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sexta-feira, 15 de dezembro de 2023

Diálogos em memórias María Gabriela Scotto

 Entrevistada: Profª Drª María Gabriela Scotto[i]

 

Thaymara Assis: Professora, qual a sua principal memória na UFF Campos?

Gabriela Scotto: Minha principal memória é a de quando cheguei à UFF Campos para realizar o concurso para professora de antropologia. Eu nunca havia estado em Campos dos Goytacazes, e a conhecia só de relatos de amigos, que me contaram um pouco da história daqui. Lembro que fiquei num hotel em uma parte da cidade, no centro, que ficava perto da UFF e dava para ir andando por ruelas antigas e estreitas da cidade. Fui embora de Campos após o concurso achando que a cidade de Campos era muito pequena e de ruelas antigas e sinuosas. Só depois quando comecei a dar aulas, em 2010, foi que descobri a real “dimensão” da cidade. Lembro muito nitidamente, também, da sensação ao chegar e entrar pela primeira vez na UFF Campos. Eu já conhecia o campus de Niterói, mas eu não fazia ideia sobre que iria encontrar aqui. Ainda hoje é muito gostoso lembrar da experiência de me aproximar desse campus sem campus, com os dois prédios mais antigos, somente dois contêiners e um bonito e cuidado jardim; não existia ainda o bloco C. Não foi apenas uma descoberta da um espaço institucional - que na época chamávamos de “Polo de Campos” -, mas também de um “lugar” de encontro, estudo, sociabilidades, um lugar pequeno e aconchegante.

Thaymara Assis: Como a UFF Campos impactou na sua trajetória profissional?

Gabriela Scotto: A UFF impactou muito (e ainda impacta) minha trajetória profissional. E cheguei no Brasil, em 1991, trazendo minha experiência como professora de antropologia na Universidade de Buenos Aires (UBA), na Argentina. Vim para realizar meu mestrado em antropologia social (e depois o doutorado) no Museu Nacional da UFRJ, um programa de pós-graduação que, ao menos na época, era um tanto elitizado e não sem muitos vínculos com cursos de graduação. Posteriormente fui professora no recém-criado Instituto de Humanidades da Universidade Cândido Mendes, também no Rio de Janeiro. Diante disso, a UFF Campos foi o meu primeiro mergulho na universidade pública brasileira como professora, com a peculiaridade de ser dando aulas e pesquisando em um curso de ciências sociais que estava sendo criado no contexto Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais, o REUNI. Então, me situando em retrospectiva naquele começo meu como professora na UFF, vejo que muitas descobertas vieram juntas, para eu processar. Naquele momento, os departamentos ainda não existiam. Todos nós docentes dos diferentes cursos estávamos em um único departamento (o SFC, Departamento de Fundamentos de Ciências da Sociedade), o que foi muito bom para a gente se conhecer e integrar. A primeira turma do curso de ciências sociais (ingressantes em 2009, acho), não tinha ingressado ainda pelo Sistema de Seleção Unificada (Sisu).

Eu moro no Brasil há mais de 30 anos, mas sou originalmente de Buenos Aires, Argentina, onde existe uma região chamada Pampa Húmeda, na qual passei muitos bons tempos durante as minhas férias escolares. A paisagem é a de uma ampla planície, muito semelhante à “planície goitacá”, isso me evoca boas e belas lembranças.

Voltando à minha trajetória na UFF Campos, lembro também que nessa época estavam construindo o Porto do Açu, em São João da Barra, um grande projeto de infraestrutura voltado para a exportação de minério de ferro, que acabaria se tornando meu objeto de pesquisa durante vários anos. Naquela época, eu já vinha pesquisando os “conflitos socioambientais em torno da mineração”. Então, foi um processo muito legal, porque ao mesmo tempo em que eu fui me inserindo na docência, fui ampliando e me aprofundando minhas discussões sobre o chamado “desenvolvimento regional” e os impactos sociais e ambientais de projetos como os do Porto de Açu. Na época criamos o Cineclube SocioAmbiental em Campos, um projeto de extensão que ainda hoje existe; ele surge precisamente nesse contexto, com o objetivo de promover junto à sociedade campista uma discussão sobre os impactos socioambientais desse grande projeto de infraestrutura que estava sendo instalado em São João da Barra, com falsas promessas para a população de com ele viriam empregos e desenvolvimento regional.

Assim que cheguei na UFF tive a sorte de me incorporar ao NESA (Núcleo de Pesquisas e Estudos Socioambientais) graças ao convite da professora Antenora Siqueira; no NESA também estava o professor Soffiati, eco historiador e um dos primeiros professores da UFF de Serviço Social, ele é um explorador, o que eu, como antropóloga amo. Adoro essa ideia de ir ao campo para conhecer a região, a cidade e o seu entorno. Então, íamos para a Lagoa Feia, para São João da Barra, para a Baixada campista, por exemplo... Isso me impactou muito, foi uma reconexão com minha paixão pela pesquisa etnográfica, vinculada ao local. O impacto na minha trajetória profissional da UFF Campos, como instituição de ensino e como “lugar” de encontros, sociabilidades e aprendizados foi imenso. As vezes digo o quão cansativo pode ser essa viagem de ida e volta entre Rio de Janeiro e Campos, mas no período remoto fiquei morrendo de saudade.

Thaymara Assis: Poderia nos contar algum fato curioso que você vivenciou na UFF Campos?

Gabriela Scotto: Um dos fatos curiosos que guardo com muito carinho, sem querer parecer saudosista, é a lembrança de quando, um tempo atrás, um colega observar que pelo fato de eu ter sido coordenadora do curso, eu conhecia e me relacionava com os colegas de outros departamentos. Mas eu respondi que eu achava que esse “trânsito” entre os departamentos se devia a esse comecinho, em 2010, quando existia essa reunião única de departamento com todos os professores, a maioria novos que nem eu, era uma festa, nos divertíamos e trocávamos muito entre nós. Essas reuniões eram muito curiosas. O chefe do SFC na época, um professor que já se aposentou, era muito verborrágico e histriônico, eu achava tudo um tanto “exótico”. Ainda hoje, eu conservo muita dessa proximidade a partir desses encontros e reuniões. Também tinha o grupo dos que viajávamos juntos nos ônibus da empresa 1001. Fizemos grandes amizades, tivemos altos papos e conversas voltando para o Rio de Janeiro.

Levei mais ou menos um ano para entender o que de fato era o curso e o que era o Instituto. Antes de nós sermos Instituto, a ideia original é que ele fosse um polo da UFF em Campos dos Goytacazes. Tanto que até hoje alguns ainda o chamam dessa forma, mas acabamos não nos constituindo como polo, mas como instituto, com menos autonomia em relação a Niterói. Um instituto é muito mais dependente do organograma central de Niterói do que se fosse polo. Então, na época, para o polo havia um diretor, o José Luiz Vianna, e o Hernán Mamani era o diretor do instituto. Eu achava isso tudo muito confuso e, no final, a gente só seguia o fluxo. Tinha também a questão dos containers. Eu lamento não ter tirado fotos do espaço e de suas mudanças ao longo de todos esses anos. O campus, mesmo com toda a sua precariedade, foi acompanhando a expansão e democratização da universidade, em todos os sentidos. A vinda dos alunos através do Sisu, a importância do Reuni e o aumento dos cursos ofertados... Havia aquela sensação muito boa de voltar a cada semestre e observar a UFF se tornando cada vez mais plural e diversa. Teve a chegada dos coletivos e os grafites nas paredes. Me lembro muito dessa sensação de ser surpreendida sempre, que retornava, por uma UFF que a cada semestre parecia diferente do anterior. Com relação a esse registro de memórias, ver como a UFF está agora, após a pandemia e as atividades remotas provoca um desejo de redescobrir o que se tornou esse espaço agora, ao mesmo tempo que também sinto o impacto pós-pandêmico que gera um sentimento de saudosismo diante de tudo isso.

Já que estamos falando de lembranças... Outra coisa que lembro é que todo final de ano havia festas com sorteios e cestas organizadas pelas técnicas e técnicos do Instituto. O local onde hoje é a lanchonete do Chiquinho juntava professores, alunos e técnicos. Isso era muito legal! Esses primeiros anos nos permitiram essa união e a sensação de ser da UFF Campos. Depois, dali pra frente, os departamentos foram se dividindo e criaram-se estruturas mais isoladas. Acredito que essa tendência aumente ainda mais quando nos mudemos para o novo prédio.

Sempre gosto de trabalhar em sala de aula sobre a importância do estranhamento para recuperarmos as memórias e a sensação de estar diante ao novo, do seu fascínio e estímulo para formular interrogações para nossas pesquisas. Foi essa sensação de estranhamento a que tive quando cheguei para fazer o concurso e me deparei com as ruelas de Campos e com o próprio campus. Recordar é viver, a gente não tem que ficar lá, mas isso são memórias não só pessoais, mas institucionais. É muito importante sabermos que a instituição somos todos nós, já que às vezes esquecemos disso no meio das correrias cotidianas e das burocracias administrativas. Dessa maneira, podemos recuperar a memória afetiva vinculada ao que nos leva para um lugar e o que nos faz ficar. O engajamento como profissionais e como seres humanos é de extrema importância. Este projeto de vocês é uma contribuição fundamental nesse processo de construção das memórias da nossa querida UFF Campos, parabéns e obrigada!



[i] Possui graduação em Ciencias Antropológicas pela Facultad de Filosofia y Letras, da Universidad de Buenos Aires (1985). Mestrado em Antropologia Social pelo PPGAS / Museu Nacional / UFRJ (1994), e doutorado pela mesma instituição (2003). Atualmente é professora associada do Departamento de Ciências Sociais do Instituto de Ciências da Sociedade e Desenvolvimento Regional da UFF (Campos dos Goytacazes) e do Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento regional, ambiente e políticas públicas (PPGDAP/UFF). É líder do GEPPIR - Grupo de estudos e pesquisa sobre Poder, Imagens e Representações (UFF/CNPq) e pesquisadora do Núcleo de Estudos e Pesquisas Socioambientais (NESA/UFF).

 

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