é um fato que me emocionou. Encontrar um motorista de aplicativo já na condição de precariedade, reconhecendo o papel da universidade pública onde eu trabalho na construção dessa mobilidade social. Esse é um fato que me deu muita emoção de ser parte desse movimento de ajuste ao nosso passado tão pesado aqui do Brasil.

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