Marechal Rondon com seu grande
amigo: Cadete, indígena Bororo. Fotografia de Heinz Forthmann. Acervo Museu do
Índio/FUNAI - spi09050.
Escrito
por Rodrigo Piquet Saboia de Mello (Museu do Índio/FUNAI)
Possivelmente
o maior expoente da política indigenista brasileira e para a existência dos
povos indígenas em nosso país seja Cândido Mariano da Silva Rondon, mais
conhecido como Marechal Rondon. Seu trabalho hercúleo nas selvas brasileiras
assegurou duas conquistas fundamentais para a constituição de nossa sociedade:
a proteção e reconhecimento de um país com dimensões continentais e a garantia da
sobrevivência dos povos indígenas. Com seu maior lema “morrer se preciso for,
matar jamais”, Rondon realizou um marco inédito da relação com povos excluídos
e, em muitos eventos, massacrados na relação assimétrica com a ação
colonizadora empreendida desde a chegada dos portugueses no Brasil.
Mas o porquê
desta lembrança do Marechal Rondon em conjuntura tão estranha? Tive a pouco
tempo a oportunidade da leitura da excelente obra intitulada “Rondon: uma
biografia” do jornalista norte-americano Larry Rohter (aquele mesmo que foi
ameaçado pelo então Presidente Lula de expulsão do país pela escrita de um
artigo para o New York Times sobre a insinuação de consumo do mesmo com
o álcool). A biografia escrita, apesar da existência de outras, tem dois
méritos logo de cara: é o primeiro trabalho biográfico escrito por um
norte-americano e há uma contemporaneidade muito pertinente do relato
humanístico e nacionalista efetuado por Rondon para qual podemos construir
pontes para refletir sobre os rumos da política indigenista no tempo atual e o
que Rondon poderá servir de farol para o tempo vindouro.
Muito
tem sido denunciado e relatado nos diversos meios de comunicação brasileiros, e
também na imprensa internacional, as intensas pressões que povos indígenas tem
sofrido nos últimos anos pela garantia das suas terras. Terras estas que foram
fomentadas e idealizadas pelo Marechal Rondon, inclusive a mais icônica: o
Parque Nacional do Xingu. Rondon e a sua política de pacificador dos sertões
garantiu e desenvolveu uma ação de proteção dessas plagas ocupadas pelos
intitulados silvícolas. Ou seja: muito antes da pauta ambiental se tornar o mainstream
global de mega celebridades midiáticas e suas conexões na grande mídia,
Rondon tinha a plena convicção que a missão de proa do Estado brasileiro seria
a segurança territorial (logo existencial) dos povos indígenas com a demarcação
e a presença estatal nos rincões do país, mais especificamente, com a atuação da
instituição idealizada por ele: o Serviço de Proteção aos Índios (SPI).
Em
tempos mais atuais (ou de fim do mundo) parece haver um novo indicativo no
horizonte: o entendimento de um tal excesso de terras indígenas demarcadas, ou
nas diversas fases de reconhecimento, e o mais espinhoso: que estas terras dos
povos indígenas, ou seja, da União, se tornaram um entrave para o
desenvolvimento econômico do Brasil. Lá em tempos idos, Rondon não tinha apenas
a ideia da conservação ambiental e da diversidade étnica brasileira, todavia,
como brilhante visionário antevia a importância da política indigenista para as
relações internacionais brasileiras e como esta iniciativa poderia render frutos
políticos e financeiros para o país.
Como
diria um grande poeta brasileiro, parece emergir um museu de grandes novidades
neste cenário atual. Agentes globais e grandes corporações dos países centrais
cada vez mais se preocupam com seus investimentos e de que maneira governos
manejam recursos que reputam imprescindíveis como: consolidação de valores
democráticos, transparência na gerência da máquina pública e, talvez um dos
principais vértices a serem avaliados, como minorias étnicas e terras devolutas
estão sendo gerenciados pelos Estados nacionais e a atuação dos stakeholders
ambientados no processo. Nada mais visionário no papel de líder
desempenhado por Rondon no início do século XX.
O que
hoje parece ter se tornado uma toada descabida de que povos indígenas
simbolizam o atraso para o desenvolvimento econômico do país deveria soar numa
diversa cantiga: que a diversidade étnica brasileira com seus mais de 200 povos
indígenas e a política territorial para esses povos, diga-se de passagem política
esta vigorosa como idealizada por Rondon, foi muito bem recepcionada e aventurada
no contrato social brasileiro pautada em relações pacíficas e amistosas. Assim,
o Brasil, utilizando um jargão muito popular em nosso país, demonstra ser um
país do futuro, com imensos recursos energéticos, uma robusta integração
territorial (também originada da odisseia de Rondon, suas linhas telegráficas e
pelas demarcações das fronteiras com apoio também dos povos indígenas) e,
principalmente, um país de dimensão continental sem qualquer celeuma contumaz como
em outros lugares do globo terrestre com intensas disputas territoriais com
países vizinhos e operações terroristas que assombram sociedades pelo mundo
afora.
Rondon
com seu ideário positivista, forte sentimento ético e nacionalismo, conseguiu
uma proeza invejada por países que hoje se ressentem das políticas adotadas (ou
melhor, não adotadas) de proteção aos povos indígenas, como nos Estados Unidos,
que dizimou boa parte da população ameríndia daquele território. Assim, o
também conhecido Patrono das Comunicações do Exército brasileiro deveria ser
mais escutado e debatido na alta administração pública brasileira com o fito de
compreender o alcance das conquistas até hoje remanescentes e que estão sendo
atacadas, quando não dilapidadas, diuturnamente por forças pouco afeitas as
realizações republicanas e civilizatórias de personagens históricos de nosso
país, como da envergadura de Rondon. Nesta conjuntura, nada mais adequado que a
sentença proferida por ninguém menos que o poeta Manuel Bandeira: “A vida de
Rondon é um conforto para todo brasileiro que ande descrente de sua terra”.
Este
pensamento diria tacanho que preservação ambiental, respeito as minorias
étnicas brasileiras, evidentemente incluindo os povos indígenas, e fomento a
políticas de cunho social são um estorvo ao progresso econômico do povo
brasileiro é um engodo de forças predatórias de grupos que querem abocanhar um
tipo de prosperidade que a sociedade brasileira não tolera mais: um ganho de
riqueza para poucos, aprofundando ainda mais a severa desigualdade de recursos
materiais em nosso país.
Por
fim, faço as palavras de Larry Rohter as minhas sobre o prócer da política
indigenista brasileira: Rondon foi um “homem que veio do nada e deu tudo ao
Brasil”. Assim como Rondon, esperamos que outros agentes da política
indigenista de nosso país venha seguir o farol que Cândido Mariano da Silva
Rondon nos legou de respeito aos povos indígenas, preservação ambiental e
integração econômica, servindo como um exemplo a ser seguido para os
governantes presentes e futuros desta rica nação chamada Brasil.
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