Arquivo do blog

terça-feira, 17 de outubro de 2023

Diálogos em Memórias com José Colaço

 

Foto: Acervo pessoal do professor José Colaço

Entrevistado: Prof. Dr. José Colaço Dias Neto

 

Thaymara Assis: Professor, qual é a sua principal memória na UFF Campos?

José Colaço: Meu concurso para professor efetivo foi em maio de 2013. Tomei posse do meu cargo no departamento de Ciências Sociais em agosto do mesmo ano, que inclusive, estava em um período de greve geral nas universidades. Então, entrei em exercício no meio dessa greve. Tenho tantas memórias desde então...

Começo expondo um fato curioso, que fará sentido com toda essa ideia de memória. Fui aluno da Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro (UENF) no início dos anos 2000. Neste período, a Universidade Federal Fluminense (UFF), no meu ponto de vista, tinha pouca capilaridade no município. Ou seja, de alguém que estudava na UENF, do outro lado da cidade e que geograficamente se localizava muito distante. Quando fui realizar minha pós-graduação em Niterói, muito se associava à UFF Campos com uma instituição de um único curso. Tenho alguns colegas que estudaram aqui, como o professor George Coutinho, que era meu colega de graduação na UENF e estudante da UFF Campos. Lembro que vim aqui umas duas ou três vezes de passagem nesse período dos anos 2000, enquanto era estudante. E é curioso como eu me encontro com a UFF em outras duas situações, por exemplo, quando me doutorei em 2012 e já estava apto para fazer concurso para magistério superior pleno. Esse foi o primeiro concurso que fiz para cá. Eu defendi minha tese em abril e em maio de 2012 houve um concurso para UFF Campos para a área de sociologia, que aceitava a inscrição de antropólogos. Foi minha primeira aplicação e não passei nem na primeira fase da prova teórica. Após um ano aproximadamente, houve outro edital para uma vaga de Metodologia para Ciências Sociais e dessa vez me preparei de uma forma muito mais cuidadosa e focada.

Nesse momento, eu estava realizando estágio pós-doutoral no Instituto de Nacional de Ciência e Tecnologia - Instituto de Estudos Comparados em Administração Institucional de Conflitos (INCT-InEAC), em Niterói. Então, a UFF está na minha formação há muito tempo: da minha formação em antropologia a professor substituto. 

Mas o curioso foi que em 2013, quando apliquei para esse concurso, fui bem-sucedido com o primeiro lugar. A UFF Campos entra definitivamente na minha vida a partir de então, desse terceiro momento. Acho que falei de três momentos aqui. Um que foi quando a UFF Campos era muito distante para mim e a UENF era muito central na época. O segundo momento foi quando tentei o primeiro concurso e não passei; e o terceiro, um ano depois, que é o que me faz virar professor e construir minha trajetória profissional, que tenho feito até os dias de hoje com muito gosto.

Isso também marca o início de uma trajetória madura. Eu dou aula há muito tempo. Ministrei aulas no ensino privado por muitos anos, inclusive enquanto fazia mestrado e doutorado. Entretanto, entrar na UFF Campos foi um divisor de águas para mim, para a minha carreira, para a minha identidade profissional e para minha estabilidade financeira e emocional. Brinco que, de fato, eu queria muito estar na UFF Campos, pois fiz o primeiro concurso e não passei, fiz para outros lugares, não consegui; e voltei a tentar a UFF Campos, não desisti e consegui entrar no segundo concurso em primeiro lugar.

Eu acho que olhando retrospectivamente a minha trajetória, acredito que não há coincidência em tudo que aconteceu. Não sou de Campos, e quando chego à UENF me debrucei em muitas pesquisas de campo na região. Faço etnografias desde muito cedo na graduação, inclusive, trabalho esse que eu acabei levando adiante. Não só o trabalho, mas também as relações com os pesquisadores aqui da baixada campista. Comecei a construir essas relações nessa época e elas foram ganhando outros contornos e se aprofundando, me levando para outros caminhos, justamente, quando me fixo aqui. Então, a UFF Campos me ajuda a consolidar e a aprofundar uma relação pessoal, profissional e, sem dúvida nenhuma, afetiva que eu tenho nutrido nos últimos 20 anos da minha vida com a região do norte fluminense, em especial, com a cidade de Campos dos Goytacazes.

Mesmo eu tendo ido para a UFF Niterói fazer mestrado, doutorado e depois estágio de doutorado também, como sempre trabalhei com os pescadores artesanais dessa região, especialmente, do distrito Ponta Grossa dos Fidalgos, é como se UFF Campos tivesse me possibilitado ao ingressar como professor, o aprofundamento do meu ponto de vista e da minha trajetória atual como professor e pesquisador, bem como a possibilidade de construir e atualizar a existência prática do Núcleo de Estudos Antropológicos do Norte Fluminense (Neanf/UFF), que fiz parte como estudante ainda na graduação na UENF. O coordenador do grupo, Prof. Dr. Arno Vogel, foi o meu orientador de graduação, e era o professor titular de Antropologia e coordenador do núcleo de pesquisa. E quando entro como professor, em uma conversa com o Arno, em uma fase em que estava restaurando e refazendo a minha rede de contatos pessoais e profissionais, ele falou: “Zé, por que você agora que virou professor da UFF de Campos, não refunda o NEANF?”. O núcleo, na época, estava desativado. O Arno estava caminhando para a aposentadoria, sem orientando, e não estava na pós-graduação. Então, ele me deu essa ideia. Ele me animou muito e refundamos o núcleo formalmente, passando a integrar o Diretório de Grupos de Pesquisa do CNPq em 2014/2015. Com certeza, o marco da refundação do núcleo é a publicação do meu livro sobre os pescadores de Portugal e de Campos, em 2015. Fizemos o lançamento no auditório daqui da UFF Campos com outros colegas, e foi uma espécie de relançamento do próprio núcleo. Esse meu primeiro livro é fruto da minha tese. Então, fizemos essa ritualização de refundação do Núcleo, com o Arno passando o bastão para mim, para que eu pudesse junto com os alunos, tocar as pesquisas.

             Foto: Acervo pessoal do professor José Colaço

Em 2019, tivemos outro momento muito significativo, que foi o lançamento de uma coletânea sobre pesca artesanal no norte fluminense. A coletânea reuniu as primeiras pesquisas que eu orientei na UFF Campos. Tinham quatro trabalhos de monografias sobre a pesca artesanal em lugares diferentes aqui no Norte Fluminense, como Atafona e Gargaú. Tinha também um trabalho sobre a comunidade que fica à beira da lagoa do canteiro em Guarus e uma pesquisa sobre Ponta Grossa. O professor Sofiatti contribuiu com um artigo e participou do lançamento. Então, esse dia também foi muito legal por conta disso, a UFF Campos operando nessa história.

O núcleo se refundou e, em menos de quatro anos depois, já tinham ali um conjunto de monografias de bacharelado orientadas por mim, que conseguimos converter em capítulos de livro. Portanto, todas as profissionais das Ciências Sociais orientadas por mim, em 2018, estão formadas e já são autoras de trabalhos em uma coletânea.

A UFF Campos tem um papel que dificilmente, se eu estivesse em outro lugar, teria tido uma oportunidade de produzir uma coletânea ou orientar pesquisas na região, por exemplo. A dimensão do nosso trabalho aqui é outra. A gente produz conhecimento sobre a região. Mesmo não estando aqui no período de mestrado e doutorado porque estava em Niterói, estive sempre bem-informado, produzindo e fazendo trabalho de campo sobre a região. É interessante que o crivo da produção acontece na UFF Campos também.  

O curso de Ciências Sociais ainda é muito jovem aqui na UFF Campos. Eu ingressei no terceiro ano de funcionamento do curso e já posso ser considerado um dos mais antigos do Departamento de Ciências Sociais. Claro que muitos colegas já estavam aqui antes e acredito que esse fato faz a gente ter essa relação mais afetiva com esse espaço. A trajetória em Ciências Sociais é muito difícil, considerando que tem que circular muito. Então, a gente pensa que o melhor lugar para se estar quando se pensa em uma formação continuada é na universidade pública, pois é quando se fixa em um espaço. A maioria das vagas hoje em dia é com dedicação exclusiva e tudo aquilo que você faria de maneira fragmentada, aqui você consegue concentrar num lugar só. 

Então, acho que os professores chegam aqui com muita vontade, pois além da disposição e sagacidade, a gente consegue encontrar estabilidade institucional em um espaço onde se pode concentrar ensino, pesquisa e extensão. Isso faz com que consigamos olhar de um modo carinhoso as nossas carreiras. É como se todo mundo, cada qual a sua maneira, estivesse construindo uma identidade profissional muito forte a partir da sua chegada aqui. Sou suspeito de falar sobre isso porque tenho uma relação muito antiga com Campos, mas também vejo colegas que vieram para cá e iniciaram sua carreira aqui e compartilham das mesmas noções afetivas com esse espaço. A gente encontra isso aqui e acho isso muito legal.

Thaymara Assis: Professor, há alguma vivência ou acontecimento curioso na sua trajetória na UFF Campos, que você queira compartilhar?

José Colaço: Acho que o ano de 2018, que teve dificuldades em vários aspectos, provocou em mim sensações muito difíceis. Em certa medida, o acontecimento não deixa de ser curioso porque foram eventos que eu achava que não viveríamos dentro de uma universidade daquela forma. Refiro-me a todo aquele momento tenso, pré-eleitoral para presidente da República, que se une com as tragédias do assassinato da Marielle Franco em março, o incêndio no Museu Nacional e vários outros eventos muito negativos. Esses momentos expuseram para nós, o fracasso que certamente vivíamos como sociedade. Acho que tivemos aqui, em escala micro, porém muito forte, os efeitos dessas questões. Lembro porque foi muito marcante, pois na época estava como conselheiro do Colegiado de Unidade, a maneira complexa e difícil que foi lidar com a invasão que sofremos do Tribunal Regional Eleitoral (TRE) no período das eleições. Classifico isso como curioso, pois não imaginei que nós como uma universidade pública federal, poderíamos passar por aquilo da maneira que passamos, e com muita dificuldade, inclusive, de gerir isso. Falo isso aqui e já falei publicamente, inclusive, assinei o manifesto repudiando essa ação na época, e publicizamos isso via Colegiado de Unidade. Eu não esperava que tivéssemos que dar uma resposta diante de uma situação como aquela, e me saltou os olhos também por ser ex-aluno de uma universidade pública e depois como professor. 

Me chamou atenção também a maneira de agir dos alunos que se intitulavam de direita e tinham um movimento relacionado, se posicionando a favor disso. Achei aquilo tudo muito a atualização e a reencarnação de um momento muito tenso que vivíamos e, ao mesmo tempo, me chamava atenção o modo como chegamos a esse ponto dentro de uma universidade. Não estamos falando de uma escola onde essas disputas sempre existiram, por exemplo. Claro que a universidade não é um lugar apartado disso tudo, mas a maneira que isso foi vivido e experimentado aqui foi muito curiosa.

Uma memória boa, que entra nessa classificação de curiosidade é o fato que a gente aqui da UFF Campos tem uma relação de proximidade muito interessante entre os professores e alunos. Com isso, a possibilidade de construirmos projetos profissionalmente muito interessantes com os alunos, justamente por conta do tamanho físico, mas também por conta do tamanho quantitativo. Embora, tenha crescido bastante após o Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais (REUNI), pois antes tinham apenas dois departamentos e o curso de Serviço Social. Aqui sempre existiu essa questão positiva da proximidade, sobretudo, comparando com Niterói, onde o campus é muito fragmentado e disperso. Eu acho que aqui temos essa intimidade, que claro, vai criar confusões também e situações que são difíceis de gerir, mas ao mesmo tempo as boas implicações que podemos tirar disso, são justamente essas relações próximas que te permitem encontrar com o professor e chamar para ir para uma reunião de grupo de pesquisa. Você consegue circular de um jeito que acho que em Niterói nós não conseguimos fazer e falo como quem foi aluno lá e trabalha lá, atualmente, como professor do Programa de Pós-Graduação. Nós não temos a mesma vivência e isso é muito legal. 

Venho acompanhando de longe, estudantes que também são de fora das Ciências Sociais, como de Psicologia, por exemplo, e que fazem transferência para Niterói por várias razões importantes, como facilidade de moradia ou questões pessoais mesmo. Outros vão para lá achando que irão encontrar uma realidade maravilhosa, como se estivessem indo para um lugar melhor, uma espécie de upgrade na formação e na relação com a universidade, e acabam que muitos se decepcionam. Tenho alguns relatos que chegam até mim, com alguns até consegui conversar sobre isso, porque acaba sendo uma projeção de querer ir para um lugar fisicamente maior, com mais recursos e possibilidades... E de fato, você tem departamentos que quantitativamente podem ser maiores em termos de professores, mas isso não significa que se reverta numa formação melhor, até porque elas são muito semelhantes, você pega um curso com três ou quatro campos diferentes, você vai olhar a ementa e é tudo muito parecido. Acho que aqui, a gente ganha em um salto comparativo com essas relações de proximidade que espaços mais intimistas profissionalmente possibilitam e há um ganho na formação dos estudantes. É curioso pensar nisso porque é de certo modo uma quebra do estereótipo. Acontece conosco também, tem gente que considera como só uma ponte para fazer currículo estar aqui, e não é. A maioria fica aqui, e se você pegar quem veio e ficou e quem veio e foi embora, por várias razões, é um número muito pequeno. Então, corrobora com essa ideia que tem algo aqui que atrai e fixa as pessoas e acredito que tem a ver com tudo isso que conversamos.

 


Nenhum comentário:

Postar um comentário