No
dia 23 de julho houve a queda da Plataforma Lattes e outros sistemas de
informação científica do CNPq (Conselho Nacional de
Desenvolvimento Científico e Tecnológico)
ficaram instáveis. A plataforma ficou doze dias fora do ar até o
reestabelecimento gradual do acesso, o que inviabilizou o curso de muitos
processos avaliativos que dependiam de informações dos currículos dos
pesquisadores e instituições no Brasil. Esses processos significavam
oportunidades de financiamentos de pesquisa, seleções de pesquisadores para
diversos níveis, definições de membros de comitês, qualificações de pesquisas e
avaliação de programas de pós-graduações. Diante o caos instalado pela queda
inesperada do sistema, alguns desses processos seletivos e avaliativos tiveram
inscrições prorrogadas com a justificativa de que a apresentação dos currículos Lattes dos candidatos estava prejudicada. A
partir dessa perspectiva ampla e generalista, é possível intuir que o Currículo Lattes compõe um reduto burocrático de dados dos pesquisadores, tais como
nome completo, formação e atuação profissional. Entretanto, o preenchimento e a
entrega de um currículo possuem amplitude muito além da simples conferência e registro de dados pessoais e
profissionais.
O
objetivo do nosso texto é afirmar a relevância da Plataforma Lattes e um dos seus
componentes – o Currículo Lattes - não só como uma ferramenta que
representa a diversidade social e cultural de uma sociedade, que organiza
grupos, pesquisas e conhecimentos, como também uma importante política científica e tecnológica,
sobretudo, para o desenvolvimento econômico e social do país. Ademais, também consideramos
que a Plataforma Lattes, por meio dos inúmeros dados que ela reúne, favorece a
gestão e a produção de novos conhecimentos, podendo ser também considerada uma
política de informação.
A
Plataforma Lattes faz parte de um sistema integrado de informações gerenciado pelo CNPq.
Dentre os dados, estão os currículos e as informações de instituições das áreas
de ciência e tecnologia formatando o chamado Currículo Lattes. Esse organiza e representa um registro da
vida dos pesquisadores, constando desde dados pessoais quanto profissionais,
demarcando trajetórias, projetos e interesses de pesquisas.
O nome da
plataforma homenageia o físico César Lattes cujo trabalho foi fundamental para o
desenvolvimento da física atômica no Brasil. Lattes foi um grande líder na comunidade
científica brasileira e um dos responsáveis pela criação do CNPq. A plataforma
tem origem em 1999, com o Sistema de Currículos Lattes, e nasce da necessidade de um sistema
integrado de informações em ciência e tecnologia mantido também pela
Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES),
Financiadora de Estudos e Projetos (FINEP), Ministério da Ciência e Tecnologia
e outros órgãos de fomento científico. O desenvolvimento do sistema se deu aos
poucos e, atualmente, é uma plataforma essencial para a gestão da ciência,
tecnologia e inovação no país.
Manter
o Currículo Lattes
atualizado até se torna uma tarefa ordinária diante da necessidade e urgência
do preenchimento correto das informações. Ou seja, mais importante que inserir
informações no sistema, é necessário inserir e validar os dados corretamente.
De fato, o preenchimento do Currículo Lattes
não é um exercício intuitivo e muitas de suas instruções – no ícone Ajuda - não são claras e
objetivas. Pelo contrário, há
lacunas que possibilitam inclusões de dados divergentes, tornando o sistema um
pouco dúbio e baseado em critérios subjetivos. Diante disso, há muita
informação incorreta e um acúmulo quantitativo de dados incompletos no sistema.
Entretanto, essas dificuldades não reduzem a importância da plataforma que, sob ponto de vista
mais amplo, pode ter maior relevância por ser um patrimônio da memória
científica brasileira.
Em um estudo exploratório em bibliotecas digitais, encontramos poucos
trabalhos que consideram o Currículo Lattes como uma política pública ou
patrimônio científico. A maior parte dos escassos estudos que analisam a
ferramenta como objeto de pesquisa tendem a analisar biobliografias e perfis de
pesquisadores em amostragens de áreas, cursos e titulações.
Dentre
os poucos trabalhos que abordam o Currículo Lattes como política científica e tecnológica,
destaca-se o artigo de Letícia Estácio (2017, p. 309) que apresenta como as informações
inseridas na plataforma são fundamentais para o mapeamento da ciência e
tecnologia no país e favorece a gestão, orientação e fomento da produção de
conhecimento no Brasil. Também
cabe destaque para a pesquisa de Kátia Marques (2010, p. 251) por apontar a
Plataforma Lattes como canal de comunicação, processamento, armazenamento e
recuperação da informação e, consequentemente, produção de novos conhecimentos.
Fato é que precisamos reconhecer o Currículo Lattes para além de um ritual meramente
administrativo, percebendo-o como um instrumento que permite a definição de
indicadores de desempenho da produção científica no país, oferecendo subsídios
para tomadas de decisões sobre a aplicação de recursos para a área de ciência e
tecnologia, sinalizando diversidades científicas e tecnológicas de cada região.
Ademais, o Currículo Lattes é um instrumento que fornece ao seu usuário uma
cadeia de interpretações de novas informações que permite tracejar
possibilidades profissionais e construções de subjetividades. Afinal, o que
representa o espaço para o registro dos períodos de licença-maternidade
de pesquisadoras na Plataforma a partir de abril de 2020? Quais desigualdades
de gênero também
atravessam carreiras acadêmicas de mulheres e mães? O que essas desigualdades
projetadas revelam da sociedade?
O
sociólogo Simon Schwartzman
(1984) enfatiza que políticas científicas são e
devem ser elaboradas de forma inseparáveis do processo da construção das
tradições do trabalho, práticas empíricas e consolidação dos resultados. Ou
seja, políticas nacionais eficientes de Ciência, Tecnologia e Inovação
que, de fato, impactam o desenvolvimento da sociedade nascem de demandas e
debates de grupos de pesquisas, de rotinas de laboratórios e percepções que
ocupam os corredores dos departamentos.
O
desmonte de uma política em curso pode ser prejudicial ao desenvolvimento de um
país e é esse o significado do descaso com a manutenção da engenharia que
estrutura o sistema de informação em questão. Contribuir para que a Plataforma
Lattes seja mais participativa e colaborativa, que suas informações sejam
validadas e que os dados e os problemas representem com fidelidade a realidade
brasileira. Esse sim é um ponto necessário e pertinente para reflexão, afinal,
o preenchimento do Lattes é um ato de cidadania.
Referências
ESTÁCIO,
Letícia Silvana dos Santos. A importância do Currículo Lattes como ferramenta que representa a ciência, tecnologia e inovação
no país. Revista
ACB, Florianópolis, v. 22, n. esp, p. 300-311,
abr./jul. 2017. Disponível em: https://revista.acbsc.org.br/racb/article/view/1353.
Acesso em: 22 nov. 2021.
MARQUES,
Katia Cunha. A Plataforma Lattes e a organização da informação. Revista Gestão e Planejamento,
Salvador, v. 11, n. 2, p. 250-266, jul./dez. 2010. Disponível em:
https://revistas.unifacs.br/index.php/rgb/article/view/791. Acesso em: 22 nov.
2021.
SCHWARTZMAN,
Simon. A política brasileira de publicações científicas e técnicas: reflexões. Revista
Brasileira de Tecnologia, Brasília, v.15, n. 3, maio - junho, 1984, 25-32.
Disponível em: http://www.schwartzman.org.br/simon/pol_pub.htm. Acesso em: 22 nov. 2021.
SANTOS,
Alice; WOBETO, Samara. A maternidade no Lattes:
mães pesquisadoras podem registrar período de licença-maternidade no currículo do CNPq
desde o último dia 15. Revista Arco: jornalismo científico e cultural,
06 maio 2021. Disponível em: < https://www.ufsm.br/midias/arco/maternidade-no-Lattes/>.
Acesso em: 22 nov. 2021.
Nenhum comentário:
Postar um comentário