Escrito
por Leonardo Almeida da Silva (UNEMAT)
Parlamento da República de Weimar
Em inícios do século XX, baixo a influência de princípios
dos escritos federalistas e da experiência norte-americana, bem como da corrente
utilitarista, surge a ideia de um elitismo
competitivo que colocava ao povo, no processo democrático, a tarefa de
tomador de decisões, porém alijada de qualquer possibilidade de excessos e ladeada
de mecanismos para evitar o abuso de poder da maioria (MARQUES, 2007).
Neste
contexto, vive e produz grande parte de sua sociologia o pensador alemão Max Weber
(1864-1920), o qual não pretendia exatamente uma teorização sistemática acerca
da democracia enquanto um campo de estudos seu, tal qual outros temas aos quais
se dedicou como a religião, a economia, ou o avanço da racionalização e da
burocratização na modernidade. O autor tinha preocupações, de fato, com a
situação prática da Alemanha em guerra e com as consequências do período de
Bismarck (VALENTE, 2006, p. 49), o que pode ser apreendido principalmente a
partir da leitura de Parlamento e governo
em uma Alemanha reconstruída (1980), provavelmente a principal peça de seu
corpus teórico produzido sobre política e democracia, ao lado de A Política como Vocação (1982). Em
linhas gerais, entendemos que sua visão era a de que um Parlamento forte seria
a solução para a defesa da sociedade frente a um crescente processo de
burocratização.
Esta
primeira obra é escrita em um momento da vida de Max Weber profundamente
marcado pelo contexto do reordenamento político pelo qual passava a Alemanha,
durante os primeiros anos da República de Weimar. A racionalização, na teoria weberiana, estava diretamente
acompanhada da disseminação da burocracia. Assim, o autor aplica o conceito,
claro, ao Estado, mas diferente de Marx e Engels, por exemplo, considerava as
demais organizações e esferas sociais, como as fábricas, os partidos políticos,
as entidades religiosas, as universidades etc. (HELD, 1987). Já no que se refere à democracia, em diversos trechos da obra
é possível perceber uma noção da veia ligada ao que seria chamado
posteriormente de elitismo competitivo,
qual seja, uma visão de democracia esvaziada de participação popular e de
qualquer mecanismo de prestação de contas. Diz o autor:
Assim, a participação da plebe é limitada à colaboração e votação durante as eleições, que ocorrem a intervalos relativamente longos, e à discussão de resoluções cujos efeitos são sempre controlados em larga escala pelos líderes (...). O eleitor comum, que não pertence a nenhuma organização e é cortejado pelos partidos, é completamente inativo; os partidos notam-no principalmente durante as eleições, de outra forma somente através de propaganda e ele dirigida (WEBER, 1980, p. 68).
Berlim, 1924
Em A Política como
Vocação (1982), Weber deixa clara sua visão pessimista quanto à emotividade
das massas na compreensão de assuntos públicos. Deste modo ele enxerga a
democracia como espaço para testar líderes em potencial, uma espécie de
mecanismo para selecionar os mais competentes em detrimento de políticos
profissionais sem vocação (HELD, 1987). Diz o sociólogo:
O perigo político da democracia de
massas para o Estado jaz primeiramente na possibilidade de elementos emocionais
virem a predominar na política. A “massa” como tal (independentemente das
camadas sociais que a compõem em qualquer exemplo particular) só é capaz de
pensar a curto prazo. Pois, como toda experiência mostra, ela está sempre
exposta a influências diretas puramente emocionais e irracionais (...). Uma
mente fria e clara – e é disso, afinal de contas, que depende o sucesso na
política, especialmente na política democrática – predomina de forma tão mais
acentuada numa tomada de decisão responsável 1) quanto menor for o número dos
que tomam essa decisão, e 2) quanto mais claras forem as responsabilidades para
cada qual deles e para aqueles a quem lideram (WEBER, 1980, pp. 82-83).
Na
teoria weberiana, o Estado, além da territorialidade e do uso legítimo da
violência, possui a noção de legitimidade como sendo um terceiro elemento
distintivo. Ou seja, a crença na legalidade no monopólio do uso da coerção
física é o que garante a legitimidade deste mesmo monopólio. Em síntese, é
sobre a autoridade legal com seus códigos de regulamentos que a legitimidade do
Estado está fundada, e não mais meramente na tradição ou em lideranças individuais.
Assim,
um dos pontos cruciais da análise weberiana acerca da democracia com a sua
consequente redução a um processo de treinamento e seleção de lideranças
políticas, o que seria melhor desenvolvido posteriormente, sobretudo por Joseph
Schumpeter, é a conexão da noção de legalidade ligada à de legitimidade, o que
faria com que o cumprimento de certas formalidades fosse condição suficiente
para a legitimação política, o que teria acarretado na tendência que se
tornaria dominante no ideário do elitismo competitivo de se compreender e
analisar a democracia em termos meramente procedimentais. Assim, a visão da
dominação racional-legal acoplando a noção de legitimidade nas sociedades
modernas seria o pano de fundo epistemológico para a defesa de uma concepção de
democracia esvaziada de qualquer conteúdo mais substantivo, podendo assim ser
instrumentalizada como forma, enfim, como procedimento. Por isso, a análise
sociopolítica centrada no poder e nos tomadores de decisão (VITULLO, 2005). Para Weber, com a política de massas com participação
extensa, o Parlamento perde lugar para os partidos como lócus principal. Com a
extensão do sufrágio, os partidos passam a ser “meios para lutar e ganhar
eleições” (HELD, 1987, p. 142).
Em
síntese, o pensamento político-social de Max Weber foi de extrema importância
para os que possuíam uma visão bastante reservada em relação à democracia como
forma de exercício da vontade popular[1].
Apenas e tão somente o Parlamento poderia conter o avanço do poder da
burocracia na perspectiva política weberiana. A extensão do sufrágio, no
entanto, faz com que os partidos de notáveis dê lugar aos partidos de massa.
Assim, a burocratização da atividade partidária dá lugar a políticos profissionais no lugar dos verdadeiros líderes políticos,
os políticos por vocação. A visão
weberiana é a de que demagogia torna-se um ponto central da vida política.
Assim, a extensão da franquia eleitoral, conforme Weber, ao modificar o
mecanismo de seleção das lideranças políticas introduz um elemento que para ele
era irracional: a vontade das massas (SELL,
2010).
Referências
HELD,
David. Modelos de Democracia. Belo Horizonte: Paidéia, 1987.
MARQUES, Danusa. Democracia e ciências
sociais no Brasil (1985-2005). Dissertação (Mestrado em Ciência Política). Universidade de
Brasília, Brasília, 2007.
SELL, Carlos Eduardo. Max Weber: Democracia parlamentar ou
plebiscitária? In: Rev. Sociol. Polít., Curitiba, v. 18, n. 37, p.
137-147, out. 2010.
VITULLO,
Gabriel Eduardo. Além da transitologia e da consolidologia: um estudo da
democracia argentina realmente existente. Tese de doutorado em Ciência
Política, UFRGS. Porto Alegre, 2005.
WEBER, Max. Parlamento e governo em uma Alemanha
reconstruída. In: Os Pensadores. 2ª edição. São Paulo. Abril Cultural,
1980.
_____.
A Política como vocação. A ciência como
vocação. In: Ensaios de Sociologia. 5ª ed. Rio de
Janeiro: Editora Guanabara, 1982.
[1] “A democratização
e a demagogia andam juntas, mas – repitamo-lo – independentemente da espécie de
Constituição, na medida em que as massas não mais possam ser tratadas como
objetos de administração puramente passivos, isto é, na medida em que suas
atitudes tenham alguma importância ativa” (Weber, 1980, p. 74).
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