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domingo, 3 de dezembro de 2023

Diálogos em Memórias com Fabrício Maciel

 

Foto: Acervo pessoal do professor Fabricio Maciel

Entrevistado: Fabricio Barbosa Maciel[i]

 

Thaymara Assis: Gostaria de saber qual é a sua principal memória na UFF Campos.

Fabrício Maciel: É uma pergunta interessante! Eu não estava esperando! Acho que o que marca muito a gente, pelo menos me marcou, é quando passamos no concurso. Quer dizer, eu tenho várias memórias boas, obviamente, algumas também não tão boas. Todos nós temos memórias boas e ruins nos lugares que a gente passa. Mas uma memória que me marcou muito foi quando eu passei no concurso no final de 2015, tomei posse em 2016 e fui conhecer as pessoas e o departamento. Então, esse momento quando vi a minha nota e fiquei sabendo que tinha sido aprovado. É uma memória que marca muito a gente.

Dar aulas para a graduação com autores que eu gosto de lecionar e vendo a reação dos alunos, fazendo seminários e acompanhando os grupos se organizarem também é muito interessante. Na verdade, são várias as memórias que eu poderia relatar. Mas, a primeira memória seria essa: o momento em que passei no concurso e vi que eu estava dentro da universidade pública. Isso é algo muito importante porque valorizo muito a universidade pública.

Tenho memórias com meus colegas, a gente se reunindo e conversando sobre assuntos da UFF. Eu tenho amigos e amigas queridos, tanto dentro do departamento quanto na UFF como um todo. Não vou citar nenhum nome para não ser injusto, mas tem muitas pessoas queridas. Os próprios organizadores do projeto (Diálogos do Fim do Mundo), se encontram entre elas.

Nós tivemos a pandemia que foi algo bastante desagradável, nós precisamos trabalhar no home office. Então eu passei um ano na Alemanha, como professor visitante na Universidade de Jena e fiquei pelo menos 3 anos sem ver boa parte dos colegas, a gente acaba perdendo o contato. Mas antes disso, tinha toda a rotina na UFF, a vivência ali no pátio, tomar um café no Chiquinho e encontrar espontaneamente com professores e alunos. Acho que a nossa UFF é muito autêntica. Então, estar ali no campus sempre foi um prazer e muito divertido. É uma memória praticamente semanal. Você vai para a UFF dar aula, estar ali naquela rotina, ter o prazer de exercer o nosso trabalho dentro de sala de aula, lecionar os autores dos quais a gente gosta e às vezes os que a gente não gosta também e tentar ser isento, mas a memória boa é sempre quando a gente leciona algo que gostamos. Por exemplo, o Wright Mills, um sociólogo americano com o qual eu trabalho, sempre foi muito prazeroso dar aula sobre ele, falar sobre o tema das elites, algo que eu estudo, e ver a reação dos alunos e das alunas, vê-los compreendendo. Eu sempre fazia seminários antes da pandemia. Durante a pandemia foi essa coisa virtual muito chata. Ver os alunos apresentando, mostrando figuras, mostrando que aprenderam os autores. Isso é muito legal.

Teve uma turma específica que me marcou muito, se não me engano de Sociologia III. No início, nós tivemos dificuldades, tanto a turma quanto eu, de conseguir fazer fluir e interagir. Então no meio do curso eu me reinventei, peguei o giz e fui para o quadro, tentei desenvolver uma didática melhor e a turma gostou e foi muito bom para todo mundo. Eu aprendi, a turma aprendeu e nós crescemos juntos. Foi uma reação coletiva muito interessante. No final eles me presentearam com um papelzinho com desenhos, zoando o Talcott Parsons, que é um autor considerado conservador, com escritos do tipo: “I love you, Wright Mills”, o autor que curtiram bastante. Eu tenho esse papel até hoje com a assinatura da turma, acho que nunca tive um presente tão bonito de alunos assim. Então essa é uma outra memória bastante afetiva e interessante.

Além disso, tenho memórias com meu grupo de pesquisa. Eu tenho um grupo que se chama Nuesde (Núcleo de Novos Estudos sobre Desigualdade)[ii]. Desde o início de 2016 até, mais ou menos, 2018/19 nós fizemos um trabalho muito intensivo se encontrando praticamente toda semana para realizar uma pesquisa com executivos e diretores de empresa, que é uma pesquisa que estou fazendo desde quando entrei na UFF. E envolve a leitura de autores e autoras que vão embasar a pesquisa. Então, a atuação de algumas pessoas do grupo foi muito decisiva, alguns alunos e, hoje, já ex-alunos da UFF que trabalharam intensivamente comigo. Foi muito bacana! Nós acabamos produzindo um e-book coletivo que saiu no ano passado, com o título: A Ficção Meritocrática: Executivos brasileiros e o novo capitalismo. As pessoas que participaram assinam capítulos e eu também assino um. É um e-book gratuito que estamos divulgando e está sendo super lido, tem tido respostas positivas, já foi resenhado e divulgado em vários sites importantes. E eu tive a chance de lançar algumas alunas e alunos nos capítulos, com quem eu tive o privilégio de trabalhar, que são realmente brilhantes. E essa turma está sendo lida, graças a Deus, como fruto do nosso trabalho que foi muito intenso, divertido e gratificante também.

Thaymara Assis: Como a UFF Campos impactou na sua trajetória profissional?

Fabrício Maciel: É uma pergunta importante porque acho que impacta de maneira decisiva. No meu caso em específico, eu já tinha uma trajetória como professor antes de entrar na UFF. Tenho colegas que passaram no concurso um pouco mais jovem, eu passei com 35 anos, então não era velho, mas não estava no início da carreira. Então eu tenho uma trajetória anterior. Fui professor da Universidade Candido Mendes (UCAM), fiz um pós-doutorado na Universidade Humboldt, de Berlim, na Alemanha, em 2014. Antes de passar no concurso eu já havia estudado na Alemanha, já havia feito uma parte do meu Doutorado na cidade de Freiburg. Então, eu já publicava alguns artigos, já participava de eventos internacionais, ou seja, eu já tinha uma trajetória. Mas quando eu entro na UFF isso é decisivo sem dúvidas porque aí é um emprego público. Te dá uma segurança material para você trabalhar melhor e nós também temos autonomia e liberdade na universidade pública. A instituição foi ameaçada com o governo do Bolsonaro, mas felizmente agora parece que a gente está voltando para os trilhos. Então, sem dúvidas, é um marco, um novo começo em um certo sentido. Então, assim que eu passei, iniciei uma agenda de pesquisa, a qual venho realizando.

Comecei a pleitear financiamentos para projetos de pesquisa na Fundação Carlos Chagas de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (Faperj) e no Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). Felizmente fui contemplado com alguns que são importantes não só para mim, mas para a própria UFF. Em pouco tempo, me tornei bolsista de produtividade do CNPq, que é bom para a minha carreira, mas também eleva o nome do nosso departamento e do corpo docente. Depois eu ganhei o prêmio Jovem Cientista do Nosso Estado da Faperj. São coisas que, obviamente, são boas para mim, mas que não são individualistas. São projetos que vão pontuar e ajudar na avaliação que a UFF vai ter como um todo diante do MEC, diante das agências que nos avaliam. Sem dúvidas é um recomeço. Há muito mais possibilidades de trabalhar, ainda que a gente tenha precariedade. Agora está saindo o novo prédio, é um privilégio estar em uma universidade como a UFF que, na verdade, está em expansão. Uma universidade pública que está crescendo e tem muito valor. Em resumo, me deu um gás. Eu comecei uma nova fase da minha carreira. Continuei publicando e tentando publicar artigos em revistas boas, além de livros, e ir aperfeiçoando o tema do capitalismo que é o que venho estudando desde o meu mestrado e doutorado. Então, foi bastante decisivo nessa direção de poder reorganizar a carreira.

Na universidade privada onde eu trabalhava antes, a gente só cumpria ordens. Você só é o empregado. Está cada vez mais precarizado. Mas na universidade pública, não é assim. Nós temos a chance de construir e criar de acordo com as nossas diferenças, então cada professor faz de uma forma. A gente tem liberdade para isso, mas envolve muito trabalho porque não temos muitos recursos como na Alemanha, por exemplo. Não há muito recurso para realizar projeto, para pedir bolsa para vocês e para pedir recurso para fazer pesquisa. Essa pesquisa dos executivos foi bastante intensa, foram 5 anos trabalhando com pouco recurso. É muito mais com coração na ponta da chuteira do que qualquer outra coisa, mas é gratificante porque a gente sabe que está construindo a educação pública. O fato de estar na universidade pública te permite buscar construir parcerias. Eu estive na Alemanha no ano passado como professor visitante em uma universidade de prestígio que é a Universidade de Jena, onde o Karl Marx fez o doutorado dele e onde Hegel e Schiller foram professores. Uma série de grandes figuras passaram por lá. E essa questão simbólica é muito importante para a gente no Brasil, então o que eu estou fazendo agora é buscar construir parcerias com universidades alemãs, envolvendo a UFF. E aí você precisa pedir projetos, correr atrás de verba. É muito trabalho. Você até pode fazer isso na instituição privada, mas vai estar sempre, de alguma forma, dando lucro para os capitalistas que te empregam e não tem muita autonomia. Então o fato de estar na UFF me permite construir essas pontes, com isso intensifico a minha trajetória, mas também elevo a UFF, por fim, valorizo o que nós temos, inclusive, para que a gente se defenda do que não sabemos que vem ainda. Afinal, o bolsonarismo não morreu. O Donald Trump é candidato de novo nos Estados Unidos. Então a gente vai conviver com isso, mesmo que o Lula tenha ganhado as eleições. Nós professores temos a chance de construir, buscar pontes e de levar o nome da UFF para fora de Campos e do Brasil. É o que eu tento fazer, participei de vários eventos na Alemanha e o nome da UFF vai sempre na frente. É o professor Fabrício da UFF Campos. No Brasil a gente sofre uma coisa que é o fato de muita gente nem saber que existe UFF Campos. Como eu sou colaborador da UENF na Pós-Graduação em Sociologia Política, muita gente no Brasil acha que sou da UENF. Nos congressos que a gente vai, as pessoas não sabem que têm UFF Campos. Agora mesmo eu encontrei um amigo aqui que é estrangeiro, mas trabalha no Brasil e ele não sabia. Fez uma confusão perguntando “Você é da UENF, né?” e eu “Não, sou da UFF Campos. A gente tem um Instituto com cursos da área de Ciências Humanas, um Departamento de Ciências Sociais”. Muita gente não sabe. É um absurdo! As pessoas acham que a UFF é só Niterói, e essa é a realidade que vivemos no Brasil. Então eu trabalho nessa direção, eu tento devolver à UFF a chance que ela me deu de estar no serviço público, de honrar a coisa pública buscando construir pontes dentro do Brasil e fora. Graças a Deus, eu tenho tido essa chance, tenho me empenhado muito e a ideia é levar o nome da UFF o mais longe possível construindo parcerias também no Brasil. Eu tenho vários colegas em várias partes do Brasil, onde estamos buscando construir pesquisas em conjunto, realizar eventos e construir parcerias como um todo. E isso envolve resultados para os alunos também, por exemplo, com a possibilidade de fazer intercâmbio. Hoje meus alunos que trabalham comigo podem ir para a Alemanha se eles quiserem. Ou participar de eventos no próprio Brasil. São coisas que você tem que criar, buscar bolsas, mas a gente vai abrindo as portas. Também é possível realizar intercâmbio em outras universidades, você pode assistir um semestre em outra universidade. Para os alunos da pós-graduação, você pode fazer uma disciplina no Rio ou no sul do país, por exemplo. São coisas que você tem que criar, buscar bolsas, mas a gente vai abrindo as portas. Então são pontes que a gente pode construir e eu tenho tentado buscar. Na universidade privada eu tentei algumas coisas, mas por ser privada muita coisa não fluiu ou não faz sentido. Já na instituição pública a gente pode e deve trabalhar para construir essas pontes.

Thaymara Assis: Professor, conte-nos um fato curioso que você tenha passado na UFF Campos.

Fabrício Maciel: Naquele momento da pandemia e do bolsonarismo, não só eu, mas vários colegas passaram alguns perrengues que é sabido. Eu, por exemplo, tive um ataque de hackers em uma live que fiz com meu querido colega e amigo, professor George Coutinho. Foi um livro que lancei em 2020, que é meu livro O Brasil-nação como ideologia, um trabalho do qual eu gosto bastante e que é bem didático. Eu fiz uma segunda edição desse livro em 2020, então foi no início da pandemia. Inclusive, nós temos gravado e é um acontecimento bizarro. O George, que tem também o projeto do blog dele (Autopoiesis e Virtu - um blog de sociologia e política), organizou essa live e nós realizamos e sofremos um ataque de hackers. Foi bem no início da pandemia marcado pelo boom de lives acontecendo. Foi bem agressivo, com vídeos, comentários nos xingando e atacando. Foi um fato muito triste, mas ao mesmo tempo nós transformamos em algo positivo. Não me lembro se estávamos utilizando a plataforma Zoom, mas mudamos de ambiente e os invasores foram atrás da gente e ainda continuamos fazendo a live. Ao mesmo tempo eu tive o retorno de colegas muito queridos, inclusive o professor Ricardo Bruno, organizador desse projeto, estava presente. Outras pessoas queridas apareceram, vários colegas, amigos e amigas que me deram força naquele momento. Alguns colegas que nem estavam na live ficaram sabendo, porque o pessoal se comunica no WhatsApp, e, repentinamente, entraram em peso para ver o que estava rolando para dar uma solidariedade. Todos os amigos queridos da UFF e de outras instituições.

Depois nós crescemos e aprendemos, mas foi um fato inusitado e o lado bom é que eu tive o carinho dos colegas naquele momento. Depois eu e o George discutimos sobre isso, acho que nós chegamos a escrever uma nota de repúdio. Então foi um evento que vivemos ali no auge dessa maluquice toda do bolsonarismo, e é uma memória muito interessante e marcante. Enfim, o livro foi lançado e graças a Deus foi um sucesso e no final tudo ficou bem, mas estava acontecendo isso no Brasil todo. Muitas intervenções racistas, sexistas com vídeos pornográficos sendo postados no meio das lives, incentivos à agressão às mulheres, aos colegas negros e negras. Foi horrível.

Fora isso, a experiência em sala de aula também teve coisas marcantes. Por exemplo, a gente lidar com temas que estão muito em evidência, como gênero e racismo. Eu sempre provoquei os alunos e alunas a pensar como se articula a questão das classes, não tem como pensar desigualdade de gênero e raça sem classe. E eu sempre provoquei no sentido positivo, então já tive resultados bons, mas às vezes foi difícil também porque são discussões delicadas que tocam na afetividade das pessoas e que toca na luta pessoal das identidades. Mas eu sempre tentei tratar esses temas com respeito e sensibilidade, sempre tentei me abrir para ouvir e para colocar o meu lugar de fala em questão para que a gente possa crescer juntos.

 

[i][i] Doutor em Ciências Sociais pela UFJF (2012), com estadia de sanduíche na PH Freiburg, Alemanha (2011). Pós-Doutorado em Sociologia na Universidade Humboldt, Berlim, Alemanha (2014-2015), pelo Programa de Pós-Doutorado no Exterior, como bolsista PROBRAL/CAPES. Desde 2016, Professor adjunto de teoria sociológica do Departamento de Ciências Sociais, Instituto de Ciências da Sociedade e Desenvolvimento Regional, UFF, Campos dos Goytacazes/RJ. Professor permanente do Programa de Pós-Graduação em Sociologia Política da UENF. Coordenador do NUESDE: núcleo de novos estudos sobre desigualdade social, registrado no CNPq. Bolsista de produtividade do CNPq, Jovem Cientista do nosso Estado, FAPERJ, professor visitante na Universidade de Jena, Alemanha (2022).

 

[ii] www.nuesde.com.br

 


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