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quinta-feira, 2 de dezembro de 2021

Um clássico e seu tempo: Max Weber e a desconfiança da participação política popular

                                            Escrito por Leonardo Almeida da Silva (UNEMAT)

 


Parlamento da República de Weimar

 

Em inícios do século XX, baixo a influência de princípios dos escritos federalistas e da experiência norte-americana, bem como da corrente utilitarista, surge a ideia de um elitismo competitivo que colocava ao povo, no processo democrático, a tarefa de tomador de decisões, porém alijada de qualquer possibilidade de excessos e ladeada de mecanismos para evitar o abuso de poder da maioria (MARQUES, 2007).

            Neste contexto, vive e produz grande parte de sua sociologia o pensador alemão Max Weber (1864-1920), o qual não pretendia exatamente uma teorização sistemática acerca da democracia enquanto um campo de estudos seu, tal qual outros temas aos quais se dedicou como a religião, a economia, ou o avanço da racionalização e da burocratização na modernidade. O autor tinha preocupações, de fato, com a situação prática da Alemanha em guerra e com as consequências do período de Bismarck (VALENTE, 2006, p. 49), o que pode ser apreendido principalmente a partir da leitura de Parlamento e governo em uma Alemanha reconstruída (1980), provavelmente a principal peça de seu corpus teórico produzido sobre política e democracia, ao lado de A Política como Vocação (1982). Em linhas gerais, entendemos que sua visão era a de que um Parlamento forte seria a solução para a defesa da sociedade frente a um crescente processo de burocratização.

            Esta primeira obra é escrita em um momento da vida de Max Weber profundamente marcado pelo contexto do reordenamento político pelo qual passava a Alemanha, durante os primeiros anos da República de Weimar. A racionalização, na teoria weberiana, estava diretamente acompanhada da disseminação da burocracia. Assim, o autor aplica o conceito, claro, ao Estado, mas diferente de Marx e Engels, por exemplo, considerava as demais organizações e esferas sociais, como as fábricas, os partidos políticos, as entidades religiosas, as universidades etc. (HELD, 1987). Já no que se refere à democracia, em diversos trechos da obra é possível perceber uma noção da veia ligada ao que seria chamado posteriormente de elitismo competitivo, qual seja, uma visão de democracia esvaziada de participação popular e de qualquer mecanismo de prestação de contas. Diz o autor:

 

            Assim, a participação da plebe é limitada à colaboração e votação durante as eleições, que ocorrem a intervalos relativamente longos, e à discussão de resoluções cujos efeitos são sempre controlados em larga escala pelos líderes (...). O eleitor comum, que não pertence a nenhuma organização e é cortejado pelos partidos, é completamente inativo; os partidos notam-no principalmente durante as eleições, de outra forma somente através de propaganda e ele dirigida (WEBER, 1980, p. 68).

                              Berlim, 1924

 

            Em A Política como Vocação (1982), Weber deixa clara sua visão pessimista quanto à emotividade das massas na compreensão de assuntos públicos. Deste modo ele enxerga a democracia como espaço para testar líderes em potencial, uma espécie de mecanismo para selecionar os mais competentes em detrimento de políticos profissionais sem vocação (HELD, 1987). Diz o sociólogo:

            O perigo político da democracia de massas para o Estado jaz primeiramente na possibilidade de elementos emocionais virem a predominar na política. A “massa” como tal (independentemente das camadas sociais que a compõem em qualquer exemplo particular) só é capaz de pensar a curto prazo. Pois, como toda experiência mostra, ela está sempre exposta a influências diretas puramente emocionais e irracionais (...). Uma mente fria e clara – e é disso, afinal de contas, que depende o sucesso na política, especialmente na política democrática – predomina de forma tão mais acentuada numa tomada de decisão responsável 1) quanto menor for o número dos que tomam essa decisão, e 2) quanto mais claras forem as responsabilidades para cada qual deles e para aqueles a quem lideram (WEBER, 1980, pp. 82-83).

            Na teoria weberiana, o Estado, além da territorialidade e do uso legítimo da violência, possui a noção de legitimidade como sendo um terceiro elemento distintivo. Ou seja, a crença na legalidade no monopólio do uso da coerção física é o que garante a legitimidade deste mesmo monopólio. Em síntese, é sobre a autoridade legal com seus códigos de regulamentos que a legitimidade do Estado está fundada, e não mais meramente na tradição ou em lideranças individuais.

            Assim, um dos pontos cruciais da análise weberiana acerca da democracia com a sua consequente redução a um processo de treinamento e seleção de lideranças políticas, o que seria melhor desenvolvido posteriormente, sobretudo por Joseph Schumpeter, é a conexão da noção de legalidade ligada à de legitimidade, o que faria com que o cumprimento de certas formalidades fosse condição suficiente para a legitimação política, o que teria acarretado na tendência que se tornaria dominante no ideário do elitismo competitivo de se compreender e analisar a democracia em termos meramente procedimentais. Assim, a visão da dominação racional-legal acoplando a noção de legitimidade nas sociedades modernas seria o pano de fundo epistemológico para a defesa de uma concepção de democracia esvaziada de qualquer conteúdo mais substantivo, podendo assim ser instrumentalizada como forma, enfim, como procedimento. Por isso, a análise sociopolítica centrada no poder e nos tomadores de decisão (VITULLO, 2005). Para Weber, com a política de massas com participação extensa, o Parlamento perde lugar para os partidos como lócus principal. Com a extensão do sufrágio, os partidos passam a ser “meios para lutar e ganhar eleições” (HELD, 1987, p. 142).

            Em síntese, o pensamento político-social de Max Weber foi de extrema importância para os que possuíam uma visão bastante reservada em relação à democracia como forma de exercício da vontade popular[1]. Apenas e tão somente o Parlamento poderia conter o avanço do poder da burocracia na perspectiva política weberiana. A extensão do sufrágio, no entanto, faz com que os partidos de notáveis dê lugar aos partidos de massa. Assim, a burocratização da atividade partidária dá lugar a políticos profissionais no lugar dos verdadeiros líderes políticos, os políticos por vocação. A visão weberiana é a de que demagogia torna-se um ponto central da vida política. Assim, a extensão da franquia eleitoral, conforme Weber, ao modificar o mecanismo de seleção das lideranças políticas introduz um elemento que para ele era irracional: a vontade das massas (SELL, 2010).

Referências

HELD, David. Modelos de Democracia. Belo Horizonte: Paidéia, 1987.

MARQUES, Danusa. Democracia e ciências sociais no Brasil (1985-2005). Dissertação (Mestrado em Ciência Política). Universidade de Brasília, Brasília, 2007.

SELL, Carlos Eduardo. Max Weber: Democracia parlamentar ou plebiscitária? In: Rev. Sociol. Polít., Curitiba, v. 18, n. 37, p. 137-147, out. 2010.

VITULLO, Gabriel Eduardo. Além da transitologia e da consolidologia: um estudo da democracia argentina realmente existente. Tese de doutorado em Ciência Política, UFRGS. Porto Alegre, 2005.

WEBER, Max. Parlamento e governo em uma Alemanha reconstruída. In: Os Pensadores. 2ª edição. São Paulo. Abril Cultural, 1980.

_____. A Política como vocação. A ciência como vocação. In: Ensaios de Sociologia. 5ª ed. Rio de Janeiro: Editora Guanabara, 1982.

 



[1] “A democratização e a demagogia andam juntas, mas – repitamo-lo – independentemente da espécie de Constituição, na medida em que as massas não mais possam ser tratadas como objetos de administração puramente passivos, isto é, na medida em que suas atitudes tenham alguma importância ativa” (Weber, 1980, p. 74).

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