As fake news são
notícias falsas disseminadas em meios de comunicação com a intenção de chamar a
atenção, desinformar e obter vantagens (BRAGA, 2018), atingindo e difamando a
imagem de algo, de alguém ou de um grupo de pessoas, ou mesmo de um pensamento.
É notório que a disseminação dessas notícias falsas se intensifica no período
eleitoral. Sabemos que este tipo de prática é facilmente espalhado pelas mídias
digitais, como foi possível atestar no processo eleitoral brasileiro de 2018.
O fenômeno das
fake news vem crescendo e alguns de seus exemplos vêm se tornando plataforma
política, como demonstram algumas figuras públicas, certos políticos e
criadores de conteúdo em meios digitais (como o Youtube). Isso pode afetar
disputas e resultados eleitorais e impactar princípios democráticos, como vem
sugerindo especialistas de várias áreas do conhecimento acerca, por exemplo,
das eleições presidenciais de 2016 que resultaram na vitória de Donald Trump
(nos Estados Unidos) e das eleições de 2018 no Brasil [1]. Em pelo menos seis
ações judiciais no Tribunal Superior Eleitoral - TSE, a chapa formada pelo
presidente da República, Jair Bolsonaro (sem partido), e o vice, Hamilton Mourão,
esteve envolvida no compartilhamento em massa de disparos de mensagens via
WhatsApp e na difusão de notícias falsas durante o processo eleitoral de 2018
[2].
Se nesse período
as campanhas eleitorais ocorreram vultosamente através do meio digital, nas
eleições de 2020 elas foram ainda mais intensas, já que, além da consolidação
do uso das redes sociais como busca de informação popular, a pandemia
ocasionada com o novo Corona Vírus limitou certos eventos de campanha eleitoral
que promoviam aglomerações.
É possível afirmar
que, após essas experiências eleitorais e uma pressão da sociedade civil sobre
o combate às fake news, vem crescendo a maior atenção ao fenômeno, tanto por
parte de estudiosos de diversas áreas (por exemplo, Ciência Política, Antropologia,
História, Linguística, Comunicação, Psicologia, Neurociências, Direito etc),
como vindo das instituições democráticas e estatais, tais como o Poder
Legislativo, ou o Judiciário (com novos protocolos vindos do TSE).
Em 2020, a Justiça
Eleitoral desenvolveu e aperfeiçoou mecanismos de combate a essas desordens
informativas disseminadas em redes sociais e em ferramentas de troca de
mensagens, investindo em propagandas e campanhas de fiscalização e combate a
estas notícias falsas nos meios de comunicação (como o rádio e a televisão) e
em plataformas digitais. Além disso, promoveu cursos para servidores dos
Tribunais Regionais, com a participação das plataformas Facebook, Instagram e
WhatsApp, que aderiram ao Programa de Enfrentamento à Desinformação com Foco
nas Eleições 2020 do TSE [3].
Este ano, os eleitores tiveram a sua disposição pelo menos três meios para denunciar irregularidades como as notícias falsas. As denúncias puderam ser registradas no Pardal, ou encaminhadas ao Ministério Público Eleitoral (MPE) e às Ouvidorias da Justiça Eleitoral. O Pardal é um aplicativo desenvolvido para este tipo de informação, onde o cidadão, após baixar a ferramenta, pode fazer fotos ou vídeos e enviá-los para a Justiça Eleitoral. De acordo com a localidade da denúncia, a interface web disponibilizada nos sites dos Tribunais Regionais Eleitorais (TREs) permite que estes acompanhem e analisem as denúncias.
Segundo o site do
TSE, só o Whatsapp baniu mais de mil contas no país após denúncias recebidas em
seus canais em 2020. Foram mais de quatro mil e quinhentas denúncias
acolhidas no período de 27 de setembro a 15 de novembro neste ano. E estes
números podem aumentar, pois o segundo turno ainda nem terminou [5].
Outros atores
sociais parecem também ter aprendido com a experiência das eleições passadas e
suas fake news. É o caso de figuras políticas que foram alvo destas falsas
notícias, como a candidata a prefeita de Porto Alegre, Manuela D’Ávila (PCdoB)
e o candidato a prefeito de São Paulo, Guilherme Boulos (PSOL), ambos chegando
ao segundo turno nestas disputas eleitorais de 2020.
É possível ver uma
atitude mais combativa em relação às fake news direcionadas aos candidatos, se
comparada com as posturas de suas candidaturas nas eleições de 2018, quando
estes participaram do pleito presidencial. Ou mesmo comparando com a
candidatura de Fernando Haddad (PT), que disputou o segundo turno com Bolsonaro
(PSL) na ocasião.
Mentiras ligando o
candidato petista à defesa do incesto, por exemplo, foram compartilhadas por
figuras como Olavo de Carvalho no seu canal de Youtube, que realizou uma
interpretação distorcida do livro de Haddad, apelando para a revolta de seus
seguidores [6]. A candidatura petista lançou uma nota desmentindo a afirmação,
que foi compartilhada por alguns veículos midiáticos e ratificada por sites de
checagem de notícias que desmentiram a afirmação de Carvalho. A mesma postura
foi tomada a partir de outros boatos. A tendência foi seguida por outros
candidatos, também alvos de fake news, como Manuela que era a candidata vice de
Haddad e Boulos, também candidato a presidente. Contudo, não foram suficientes
no que diz respeito à exclusão de vídeos e links com notícias falsas, ou à
interrupção dos compartilhamentos em massa.
Os processos
judiciais também não causaram o êxito esperado a tempo, além de terem sido
escassos, se comparados com o então candidato do PSL, campeão em número de
processos acusando oponentes de propagarem fake news (foram 42 ações de
Bolsonaro, e 22 de Haddad) [6].
Após o pleito de
2018, Manuela passou a rebater várias fake news criadas contra a sua imagem,
desmentindo e apresentando argumentos e provas contrárias às notícias falsas em
suas redes sociais. Chegou até a criar conteúdo específico sobre o tema em seu
canal de Youtube, com entrevistas e vídeos de respostas. Neste ano, antes do
dia da votação do primeiro turno, a candidata conseguiu a remoção de 91 links
com mentiras a seu respeito, graças ao ordenamento do TRE-RS (Tribunal Regional
Eleitoral do Rio Grande do Sul) direcionado ao Facebook, Instagram, Twitter e
ao YouTube [8].
Boulos, em 2020,
também aderiu à exposição das fake news em suas redes sociais, apresentando
esta postura em sua campanha eleitoral, ao dar mais visibilidade ao boato, correndo
o risco de levar a mentira até onde ela ainda não havia chegado. No entanto,
essa divulgação veio acompanhada de contra argumentações claras e com provas. É
possível ver ao longo de sua candidatura em São Paulo vídeos rebatendo fake
news relacionadas aos seus pais, ao seu envolvimento no Movimento dos
Trabalhadores Sem Teto – MTST e à postura desse movimento social. Ele até mesmo
rebate essas acusações diretamente às pessoas nas ruas que, em entrevistas,
reproduzem esses boatos.
Estas práticas
mostraram-se estratégias de campanha bem sucedidas, pois, ao invés de esconder
o boato e deixá-lo às margens, circulando nas bolhas de seus adversários, os
candidatos expõem para um número cada vez maior de pessoas aquela informação
equivocada atrelada a um contra argumento, expondo e causando desconforto
àqueles que reproduziram o conteúdo falacioso.
As medidas e fatos
apresentados acima mostram que as chamadas fake news são mais bem combatidas em
conjunto, partindo de ações de educação, fiscalização e debate público. Estas
medidas contribuíram para um cenário eleitoral com menos desinformação. É o que
afirmou o presidente do TSE, o ministro Luís Roberto Barroso, antes da votação
do primeiro turno: “Ainda temos dois dias até as eleições. Mas, talvez, nos
últimos tempos, esta tenha sido a eleição com menor incidência de notícias
fraudulentas” [9].
As eleições de
2020 já apresentaram avanços, mas ainda há muito a se pensar e a fazer para
combater e diminuir este mal presente em nosso meio, sobretudo no “tempo da política”
(PALMEIRA, GOLDMAN, 1996).
[1] Diversos
artigos sobre o assunto foram produzidos, (ALLCOTT, GENTZKOW, 2017), (BOVET,
MAKSE, 2019), (ARDUINO, MORAES, 2019), (SARLET, SIQUEIRA, 2020), dentre outros.
[2] Matéria
“Eleição de 2020 terá mesmos problemas de fake news de 2018, dizem
especialistas”, disponivel em https://www.bbc.com/portuguese/brasil-53187041.
[3] Como é
possivel ver nas matérias “Facebook, Instagram e WhatsApp participam de curso
do TSE sobre combate às fake news nas Eleições 2020” e “TSE faz campanha contra
a desinformação: “Se for fake news, não transmita”, disponíveis em https://www.tse.jus.br/imprensa/noticias-tse/2020/Setembro/facebook-instagram-e-whatsapp-participam-de-curso-do-tse-sobre-combate-as-fake-news-nas-eleicoes-2020 e https://www.tse.jus.br/imprensa/noticias-tse/2020/Julho/tse-faz-campanha-contra-a-desinformacao-201cse-for-fake-news-nao-transmita201d.
[4] “Eleitor conta
com vários canais para denunciar fake news e outras irregularidades nas
Eleições 2020”, disponível em https://www.tse.jus.br/imprensa/noticias-tse/2020/Outubro/eleitor-conta-com-varios-canais-para-denunciar-fake-news-e-outras-irregularidades-nas-eleicoes-2020.
[5] Matéria
“WhatsApp bane mais de mil contas no país após denúncias recebidas em canal do
TSE”, disponivel em https://www.tse.jus.br/imprensa/noticias-tse/2020/Novembro/whatsapp-bane-mais-de-mil-contas-no-pais-apos-denuncias-recebidas-em-canal-do-tse.
[6] “Cinco ‘fake
news’ que beneficiaram a candidatura de Bolsonaro”, disponível em https://brasil.elpais.com/brasil/2018/10/18/actualidad/1539847547_146583.html.
[7] Segundo
matéria “Haddad foi o maior alvo de ações por suspeita de propagar fake news,
seguido de Bolsonaro”, disponível em https://www1.folha.uol.com.br/poder/2019/12/haddad-foi-o-maior-alvo-de-acoes-por-suspeita-de-propagar-fake-news-seguido-de-bolsonaro.shtml.
[8] Ver em
“Justiça ordena exclusão de 91 links com mentiras sobre Manuela D'Ávila”,
disponível em https://noticias.uol.com.br/eleicoes/2020/11/10/justica-redes-sociais-novente-links-fake-news-manuela-davila.htm.
[9] Segundo
matéria “Eleições 2020: Barroso aponta 'nível mínimo' de fake news nas
campanhas municipais”, disponível em https://g1.globo.com/politica/eleicoes/2020/noticia/2020/11/13/eleicoes-2020-barroso-aponta-nivel-minimo-de-fake-news-nas-campanhas-municipais.ghtml.
BIBLIOGRAFIA
ALLCOTT, Hunt.
GENTZKOW, Matthew. Social Media and Fake News in the 2016
Election. Journal of Economic Perspectives—Volume 31, Number
2—Spring 2017—Pages 211–236.
ARDUINO, Luiz
Guilherme de Brito. MORAES, Vânia de. A Transmissão de fake news
como um recurso de propagabilidade durante a campanha eleitoral de 2018.
Intercom – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação
XXIV Congresso de Ciências da Comunicação na Região Sudeste – Vitória - ES – 03
a 05/06/2019.
BOVET, Alexandre
& MAKSE, Hernán. Influence of fake news in Twitter during the 2016 US
presidential election. Nature Communications. 2019.
BRAGA, Renê Morais
da Costa. A indústria das fakenews e o discurso de ódio. In: PEREIRA, Rodolfo
Viana (Org.). Direitos políticos, liberdade de expressão e discurso de ódio:
volume I. Belo Horizonte: Instituto para o Desenvolvimento Democrático, 2018.
p. 203-220.
PALMEIRA, Moacir.
GOLDMAN, Marcio (orgs.). Antropologia, voto e representação
política. Rio de Janeiro, Contra Capa, 1996.
SARLET, Ingo &
SIQUEIRA, Andressa. (2020). LIBERDADE DE EXPRESSÃO E SEUS LIMITES NUMA
DEMOCRACIA: o caso das assim chamadas “fake news” nas redes sociais em período
eleitoral no Brasil. REI - REVISTA ESTUDOS INSTITUCIONAIS. 6. 534-578. 10.21783/rei.v6i2.522.
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