Entrevistada: Profª Drª María Gabriela Scotto[i]
Thaymara Assis: Professora, qual a sua principal memória na UFF Campos?
Gabriela Scotto: Minha principal memória é a de quando cheguei
à UFF Campos para realizar o concurso para professora de antropologia. Eu nunca
havia estado em Campos dos Goytacazes, e a conhecia só de relatos de amigos,
que me contaram um pouco da história daqui. Lembro que fiquei num hotel em uma
parte da cidade, no centro, que ficava perto da UFF e dava para ir andando por ruelas
antigas e estreitas da cidade. Fui embora de Campos após o concurso achando que
a cidade de Campos era muito pequena e de ruelas antigas e sinuosas. Só depois quando
comecei a dar aulas, em 2010, foi que descobri a real “dimensão” da cidade.
Lembro muito nitidamente, também, da sensação ao chegar e entrar pela primeira
vez na UFF Campos. Eu já conhecia o campus
de Niterói, mas eu não fazia ideia sobre que iria encontrar aqui. Ainda hoje é
muito gostoso lembrar da experiência de me aproximar desse campus sem campus, com os dois prédios mais antigos, somente dois
contêiners e um bonito e cuidado jardim; não existia ainda o bloco C. Não foi apenas
uma descoberta da um espaço institucional - que na época chamávamos de “Polo de
Campos” -, mas também de um “lugar” de encontro, estudo, sociabilidades, um
lugar pequeno e aconchegante.
Thaymara Assis: Como a UFF Campos impactou na sua trajetória profissional?
Gabriela Scotto: A UFF impactou muito (e ainda impacta) minha trajetória
profissional. E cheguei no Brasil, em 1991, trazendo minha experiência como
professora de antropologia na Universidade de Buenos Aires (UBA), na Argentina.
Vim para realizar meu mestrado em antropologia social (e depois o doutorado) no
Museu Nacional da UFRJ, um programa de pós-graduação que, ao menos na época,
era um tanto elitizado e não sem muitos vínculos com cursos de graduação. Posteriormente
fui professora no recém-criado Instituto de Humanidades da Universidade Cândido
Mendes, também no Rio de Janeiro. Diante disso, a UFF Campos foi o meu primeiro
mergulho na universidade pública brasileira como professora, com a
peculiaridade de ser dando aulas e pesquisando em um curso de ciências sociais que estava sendo criado no contexto
Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades
Federais, o REUNI. Então, me situando em retrospectiva naquele começo meu como
professora na UFF, vejo que muitas descobertas vieram juntas, para eu
processar. Naquele momento, os departamentos ainda não existiam. Todos nós
docentes dos diferentes cursos estávamos em um único departamento (o SFC, Departamento
de Fundamentos de Ciências da Sociedade), o que foi muito bom para a gente se
conhecer e integrar. A primeira turma do curso de ciências sociais
(ingressantes em 2009, acho), não tinha ingressado ainda pelo Sistema de
Seleção Unificada (Sisu).
Eu moro no Brasil há mais de 30 anos, mas sou
originalmente de Buenos Aires, Argentina, onde existe uma região chamada Pampa Húmeda,
na qual passei muitos bons tempos durante as minhas férias escolares. A
paisagem é a de uma ampla planície, muito semelhante à “planície goitacá”, isso
me evoca boas e belas lembranças.
Voltando à minha trajetória na UFF Campos, lembro
também que nessa época estavam construindo o Porto do Açu, em São João da
Barra, um grande projeto de infraestrutura voltado para a exportação de minério
de ferro, que acabaria se tornando meu objeto de pesquisa durante vários anos. Naquela
época, eu já vinha pesquisando os “conflitos socioambientais em torno da
mineração”. Então, foi um processo muito legal, porque ao mesmo tempo em que eu
fui me inserindo na docência, fui ampliando e me aprofundando minhas discussões
sobre o chamado “desenvolvimento regional” e os impactos sociais e ambientais
de projetos como os do Porto de Açu. Na época criamos o Cineclube SocioAmbiental
em Campos, um projeto de extensão que ainda hoje existe; ele surge precisamente
nesse contexto, com o objetivo de promover junto à sociedade campista uma discussão
sobre os impactos socioambientais desse grande projeto de infraestrutura que
estava sendo instalado em São João da Barra, com falsas promessas para a
população de com ele viriam empregos e desenvolvimento regional.
Assim que cheguei na UFF tive a sorte de me
incorporar ao NESA (Núcleo de Pesquisas e Estudos Socioambientais) graças ao
convite da professora Antenora Siqueira; no NESA também estava o professor
Soffiati, eco historiador e um dos primeiros professores da UFF de Serviço
Social, ele é um explorador, o que eu, como antropóloga amo. Adoro essa ideia
de ir ao campo para conhecer a região, a cidade e o seu entorno. Então, íamos
para a Lagoa Feia, para São João da Barra, para a Baixada campista, por
exemplo... Isso me impactou muito, foi uma reconexão com minha paixão pela
pesquisa etnográfica, vinculada ao local. O impacto na minha trajetória
profissional da UFF Campos, como instituição de ensino e como “lugar” de
encontros, sociabilidades e aprendizados foi imenso. As vezes digo o quão
cansativo pode ser essa viagem de ida e volta entre Rio de Janeiro e Campos,
mas no período remoto fiquei morrendo de saudade.
Thaymara Assis: Poderia nos contar algum fato curioso que você vivenciou na UFF
Campos?
Gabriela Scotto: Um dos fatos curiosos que guardo com muito
carinho, sem querer parecer saudosista, é a lembrança de quando, um tempo atrás,
um colega observar que pelo fato de eu ter sido coordenadora do curso, eu conhecia
e me relacionava com os colegas de outros departamentos. Mas eu respondi que eu
achava que esse “trânsito” entre os departamentos se devia a esse comecinho, em
2010, quando existia essa reunião única de departamento com todos os
professores, a maioria novos que nem eu, era uma festa, nos divertíamos e trocávamos
muito entre nós. Essas reuniões eram muito curiosas. O chefe do SFC na época,
um professor que já se aposentou, era muito verborrágico e histriônico, eu
achava tudo um tanto “exótico”. Ainda hoje, eu conservo muita dessa proximidade
a partir desses encontros e reuniões. Também tinha o grupo dos que viajávamos
juntos nos ônibus da empresa 1001. Fizemos grandes amizades, tivemos altos
papos e conversas voltando para o Rio de Janeiro.
Levei mais ou menos um ano para entender o que
de fato era o curso e o que era o Instituto. Antes de nós sermos Instituto, a
ideia original é que ele fosse um polo da UFF em Campos dos Goytacazes. Tanto
que até hoje alguns ainda o chamam dessa forma, mas acabamos não nos
constituindo como polo, mas como instituto, com menos autonomia em relação a
Niterói. Um instituto é muito mais dependente do organograma central de Niterói
do que se fosse polo. Então, na época, para o polo havia um diretor, o José
Luiz Vianna, e o Hernán Mamani era o diretor do instituto. Eu achava isso tudo
muito confuso e, no final, a gente só seguia o fluxo. Tinha também a questão
dos containers. Eu lamento não ter tirado fotos do espaço e de suas mudanças ao
longo de todos esses anos. O campus, mesmo com toda a sua precariedade,
foi acompanhando a expansão e democratização da universidade, em todos os
sentidos. A vinda dos alunos através do Sisu, a importância do Reuni e o
aumento dos cursos ofertados... Havia aquela sensação muito boa de voltar a cada
semestre e observar a UFF se tornando cada vez mais plural e diversa. Teve a
chegada dos coletivos e os grafites nas paredes. Me lembro muito dessa sensação
de ser surpreendida sempre, que retornava, por uma UFF que a cada semestre
parecia diferente do anterior. Com relação a esse registro de memórias, ver
como a UFF está agora, após a pandemia e as atividades remotas provoca um desejo
de redescobrir o que se tornou esse espaço agora, ao mesmo tempo que também
sinto o impacto pós-pandêmico que gera um sentimento de saudosismo diante de
tudo isso.
Já que estamos falando de lembranças... Outra
coisa que lembro é que todo final de ano havia festas com sorteios e cestas
organizadas pelas técnicas e técnicos do Instituto. O local onde hoje é a
lanchonete do Chiquinho juntava professores, alunos e técnicos. Isso era muito
legal! Esses primeiros anos nos permitiram essa união e a sensação de ser da UFF
Campos. Depois, dali pra frente, os departamentos foram se dividindo e
criaram-se estruturas mais isoladas. Acredito que essa tendência aumente ainda
mais quando nos mudemos para o novo prédio.
Sempre gosto de trabalhar em sala de aula sobre
a importância do estranhamento para recuperarmos as memórias e a sensação de
estar diante ao novo, do seu fascínio e estímulo para formular interrogações
para nossas pesquisas. Foi essa sensação de estranhamento a que tive quando
cheguei para fazer o concurso e me deparei com as ruelas de Campos e com o
próprio campus. Recordar é viver, a
gente não tem que ficar lá, mas isso são memórias não só pessoais, mas
institucionais. É muito importante sabermos que a instituição somos todos nós,
já que às vezes esquecemos disso no meio das correrias cotidianas e das
burocracias administrativas. Dessa maneira, podemos recuperar a memória afetiva
vinculada ao que nos leva para um lugar e o que nos faz ficar. O engajamento
como profissionais e como seres humanos é de extrema importância. Este projeto
de vocês é uma contribuição fundamental nesse processo de construção das
memórias da nossa querida UFF Campos, parabéns e obrigada!
[i] Possui graduação em Ciencias Antropológicas pela Facultad de
Filosofia y Letras, da Universidad de Buenos Aires (1985). Mestrado em
Antropologia Social pelo PPGAS / Museu Nacional / UFRJ (1994), e doutorado pela
mesma instituição (2003). Atualmente é professora associada do Departamento de
Ciências Sociais do Instituto de Ciências da Sociedade e Desenvolvimento
Regional da UFF (Campos dos Goytacazes) e do Programa de Pós-Graduação em
Desenvolvimento regional, ambiente e políticas públicas (PPGDAP/UFF). É líder
do GEPPIR - Grupo de estudos e pesquisa sobre Poder, Imagens e Representações
(UFF/CNPq) e pesquisadora do Núcleo de Estudos e Pesquisas Socioambientais
(NESA/UFF).
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