Fonte:
Arquivo pessoal de Jacqueline da Silva Deolindo
Entrevistada: Profª Drª
Jacqueline da Silva Deolindo
Thaymara
Assis: Qual é sua
maior memória da UFF Campos, professora?
Jacqueline Deolindo: Tenho várias memórias muito boas do uso desse espaço da UFF Campos, tenho lembrança da primeira vez que entrei na sala dos departamentos, um espaço compartilhado entre os coordenadores. Também me lembro de quando fiz o concurso público no prédio “Fandango”, tenho uma lembrança muito clara da sala em que dei aula, de quem estava naquele ambiente comigo, os outros candidatos aguardando na porta a sua vez.
A primeira
aula que dei, foi no bloco H, uma sala pequena no contêiner, que estava
abarrotada de gente, porque muitas pessoas nunca haviam feito a disciplina
Oficina de Texto, que entrou no currículo no segundo semestre de 2016. E muitos
alunos tiveram que se inscrever na disciplina para realizar uma espécie de
adaptação curricular, e por esse motivo houve uma lotação dessa disciplina que
não estava normalmente no currículo. Com isso, herdei muitos alunos neste
primeiro semestre na UFF.
Fonte:
Arquivo pessoal de Jacqueline da Silva Deolindo
Talvez a
memória mais bela em termos de cor, momento e troca foi exatamente nesse
gramado, onde estamos realizando essa entrevista. Quando fizemos o primeiro
sarau dos alunos do 1° período, saímos da sala de aula e fizemos esse sarau
aqui onde estamos sentadas, com uma grande roda de quase 60 alunos sentados na
grama. Fizemos leitura de poesia, teve aluna que cantou, alunos que falaram um
pouco de suas experiências em estarem em seu primeiro ano em uma universidade
pública, trouxerem textos autorais que às vezes eram crônicas, outras vezes
eram contos... Talvez essa seja a minha principal memória, guardo com muito
carinho as fotos daquele momento, a maioria desses alunos estão no mestrado, já
foram embora há um tempo. No início de 2020, participei da banca de monografia
de alguns deles.
Tenho para
mim que usei muito desses espaços da UFF Campos, seja para reuniões, cursos de
extensão, reunião de grupo de pesquisa com os alunos, já fiz orientação logo
ali no “Chiquinho” por conta da falta de salas, às vezes era inviável o
agendamento de uma sala para nos reunirmos, então sentávamos lá e fazíamos
nossa reunião, os diversos gatinhos que transitam por aqui também é uma ótima
lembrança. Já trouxe meu filho para as aulas e ele também já usou todo esse
espaço, essas são memórias que me marcam, mas a mais significativa, sem dúvida,
foi o sarau que fizemos aqui.
Posso dizer
que minha vida pode ser dividida antes e depois da UFF Campos. Não quer dizer
que antes eu não tenha já iniciado uma trajetória de valor, pelo contrário. É
justamente por essa trajetória de valor que estou aqui, reconheço isso. Mas a
UFF me despertou para questões que antes não estavam no meu radar, não me
preocupava com muitas dessas coisas, e sempre comento esse fato com os alunos
porque eu gosto dessas trocas. Gosto que eles tenham ciência de como isso
impacta as vidas das pessoas, e que eles não naturalizam certos discursos que
eles podem encontrar aqui quando chegam. Por exemplo, questões raciais nunca
estiveram entre as minhas preocupações até a UFF Campos se inserir na minha
trajetória, mesmo considerando o fato de eu vir de uma família de pessoas
negras, sempre falei sobre isso, mas nunca havia entendido de fato o real
significado da minha miscigenação, que contempla suíços, italianos e negros. E
ao pensar nas nacionalidades que descendo, não sei dizer a origem e
nacionalidade dos negros de minha família. Poucos negros e negras em nosso país
podem dizer que sabem exatamente de onde vieram. Pensar a respeito disso foi
algo que se iniciou aqui nesse espaço.
Recordo que
a primeira vez que algo aconteceu comigo em função do meu gênero, por ser
professora e não um professor, me deixou chocada e questionando a possibilidade
de ser real. Então diversas questões foram despertadas pela minha estadia aqui.
Para mim, sempre foi natural ser mulher e trabalhar inúmeras jornadas por dia,
criar filho e ser dona de casa, e de repente, chegando aqui na UFF eu começo a
problematizar isso e questionar que não necessariamente minha vida deveria ser
dessa maneira, e como a questão de gênero tinha total relação com essa
perspectiva que eu carregava. Em termos de conscientização, foi algo muito bom
para mim, principalmente, porque venho de um lugar onde não se discute isso.
Esses fatores nunca foram uma preocupação na minha família, nunca foi um
problema com o qual eu tive que me confrontar de uma maneira mais veemente. Não
era um mundo “cor de rosa” e pensar sobre isso teoricamente foi uma
oportunidade nesse espaço da UFF. Tive a oportunidade de aprender sobre autores
que eu nunca tinha visto na vida, alguns autores conheci por meio dos meus
alunos e essa troca perceptível que vivenciei foi e é muito gratificante.
Acredito
que a Universidade precisa dessa troca, eu não venho impor nada, e eu preciso
estar aberta a uma série de coisas porque as Ciências Sociais não são a minha
área, sou da área da Comunicação. E da mesma maneira que fui recebida com
generosidade pelos alunos, colegas de departamento e professores, todos se
abriram para ouvir o que eu tinha para dizer e eu fiz isso com muita alegria,
então, posso dizer que a UFF me impactou dessa forma.
Um outro
impacto importante é que aprendi coisas aqui que melhoraram minhas competências,
como por exemplo, aqui eu me tornei editora científica da Revista Planície
Científica, que foi um marco muito importante para mim, e aprendi a fazer
revista ali, trabalhando com a professora Gisele Almeida e com os nossos alunos
editores. Neste momento não faço mais parte da revista, saí para tocar outros
projetos, mas a Planície me formou e foi uma experiência sensacional, e tenho
muito o que aprender ainda.
Fonte: Arquivo pessoal de Jacqueline da Silva Deolindo
Uma outra
experiência linda, foi publicar os meus alunos, não só na revista, mas
organizar um livro com os trabalhos deles em 2019. Fiz uma coleta de textos de
alunos desde 2016 e publicamos o ebook, lançamos na Vila Maria com noite de
lançamento e foi muito bacana. No momento já penso numa segunda edição, então é
uma satisfação muito grande saber que de alguma forma eu ajudei e fui ajudada.
No momento
que me sento com os alunos na Oficina de Texto II, principalmente, com o
objetivo de entender os seus tópicos do texto final, vou entendendo melhor
tanto a vivência dos alunos, quanto os novos conceitos são pesquisados por
eles. Nesses últimos semestres, temos trabalhado outros gêneros, como projeto
de pesquisa, ensaio, artigo e quando os alunos começam a explicar o porquê da
escolha do tema que eles pretendem produzir, sobretudo quando estão com
dificuldade de colocar no papel, é sensacional a partilha e o resultado disso.
Pude ouvir histórias que mudaram completamente a minha maneira de ver e lidar
com determinadas coisas e situações, e isso os alunos não sabem. Os alunos
enxergam o nosso crescimento enquanto docente, enquanto pesquisador, nos veem
publicando, indo para congressos, muitas vezes parece que chegamos prontos,
outras vezes vocês veem a gente caminhando profissionalmente, crescendo e
avançando, mas o nosso desenvolvimento pessoal as vezes não é notado, por conta
dessa relação que temos em sala de aula. E acredito que saber, que nós nos
desenvolvemos também como pessoas, como indivíduo, é fundamental.
Cenas
lindas e emocionantes nós lidamos todos os dias, inclusive fora desse espaço,
porque nesse período de pandemia, inclusive, muitos alunos tiveram que ajudar
as suas famílias e trabalhar. Muitos acabaram deixando a universidade, e fico
muito emocionada quando me deparo com alunos que já não estão mais nesse
espaço. Estamos registrando agora o que está aqui, o que ainda estamos vendo,
mas existem histórias que extrapolaram esse campus, tanto de sucesso
daqueles que conseguiram se formar e estão hoje no mestrado, alunos que me
ligam e dizem que foram aprovados na pós-graduação, e a gente chora junto por
telefone. Foi o caso do Milton Santos, por quem tenho um carinho enorme. Milton
trabalhava na feira, vendeu os livros dele para conseguir permanecer na universidade,
ele fez um brechó/sebo de livros, e as pessoas levaram tudo, inclusive eu que
fiquei com alguns e disse para ele que um dia eu iria devolvê-los, que eles
continuariam sendo dele, e a minha compra havia sido uma espécie de incentivo.
Ele passou no último concurso para história, e é um ex-aluno que sempre volta
aqui quando há oportunidade, para falar com meus alunos. Meu primeiro monitor,
o Taiwan Leite, que foi para Niterói e eu tive a oportunidade de fazer parte da
sua banca de TCC em outro curso, e foi muito legal isso, porque ele voltou para
me levar para sua banca que foi online. Minha primeira aluna de
iniciação científica também foi aqui na UFF Campos, a Anelize, que se casou
recentemente e está no mestrado. Participei de dois anos da vida dela enquanto
bolsista, vi ela crescer como pesquisadora. São histórias que extrapolam esse
ambiente!
Outra
memória daqui é o cheiro de plástico do contêiner, com certeza. Você entra à
noite em uma sala fechada que pegou sol a tarde inteira, principalmente, a
F202. Quando entro para dar aula tenho que abrir tudo e esperar arejar. São as
lembranças que ficam, que despertam sensações, nosso olfato, visão, tato... são
as que de fato marcam. É isso que temos aqui nesse espaço, os pássaros cantando
e gatinhos andando - que aliás, só ontem tinham cinco filhotinhos perto do
bloco H. Devo dizer que é um espaço muito bonito e histórico, a UFF Campos
começa aqui, o curso de Ciências Sociais alocado naquela construção
pequenininha logo ali. Espero que possamos construir memórias tão boas quanto
essas no novo campus.
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