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sexta-feira, 20 de novembro de 2020

Algumas considerações sobre fake news e as eleições municipais de 2020

 



 

As fake news são notícias falsas disseminadas em meios de comunicação com a intenção de chamar a atenção, desinformar e obter vantagens (BRAGA, 2018), atingindo e difamando a imagem de algo, de alguém ou de um grupo de pessoas, ou mesmo de um pensamento. É notório que a disseminação dessas notícias falsas se intensifica no período eleitoral. Sabemos que este tipo de prática é facilmente espalhado pelas mídias digitais, como foi possível atestar no processo eleitoral brasileiro de 2018.

O fenômeno das fake news vem crescendo e alguns de seus exemplos vêm se tornando plataforma política, como demonstram algumas figuras públicas, certos políticos e criadores de conteúdo em meios digitais (como o Youtube). Isso pode afetar disputas e resultados eleitorais e impactar princípios democráticos, como vem sugerindo especialistas de várias áreas do conhecimento acerca, por exemplo, das eleições presidenciais de 2016 que resultaram na vitória de Donald Trump (nos Estados Unidos) e das eleições de 2018 no Brasil [1]. Em pelo menos seis ações judiciais no Tribunal Superior Eleitoral - TSE, a chapa formada pelo presidente da República, Jair Bolsonaro (sem partido), e o vice, Hamilton Mourão, esteve envolvida no compartilhamento em massa de disparos de mensagens via WhatsApp e na difusão de notícias falsas durante o processo eleitoral de 2018 [2].

Se nesse período as campanhas eleitorais ocorreram vultosamente através do meio digital, nas eleições de 2020 elas foram ainda mais intensas, já que, além da consolidação do uso das redes sociais como busca de informação popular, a pandemia ocasionada com o novo Corona Vírus limitou certos eventos de campanha eleitoral que promoviam aglomerações.

É possível afirmar que, após essas experiências eleitorais e uma pressão da sociedade civil sobre o combate às fake news, vem crescendo a maior atenção ao fenômeno, tanto por parte de estudiosos de diversas áreas (por exemplo, Ciência Política, Antropologia, História, Linguística, Comunicação, Psicologia, Neurociências, Direito etc), como vindo das instituições democráticas e estatais, tais como o Poder Legislativo, ou o Judiciário (com novos protocolos vindos do TSE).

Em 2020, a Justiça Eleitoral desenvolveu e aperfeiçoou mecanismos de combate a essas desordens informativas disseminadas em redes sociais e em ferramentas de troca de mensagens, investindo em propagandas e campanhas de fiscalização e combate a estas notícias falsas nos meios de comunicação (como o rádio e a televisão) e em plataformas digitais. Além disso, promoveu cursos para servidores dos Tribunais Regionais, com a participação das plataformas Facebook, Instagram e WhatsApp, que aderiram ao Programa de Enfrentamento à Desinformação com Foco nas Eleições 2020 do TSE [3].

Este ano, os eleitores tiveram a sua disposição pelo menos três meios para denunciar irregularidades como as notícias falsas. As denúncias puderam ser registradas no Pardal, ou encaminhadas ao Ministério Público Eleitoral (MPE) e às Ouvidorias da Justiça Eleitoral. O Pardal é um aplicativo desenvolvido para este tipo de informação, onde o cidadão, após baixar a ferramenta, pode fazer fotos ou vídeos e enviá-los para a Justiça Eleitoral. De acordo com a localidade da denúncia, a interface web disponibilizada nos sites dos Tribunais Regionais Eleitorais (TREs) permite que estes acompanhem e analisem as denúncias. 

 

 “Entre as situações que podem ser denunciadas, estão o registro de uma propaganda irregular, como a existência de um outdoor de candidato – o que é proibido pela legislação –, e a participação de algum funcionário público em um ato de campanha durante o horário de expediente. Para este ano, foram implantadas algumas novidades, como a disponibilização de um link específico para que o denunciante possa registrar as denúncias diretamente no Ministério Público Eleitoral de cada unidade da Federação, além de maior rigor na identificação do denunciante”[4].

 


Segundo o site do TSE, só o Whatsapp baniu mais de mil contas no país após denúncias recebidas em seus canais em 2020.  Foram mais de quatro mil e quinhentas denúncias acolhidas no período de 27 de setembro a 15 de novembro neste ano. E estes números podem aumentar, pois o segundo turno ainda nem terminou [5].

Outros atores sociais parecem também ter aprendido com a experiência das eleições passadas e suas fake news. É o caso de figuras políticas que foram alvo destas falsas notícias, como a candidata a prefeita de Porto Alegre, Manuela D’Ávila (PCdoB) e o candidato a prefeito de São Paulo, Guilherme Boulos (PSOL), ambos chegando ao segundo turno nestas disputas eleitorais de 2020.

É possível ver uma atitude mais combativa em relação às fake news direcionadas aos candidatos, se comparada com as posturas de suas candidaturas nas eleições de 2018, quando estes participaram do pleito presidencial. Ou mesmo comparando com a candidatura de Fernando Haddad (PT), que disputou o segundo turno com Bolsonaro (PSL) na ocasião.

Mentiras ligando o candidato petista à defesa do incesto, por exemplo, foram compartilhadas por figuras como Olavo de Carvalho no seu canal de Youtube, que realizou uma interpretação distorcida do livro de Haddad, apelando para a revolta de seus seguidores [6]. A candidatura petista lançou uma nota desmentindo a afirmação, que foi compartilhada por alguns veículos midiáticos e ratificada por sites de checagem de notícias que desmentiram a afirmação de Carvalho. A mesma postura foi tomada a partir de outros boatos. A tendência foi seguida por outros candidatos, também alvos de fake news, como Manuela que era a candidata vice de Haddad e Boulos, também candidato a presidente. Contudo, não foram suficientes no que diz respeito à exclusão de vídeos e links com notícias falsas, ou à interrupção dos compartilhamentos em massa.

Os processos judiciais também não causaram o êxito esperado a tempo, além de terem sido escassos, se comparados com o então candidato do PSL, campeão em número de processos acusando oponentes de propagarem fake news (foram 42 ações de Bolsonaro, e 22 de Haddad) [6].

Após o pleito de 2018, Manuela passou a rebater várias fake news criadas contra a sua imagem, desmentindo e apresentando argumentos e provas contrárias às notícias falsas em suas redes sociais. Chegou até a criar conteúdo específico sobre o tema em seu canal de Youtube, com entrevistas e vídeos de respostas. Neste ano, antes do dia da votação do primeiro turno, a candidata conseguiu a remoção de 91 links com mentiras a seu respeito, graças ao ordenamento do TRE-RS (Tribunal Regional Eleitoral do Rio Grande do Sul) direcionado ao Facebook, Instagram, Twitter e ao YouTube [8].

Boulos, em 2020, também aderiu à exposição das fake news em suas redes sociais, apresentando esta postura em sua campanha eleitoral, ao dar mais visibilidade ao boato, correndo o risco de levar a mentira até onde ela ainda não havia chegado. No entanto, essa divulgação veio acompanhada de contra argumentações claras e com provas. É possível ver ao longo de sua candidatura em São Paulo vídeos rebatendo fake news relacionadas aos seus pais, ao seu envolvimento no Movimento dos Trabalhadores Sem Teto – MTST e à postura desse movimento social. Ele até mesmo rebate essas acusações diretamente às pessoas nas ruas que, em entrevistas, reproduzem esses boatos.

Estas práticas mostraram-se estratégias de campanha bem sucedidas, pois, ao invés de esconder o boato e deixá-lo às margens, circulando nas bolhas de seus adversários, os candidatos expõem para um número cada vez maior de pessoas aquela informação equivocada atrelada a um contra argumento, expondo e causando desconforto àqueles que reproduziram o conteúdo falacioso.

As medidas e fatos apresentados acima mostram que as chamadas fake news são mais bem combatidas em conjunto, partindo de ações de educação, fiscalização e debate público. Estas medidas contribuíram para um cenário eleitoral com menos desinformação. É o que afirmou o presidente do TSE, o ministro Luís Roberto Barroso, antes da votação do primeiro turno: “Ainda temos dois dias até as eleições. Mas, talvez, nos últimos tempos, esta tenha sido a eleição com menor incidência de notícias fraudulentas” [9].

As eleições de 2020 já apresentaram avanços, mas ainda há muito a se pensar e a fazer para combater e diminuir este mal presente em nosso meio, sobretudo no “tempo da política” (PALMEIRA, GOLDMAN, 1996).

 

[1] Diversos artigos sobre o assunto foram produzidos, (ALLCOTT, GENTZKOW, 2017), (BOVET, MAKSE, 2019), (ARDUINO, MORAES, 2019), (SARLET, SIQUEIRA, 2020), dentre outros.

[2] Matéria “Eleição de 2020 terá mesmos problemas de fake news de 2018, dizem especialistas”, disponivel em https://www.bbc.com/portuguese/brasil-53187041.

[3] Como é possivel ver nas matérias “Facebook, Instagram e WhatsApp participam de curso do TSE sobre combate às fake news nas Eleições 2020” e “TSE faz campanha contra a desinformação: “Se for fake news, não transmita”, disponíveis em https://www.tse.jus.br/imprensa/noticias-tse/2020/Setembro/facebook-instagram-e-whatsapp-participam-de-curso-do-tse-sobre-combate-as-fake-news-nas-eleicoes-2020 e https://www.tse.jus.br/imprensa/noticias-tse/2020/Julho/tse-faz-campanha-contra-a-desinformacao-201cse-for-fake-news-nao-transmita201d.

[4] “Eleitor conta com vários canais para denunciar fake news e outras irregularidades nas Eleições 2020”, disponível em https://www.tse.jus.br/imprensa/noticias-tse/2020/Outubro/eleitor-conta-com-varios-canais-para-denunciar-fake-news-e-outras-irregularidades-nas-eleicoes-2020.

[5] Matéria “WhatsApp bane mais de mil contas no país após denúncias recebidas em canal do TSE”, disponivel em https://www.tse.jus.br/imprensa/noticias-tse/2020/Novembro/whatsapp-bane-mais-de-mil-contas-no-pais-apos-denuncias-recebidas-em-canal-do-tse.

[6] “Cinco ‘fake news’ que beneficiaram a candidatura de Bolsonaro”, disponível em https://brasil.elpais.com/brasil/2018/10/18/actualidad/1539847547_146583.html.

[7] Segundo matéria “Haddad foi o maior alvo de ações por suspeita de propagar fake news, seguido de Bolsonaro”, disponível em https://www1.folha.uol.com.br/poder/2019/12/haddad-foi-o-maior-alvo-de-acoes-por-suspeita-de-propagar-fake-news-seguido-de-bolsonaro.shtml.

[8] Ver em “Justiça ordena exclusão de 91 links com mentiras sobre Manuela D'Ávila”, disponível em https://noticias.uol.com.br/eleicoes/2020/11/10/justica-redes-sociais-novente-links-fake-news-manuela-davila.htm.

[9] Segundo matéria “Eleições 2020: Barroso aponta 'nível mínimo' de fake news nas campanhas municipais”, disponível em https://g1.globo.com/politica/eleicoes/2020/noticia/2020/11/13/eleicoes-2020-barroso-aponta-nivel-minimo-de-fake-news-nas-campanhas-municipais.ghtml.

 

BIBLIOGRAFIA

ALLCOTT, Hunt. GENTZKOW, Matthew. Social Media and Fake News in the 2016 Election.  Journal of Economic Perspectives—Volume 31, Number 2—Spring 2017—Pages 211–236.

ARDUINO, Luiz Guilherme de Brito. MORAES, Vânia de.  A Transmissão de fake news como um recurso de propagabilidade durante a campanha eleitoral de 2018. Intercom – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação XXIV Congresso de Ciências da Comunicação na Região Sudeste – Vitória - ES – 03 a 05/06/2019.

BOVET, Alexandre & MAKSE, Hernán. Influence of fake news in Twitter during the 2016 US presidential election. Nature Communications. 2019.

BRAGA, Renê Morais da Costa. A indústria das fakenews e o discurso de ódio. In: PEREIRA, Rodolfo Viana (Org.). Direitos políticos, liberdade de expressão e discurso de ódio: volume I. Belo Horizonte: Instituto para o Desenvolvimento Democrático, 2018. p. 203-220.

PALMEIRA, Moacir. GOLDMAN, Marcio (orgs.). Antropologia, voto e representação política. Rio de Janeiro, Contra Capa, 1996. 

SARLET, Ingo & SIQUEIRA, Andressa. (2020). LIBERDADE DE EXPRESSÃO E SEUS LIMITES NUMA DEMOCRACIA: o caso das assim chamadas “fake news” nas redes sociais em período eleitoral no Brasil. REI - REVISTA ESTUDOS INSTITUCIONAIS. 6. 534-578. 10.21783/rei.v6i2.522.

 


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