Entrevistado: Prof. Dr. José Colaço Dias Neto
Thaymara Assis: Professor, qual é a sua principal memória na UFF Campos?
José Colaço: Meu
concurso para professor efetivo foi em maio de 2013. Tomei posse do meu cargo
no departamento de Ciências Sociais em agosto do mesmo ano, que inclusive,
estava em um período de greve geral nas universidades. Então, entrei em
exercício no meio dessa greve. Tenho tantas memórias desde então...
Começo expondo um fato curioso, que fará sentido com toda essa
ideia de memória. Fui aluno da Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy
Ribeiro (UENF) no início dos anos 2000. Neste período, a Universidade Federal
Fluminense (UFF), no meu ponto de vista, tinha pouca capilaridade no município.
Ou seja, de alguém que estudava na UENF, do outro lado da cidade e que
geograficamente se localizava muito distante. Quando fui realizar minha
pós-graduação em Niterói, muito se associava à UFF Campos com uma instituição
de um único curso. Tenho alguns colegas que estudaram aqui, como o professor
George Coutinho, que era meu colega de graduação na UENF e estudante da UFF
Campos. Lembro que vim aqui umas duas ou três vezes de passagem nesse período
dos anos 2000, enquanto era estudante. E é curioso como eu me encontro com a UFF em outras duas situações, por
exemplo, quando me doutorei em 2012 e já estava apto para fazer concurso para
magistério superior pleno. Esse foi o primeiro concurso que fiz para cá. Eu
defendi minha tese em abril e em maio de 2012 houve um concurso para UFF Campos para a área de sociologia, que
aceitava a inscrição de antropólogos. Foi minha primeira aplicação e não passei
nem na primeira fase da prova teórica. Após um ano aproximadamente, houve outro
edital para uma vaga de Metodologia para Ciências Sociais e dessa vez me
preparei de uma forma muito mais cuidadosa e focada.
Nesse momento, eu estava realizando estágio pós-doutoral no
Instituto de Nacional de Ciência e Tecnologia - Instituto de Estudos Comparados
em Administração Institucional de Conflitos (INCT-InEAC), em Niterói. Então, a UFF está na minha formação há muito tempo: da
minha formação em antropologia a professor
substituto.
Mas o curioso foi que em 2013, quando apliquei para esse concurso, fui
bem-sucedido com o primeiro lugar. A UFF Campos entra definitivamente na minha
vida a partir de então, desse terceiro momento. Acho que falei de três momentos
aqui. Um que foi quando a UFF Campos era muito distante para mim e a UENF era muito central na época. O segundo momento foi
quando tentei o primeiro concurso e não passei; e o terceiro, um ano depois, que é o que me faz virar professor e construir minha
trajetória profissional, que tenho feito até os dias de hoje com muito gosto.
Isso também marca o início de uma trajetória madura. Eu dou aula
há muito tempo. Ministrei aulas no ensino privado por muitos anos, inclusive
enquanto fazia mestrado e doutorado. Entretanto, entrar na UFF Campos foi um divisor
de águas para mim, para a minha carreira, para a minha identidade profissional
e para minha estabilidade financeira e
emocional. Brinco que, de fato, eu queria muito estar na UFF Campos, pois fiz o
primeiro concurso e não passei, fiz para outros lugares, não consegui; e voltei
a tentar a UFF Campos, não desisti e consegui entrar no segundo concurso em
primeiro lugar.
Eu acho que olhando retrospectivamente a minha trajetória,
acredito que não há coincidência em tudo que aconteceu. Não sou de Campos, e
quando chego à UENF me debrucei em muitas pesquisas de campo na região. Faço
etnografias desde muito cedo na graduação, inclusive, trabalho esse que eu
acabei levando adiante. Não só o trabalho, mas
também as relações com os pesquisadores aqui da baixada campista. Comecei a
construir essas relações nessa época e elas foram
ganhando outros contornos e se aprofundando, me levando para outros caminhos,
justamente, quando me fixo aqui. Então, a UFF Campos me ajuda a consolidar e a
aprofundar uma relação pessoal, profissional e, sem dúvida nenhuma, afetiva que
eu tenho nutrido nos últimos 20 anos da minha vida com a região do norte
fluminense, em especial, com a cidade de Campos dos Goytacazes.
Mesmo eu tendo ido para a UFF Niterói fazer mestrado, doutorado e
depois estágio de doutorado também, como sempre trabalhei com os pescadores
artesanais dessa região, especialmente, do distrito Ponta Grossa dos Fidalgos,
é como se UFF Campos tivesse me possibilitado ao ingressar como professor, o
aprofundamento do meu ponto de vista e da minha trajetória atual como professor
e pesquisador, bem como a possibilidade de construir e atualizar a existência
prática do Núcleo de Estudos Antropológicos do Norte Fluminense (Neanf/UFF),
que fiz parte como estudante ainda na graduação na UENF. O coordenador do grupo,
Prof. Dr. Arno Vogel, foi o meu orientador de graduação, e era o professor
titular de Antropologia e coordenador do
núcleo de pesquisa. E quando entro como professor, em uma conversa com o Arno, em uma fase em que estava
restaurando e refazendo a minha rede de contatos pessoais e profissionais, ele
falou: “Zé, por que você agora que virou professor da UFF de Campos, não
refunda o NEANF?”. O núcleo, na época, estava
desativado. O Arno estava caminhando para a aposentadoria, sem orientando, e
não estava na pós-graduação. Então, ele me deu essa ideia. Ele me animou muito e refundamos o
núcleo formalmente, passando a integrar o
Diretório de Grupos de Pesquisa do CNPq em 2014/2015. Com certeza, o marco da
refundação do núcleo é a publicação do meu
livro sobre os pescadores de Portugal e de Campos, em 2015. Fizemos o
lançamento no auditório daqui da UFF Campos com outros colegas, e foi uma
espécie de relançamento do próprio núcleo.
Esse meu primeiro livro é fruto da minha tese. Então, fizemos essa ritualização
de refundação do Núcleo, com o Arno passando o bastão para mim, para que eu
pudesse junto com os alunos, tocar as pesquisas.
Em 2019, tivemos outro momento muito significativo, que foi o
lançamento de uma coletânea sobre pesca artesanal no norte fluminense. A
coletânea reuniu as primeiras pesquisas que eu orientei na UFF Campos. Tinham
quatro trabalhos de monografias sobre a pesca artesanal em lugares diferentes
aqui no Norte Fluminense, como Atafona
e Gargaú. Tinha também um trabalho sobre a comunidade que fica à beira da lagoa
do canteiro em Guarus e uma pesquisa sobre Ponta Grossa. O professor Sofiatti
contribuiu com um artigo e participou do lançamento. Então, esse dia também foi
muito legal por conta disso, a UFF Campos operando nessa história.
O núcleo se refundou e, em menos de
quatro anos depois, já tinham ali um conjunto
de monografias de bacharelado orientadas por mim, que conseguimos converter em
capítulos de livro. Portanto, todas as profissionais das Ciências Sociais
orientadas por mim, em 2018, estão formadas e já são autoras de trabalhos em
uma coletânea.
A UFF Campos tem um papel que dificilmente, se eu estivesse em
outro lugar, teria tido uma oportunidade de produzir uma coletânea ou orientar
pesquisas na região, por exemplo. A dimensão do nosso trabalho aqui é outra. A
gente produz conhecimento sobre a região. Mesmo não estando aqui no período de
mestrado e doutorado porque estava em Niterói, estive sempre bem-informado,
produzindo e fazendo trabalho de campo sobre a
região. É interessante que o crivo da produção acontece na UFF Campos
também.
O curso de Ciências Sociais ainda é muito jovem aqui na UFF
Campos. Eu ingressei no terceiro ano de
funcionamento do curso e já posso ser considerado um
dos mais antigos do Departamento de Ciências Sociais. Claro que muitos colegas já estavam aqui antes e acredito
que esse fato faz a gente ter essa relação mais afetiva com esse espaço. A
trajetória em Ciências Sociais é muito difícil, considerando que tem que
circular muito. Então, a gente pensa que o melhor lugar para se estar quando
se pensa em uma formação continuada é na universidade pública, pois é quando se
fixa em um espaço. A maioria das vagas hoje em dia é com dedicação exclusiva e
tudo aquilo que você faria de maneira
fragmentada, aqui você consegue concentrar num lugar só.
Então, acho que os professores chegam aqui com muita vontade, pois
além da disposição e sagacidade, a gente consegue encontrar estabilidade
institucional em um espaço onde se pode concentrar ensino, pesquisa e extensão.
Isso faz com que consigamos olhar de um modo carinhoso as nossas carreiras. É como se todo mundo, cada qual a sua
maneira, estivesse construindo uma identidade profissional muito forte a partir
da sua chegada aqui. Sou suspeito de falar
sobre isso porque tenho uma relação muito antiga com Campos, mas também vejo
colegas que vieram para cá e iniciaram sua carreira
aqui e compartilham das mesmas noções afetivas com esse espaço. A gente encontra isso aqui e acho isso muito legal.
Thaymara Assis: Professor, há alguma vivência ou acontecimento curioso na sua
trajetória na UFF Campos, que você queira compartilhar?
José Colaço: Acho
que o ano de 2018, que teve dificuldades em vários
aspectos, provocou em mim sensações muito difíceis. Em certa medida, o acontecimento não deixa de ser curioso
porque foram eventos que eu achava que não viveríamos dentro de uma
universidade daquela forma. Refiro-me a todo aquele momento tenso,
pré-eleitoral para presidente da República, que se une com as tragédias do
assassinato da Marielle Franco em março, o incêndio no Museu Nacional e vários
outros eventos muito negativos. Esses momentos expuseram para nós, o fracasso
que certamente vivíamos como sociedade. Acho que tivemos aqui, em escala micro,
porém muito forte, os efeitos dessas questões. Lembro porque foi muito
marcante, pois na época estava como conselheiro do Colegiado de Unidade, a
maneira complexa e difícil que foi lidar com a invasão que sofremos do Tribunal
Regional Eleitoral (TRE) no período das eleições. Classifico isso como curioso,
pois não imaginei que nós como uma universidade
pública federal,
poderíamos passar por aquilo da maneira que passamos, e com muita dificuldade,
inclusive, de gerir isso. Falo isso aqui e já falei publicamente, inclusive,
assinei o manifesto repudiando essa ação na época, e publicizamos isso via
Colegiado de Unidade. Eu não esperava que tivéssemos que dar uma resposta
diante de uma situação como aquela, e me saltou os olhos também por ser
ex-aluno de uma universidade pública e depois
como professor.
Me chamou atenção também a maneira de agir dos alunos que se
intitulavam de direita e tinham um movimento relacionado, se posicionando a
favor disso. Achei aquilo tudo muito a atualização e a reencarnação de um
momento muito tenso que vivíamos e, ao mesmo tempo, me chamava atenção o modo
como chegamos a esse ponto dentro de uma universidade. Não estamos falando de
uma escola onde essas disputas sempre existiram, por exemplo. Claro que a
universidade não é um lugar apartado disso tudo, mas a maneira que isso foi
vivido e experimentado aqui foi muito curiosa.
Uma memória boa, que entra nessa classificação de curiosidade é o
fato que a gente aqui da UFF Campos tem uma relação de proximidade muito
interessante entre os professores e alunos. Com isso, a possibilidade de construirmos projetos
profissionalmente muito interessantes com os alunos, justamente por conta do
tamanho físico, mas também por conta do tamanho quantitativo. Embora, tenha
crescido bastante após o Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e
Expansão das Universidades Federais (REUNI), pois antes tinham apenas dois
departamentos e o curso de Serviço Social. Aqui sempre existiu
essa questão positiva da proximidade, sobretudo, comparando com Niterói, onde o
campus é muito fragmentado e
disperso. Eu acho que aqui temos essa intimidade, que claro, vai criar
confusões também e situações que são difíceis de gerir, mas ao mesmo tempo as
boas implicações que podemos tirar disso, são justamente essas relações
próximas que te permitem encontrar com o professor e chamar para ir para uma
reunião de grupo de pesquisa. Você consegue circular de um jeito que acho que
em Niterói nós não conseguimos fazer e falo como quem foi aluno lá e trabalha
lá, atualmente, como professor do Programa de Pós-Graduação. Nós não temos a
mesma vivência e isso é muito legal.
Venho acompanhando de longe, estudantes que também são de fora das
Ciências Sociais, como de Psicologia, por exemplo, e que fazem transferência
para Niterói por várias razões importantes, como facilidade de moradia ou
questões pessoais mesmo. Outros vão para lá achando que irão encontrar uma
realidade maravilhosa, como se estivessem indo para um lugar melhor, uma
espécie de upgrade na formação e na
relação com a universidade, e acabam que muitos
se decepcionam. Tenho alguns relatos que chegam até mim, com alguns até
consegui conversar sobre isso, porque acaba sendo uma projeção de querer ir
para um lugar fisicamente maior, com mais recursos e possibilidades... E de
fato, você tem departamentos que quantitativamente podem ser maiores em termos
de professores, mas isso não significa que se reverta numa formação melhor, até
porque elas são muito semelhantes, você pega um curso com três ou quatro campos
diferentes, você vai olhar a ementa e é tudo muito parecido. Acho que aqui, a
gente ganha em um salto comparativo com essas relações de proximidade que
espaços mais intimistas profissionalmente possibilitam e há um ganho na
formação dos estudantes. É curioso pensar nisso porque é de certo modo uma
quebra do estereótipo. Acontece conosco também, tem gente que considera como só
uma ponte para fazer currículo estar aqui, e não é. A maioria fica aqui, e se
você pegar quem veio e ficou e quem veio e foi embora, por várias razões, é um
número muito pequeno. Então, corrobora com essa ideia que tem algo aqui que
atrai e fixa as pessoas e acredito que tem a ver com tudo isso que conversamos.
Nenhum comentário:
Postar um comentário