Entrevistado: Prof. Dr. Rodrigo de Araujo Monteiro
Thaymara Assis: Qual sua principal memória na UFF
Campos?
Rodrigo Monteiro: É muito difícil definir uma porque
estou aqui há oito anos, entrei em 2014. Tenho memórias ainda no concurso
fazendo provas para me tornar professor. Você começou a falar e começou a
surgir na minha cabeça momentos que poderiam ser os mais marcantes na minha
trajetória aqui na UFF Campos. Tem o concurso, por exemplo. A sala do concurso
é a F201. Aquele ambiente todo tenso, candidatos ali disputando uma vaga. Eu e
os demais candidatos, a banca e a secretaria da banca. Depois, o momento do
resultado. Um momento de alívio, felicidade e conquista. Tem momentos pré e
pós, e ainda o depois do pós. Eu posso pensar em várias etapas. O pré seria o
concurso, a apresentação da banca, os candidatos, onde estávamos sentados. Eu
tenho isso muito forte na minha memória. O primeiro dia é a apresentação, o
segundo dia é a prova escrita, o terceiro dia é a entrega dos documentos e o
quarto dia é a prova de aula. Nós fomos para a sala F201 e ministramos uma aula
para a banca. Tudo isso é muito forte. Lembro que tinha um fio atravessando a
banca e eu tinha a chance de derrubar e atrapalhar o datashow, a própria reação da banca expressava essa preocupação à
medida que eu ia dando aula. Enfim, isso não é pouco. Depois o pós já como
professor efetivo em exercício, as reuniões de departamento, as primeiras
turmas que me marcaram muito. Na sala C205, se não me engano, turmas bem
grandes do Serviço Social e História.
Fui professor em uma pequena
faculdade particular do Rio de Janeiro, e de repente estava me dando conta de
estar dando aula em um novo cenário para um novo público. Um público muito novo
para mim, com cursos em universidade pública politizados com outra perspectiva.
Esse começo após o concurso foi muito marcante, as primeiras reuniões de
departamento e as turmas iniciais. Eu lecionava Teoria Social III para o
terceiro período de Serviço Social e Teoria Sociológica para o primeiro período
de História, e eu ainda lembro de muitos rostos de estudantes e conversas
paralelas. E foi muito interessante que nesse primeiro período meu aqui, uma
turma me homenageou, me deu um livro de presente por acharem que eu fui o
melhor professor deles no período e fomos comemorar em um bar chamado Tropeço,
que acho que nem existe mais. Essas salas me marcaram muito até hoje, é algo
que durante a pandemia onde ficamos afastados vinha sempre à memória essas
primeiras turmas. Depois, as reuniões de departamento, os movimentos políticos da época, toda uma mobilização de atividades
nossas, “a UFF Campos faz” na praça São Salvador. Muito fortemente, eu tenho
memórias das reuniões do grupo de pesquisa que eu coordenava na época antes da
pandemia. Era um grupo grande com estudantes muito engajados na pesquisa sobre
educação, futebol e juventudes, então, é algo que me toca muito. Todas as
reuniões que a gente desenvolveu e aqui não só sobre futebol. Tinha um pé no
futebol e outro na discussão da categoria envolvidos. Nós trabalhamos com grupos
focais, policiais, agentes da guarda municipal e com jovens. Tem um grupo focal
desses que me vem à memória até hoje, a gente chamou profissionais operadores
de segurança pública. A reunião foi muito tensa porque ouvimos questões que não
eram simples e terminamos a noite no churrasquinho do Luiz porque aquela
reunião foi realmente bem impactante. Mas são muitas alegrias. Minha memória
sobre toda pré-pandemia é de muita alegria, felicidade, encontro, troca,
aprendizado e de certa satisfação pessoal. Um conjunto de emoções positivas de
ver o pessoal se envolvendo no grupo de pesquisa, crescendo dentro das Ciências
Sociais e mesmo aqueles que vão descobrindo que não são das Ciências Sociais e
vão buscar outros rumos. Mas é uma sensação de “me encaixei” com esse
território, me encaixar com esse lugar e me ver descoberto aqui como alguém que
pode contribuir com a formação de jovens nas Ciências Sociais e outros cursos
na discussão da juventude, educação etc. Minha memória daqui é muito positiva.
As emoções daqui são muito boas quando penso nesse campus. E durante a pandemia eu lembrava daqui com muito apego,
tanto que, ainda em 2020, eu combinei com outro colega e amigo de passar aqui
na porta para se reencontrar com o lugar, as emoções e experiências. E mais
tarde assumi o cargo da gestão aqui na vice-direção. Então, esse lugar diz
muito para mim de satisfação, prazer e boas emoções. Lógico que tem momentos
pesados, mas se for botar na balança os positivos são mais fortes que os
negativos
Thaymara Assis: Os depoimentos são sempre muito
tocantes. Eu, professor Ricardo e professora Mariele acreditávamos que teríamos
falas muito formais, mas me deparei com muito afeto e eu acho que o resultado
vai ser muito tocante quando a gente puder ler os depoimentos. Então acredito
que essa horizontalidade do campus
facilita essa conexão com os alunos porque aqui nós temos uma proximidade que
normalmente não encontramos em outros campi
e isso me deixa um pouco apreensiva com a forma como vai ser o novo prédio. Mas
a segunda pergunta é como você enxerga o impacto da UFF Campos na sua
trajetória como pesquisador e professor?
Rodrigo Monteiro: Você está provocando um pouco sobre a
horizontalidade daqui, e eu não sei se é isso. Acho que isso dá uma outra noção
de espaço mesmo, parece que a gente fica mais visível e acessível. Pensando em
Gragoatá, as vezes que eu passo lá, o próprio TCC da Sociologia não tem banca,
é um parecer. O aluno escreve a monografia e a banca vai fazer pareceres, então
não tem aquela consagração que é a defesa do TCC. É algo que aqui parece que
não vamos abrir mão, e eu acho que não é bom que abra mesmo porque é um ritual
muito rico.
Mas voltando ao que você está
colocando, o papel da UFF Campos na minha trajetória é imenso. Eu estava
fazendo pós-doutorado na Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) com
taxa de bancada, mas ainda como pós-doutorando, desenvolvendo minha pesquisa.
Mas a transição para cá que, no primeiro momento é uma transição de quem não
está morando em Campos, fica aqui três, quatro dias, mas também não deixa de
morar no Rio e ainda continua com pesquisas lá. A entrada aqui me abre portas
fabulosas, muito relevantes e muito significativas. De construir um grupo de pesquisa. De pensar e
problematizar a partir de demandas que vieram dos próprios alunos e alunas. A
primeira bolsa de iniciação científica que eu consigo aqui foi de uma aluna
queridíssima que nesses corredores me propôs “Eu sei que você estuda esportes,
então vamos fazer um projeto! Eu quero ajudar o Goytacaz!” sentamos, escrevemos
o projeto e mandamos, e foi o primeiro projeto de bolsa que eu tive aqui aprovado.
Essa informalidade da relação não é só UFF Campos, não sei se isso no campus vertical, a futura terra
prometida, vai viabilizar ou não.
Acho que você colocou uma questão
interessante que me faz pensar nessa informalidade daqui. A minha primeira
turma me chama para o bar para me homenagear, eu ganho um livro O Capital de Thomas Piketty, todo mundo
assina e vamos para o Tropeço no fim do semestre. É um encontro muito
prazeroso, afetuoso e com muita troca. Existe uma informalidade aqui que ao
mesmo tempo viabiliza a construção de um potencial, de um grupo de pesquisa que
vem de uma conversa de corredor. E aí eu comparo com a minha graduação em 1993
no Instituto de Filosofia e Ciências Sociais (IFCS). Quando é que eu chegaria
no corredor para um professor no IFCS e teria uma oportunidade para que eu
propusesse um projeto de pesquisa para aquele professor? A universidade também
mudou muito com o Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das
Universidades Federais (REUNI). Quando eu entrei no IFCS, em 1993, alguns
professores tinham sobrenome de rua. Gente que a família já está na
universidade há muito tempo. Não é a Zona Norte do Rio de Janeiro, é a Zona Sul
do Rio de Janeiro ou de centros de outras cidades do país. Mas acho que aqui em
Campos tem um diferencial mesmo, não sei se essa horizontalidade, mas talvez um
perfil de professor que se adapta aqui é essa construção mais informal das
relações que é encostar no corredor e propor um projeto, organizar atividades a
partir dessa informalidade e, ao mesmo tempo, essa informalidade ser algo que
vai construir a própria carreira. Então é nesse misto do formal: submissão do
projeto, apreciação pelos pares e desenvolvimento da carreira.
Aqui é muito particular, até pelo o
que eu troco com colegas de outras unidades, de ser algo muito atípico do ponto
de vista da informalidade. É legal pensar isso porque essa informalidade
propicia a gente a consolidação da carreira e investimento. Ou seja, é uma
carreira que é feita de muita inserção nessa relação um pouco mais informal,
mas não tanto, que viabiliza aspectos de uma carreira que são muito formais:
avaliações de bolsa, conquista de editais e submissão de projetos.
Outro momento muito forte foi quando
eu e professores/as Andrea, Geovana e Eugênio organizamos em 2015 ou 2016, um
projeto financiado pela Fundação Carlos Chagas Filho de Amparo à Pesquisa do
Estado do Rio de Janeiro (Faperj) trazendo para cá pesquisadores da Inglaterra,
São Paulo e Bahia. Fizemos um evento aqui muito forte, no ponto de vista de
repercussão e impacto, porque foi trazer para Campos pesquisadores de
instituições de outras regiões e país. Depois, junto com a Simone Silva,
trouxemos outros nomes. Esse campus é
muito rico. Essa unidade da UFF é muito relevante e não é à toa que é a
terceira maior unidade da UFF de todos os campi.
A gente concentra aqui a comunidade de quase 4 mil pessoas. Então, talvez a
gente não tenha dimensão desse espaço, desse território para a cidade.
O que é a UFF nos espaços que a
cidade propícia para a gente? Se a gente pegar a carreira do ponto de vista da
formação da docência - do ensino, pesquisa, extensão - e administração, esse campus possibilita muito. Mas acho que
isso tem que ser pensado junto com a cidade e o que é a UFF na cidade. É esse
contraponto de um dia eu estar voltando de um bar, jovens mais informais
andando na rua e o taxista falar: “Aí, deve ser tudo aluno da UFF!”. A gente
acaba sendo uma zona moral, como diria a Sociologia Urbana. Essa ideia de
sermos os outsiders da cidade. O
aluno da UFF é identificado, sobretudo, quando ele está na Pelinca, que é um
território mais elitizado, aburguesado e gentrificado da cidade. Acho que temos
que pensar o que é a UFF em Campos e Campos dentro da UFF. Uma cidade com todas
as contradições que têm da questão econômica, da social e de repente encontra
uma unidade universitária que apresenta um outro modo de ver e viver a cidade
de forma mais orgânica. Tudo isso passa pela tensão que a UFF Campos tem com a
própria ação política da cidade.
Thaymara Assis: Você tem algum fato curioso que
gostaria de registrar?
Rodrigo Monteiro: São tantos momentos que a gente
passa nesses oito anos que eu tenho que pensar um pouco. Acho que não dá para
pensar fora da relação com o campus.
Se a gente pensar nas hierarquias na universidade, ela é um espaço, em geral,
ainda de algumas violências simbólicas. Se for pegar engenharia ou outros
cursos talvez isso seja mais evidente, mas aqui é um Instituto de cursos de
humanas, isso já dá uma diminuída nesse tensionamento e nessa hierarquia.
Entender que a cidade já é conservadora, não sei se chamar assim ajuda porque
não damos espaço para as contradições. Mas se a gente pensar nas contradições,
os movimentos que fazem aqui ter uma classe média, se contrapondo a essa elite
tradicional. Enfim, é uma outra conversa. É importantíssimo pensar o que é a
UFF em Campos porque, por exemplo, na direção, a gente nunca atuou tanto junto
com a cidade como nesse último um ano e meio. Recebemos convites para a Bienal
e para a Semana de Extensão no Jardim São Benedito, por exemplo. Muita relação
que parecia que não chegava pra gente, nunca vi isso como professor, mas na
direção as oportunidades começam a chegar. Não sei se chegava e as gestões
anteriores não repassavam ou se não chegava mesmo. Talvez seja uma
possibilidade nova de atuação conjunta com a prefeitura porque aqui em Campos
tem essa questão de se respaldar muito nas três grandes públicas: UFF, UENF e
IFF. Temos ainda as faculdades particulares, ou seja, aqui tem uma população
universitária muito grande e isso traz um prestígio para a cidade. Penso que
essa gestão atual entendeu essa lógica e usa muito bem isso. O que a gestão
municipal pode capitalizar com essa relação com as universidades. Então, acho
que é algo a se pensar futuramente. Agora eu quem estou fazendo uma provocação.
Mas
sobre o fato curioso, é entender esse espaço como ambiente possível de
mobilidade social de trabalhadores e trabalhadoras. O que eu consigo pensar de
imediato é um caso de uma época que meu carro estava quebrado há um mês e meio,
então eu vinha para cá com carros de aplicativo e no tensionamento que a gente
já estava no período eleitoral, o motorista me perguntou “Para a UFF, né?” Eu
pensei que seria mais um apoiador do ex-presidente vendo que eu ia para a UFF
“de esquerda”, “esquerdopata” e “comunista”. E ele veio emocionado para cá,
perguntou o que eu fazia aqui, que ele ia votar no Lula porque uma das filhas
dele fez Ciências Sociais aqui graças ao Partido dos Trabalhadores (PT),
especificamente, ao governo Lula que havia deixado aqui nove cursos da
graduação. O motorista estava emocionado, pois estava indo para o local com um
professor que poderia ter sido professor da filha dele. Estava feliz porque
estava indo para o local onde a filha dele conseguiu o diploma de graduação que
ele não conseguiu, mas permitiu uma chance para a filha junto com a política do
governo da época. Aqui está a ideia de que o filho da classe trabalhadora passa
a ter oportunidade de se formar enquanto aluno universitário e possibilitar
que, posteriormente, essa família possa ter maiores perspectivas de mobilidade
social. Isso é um fato que me emocionou. Encontrar um motorista de aplicativo
já na condição de precariedade, reconhecendo o papel da universidade pública
onde eu trabalho na construção dessa mobilidade social. Esse é um fato que me
deu muita emoção de ser parte desse movimento de ajuste ao nosso passado tão
pesado aqui do Brasil.
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