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terça-feira, 6 de outubro de 2020

Marechal Rondon: um farol para a política indigenista em tempos de fim do mundo

 

Marechal Rondon com seu grande amigo: Cadete, indígena Bororo. Fotografia de Heinz Forthmann. Acervo Museu do Índio/FUNAI - spi09050.


Escrito por Rodrigo Piquet Saboia de Mello (Museu do Índio/FUNAI)


Possivelmente o maior expoente da política indigenista brasileira e para a existência dos povos indígenas em nosso país seja Cândido Mariano da Silva Rondon, mais conhecido como Marechal Rondon. Seu trabalho hercúleo nas selvas brasileiras assegurou duas conquistas fundamentais para a constituição de nossa sociedade: a proteção e reconhecimento de um país com dimensões continentais e a garantia da sobrevivência dos povos indígenas. Com seu maior lema “morrer se preciso for, matar jamais”, Rondon realizou um marco inédito da relação com povos excluídos e, em muitos eventos, massacrados na relação assimétrica com a ação colonizadora empreendida desde a chegada dos portugueses no Brasil.

Mas o porquê desta lembrança do Marechal Rondon em conjuntura tão estranha? Tive a pouco tempo a oportunidade da leitura da excelente obra intitulada “Rondon: uma biografia” do jornalista norte-americano Larry Rohter (aquele mesmo que foi ameaçado pelo então Presidente Lula de expulsão do país pela escrita de um artigo para o New York Times sobre a insinuação de consumo do mesmo com o álcool). A biografia escrita, apesar da existência de outras, tem dois méritos logo de cara: é o primeiro trabalho biográfico escrito por um norte-americano e há uma contemporaneidade muito pertinente do relato humanístico e nacionalista efetuado por Rondon para qual podemos construir pontes para refletir sobre os rumos da política indigenista no tempo atual e o que Rondon poderá servir de farol para o tempo vindouro.

Muito tem sido denunciado e relatado nos diversos meios de comunicação brasileiros, e também na imprensa internacional, as intensas pressões que povos indígenas tem sofrido nos últimos anos pela garantia das suas terras. Terras estas que foram fomentadas e idealizadas pelo Marechal Rondon, inclusive a mais icônica: o Parque Nacional do Xingu. Rondon e a sua política de pacificador dos sertões garantiu e desenvolveu uma ação de proteção dessas plagas ocupadas pelos intitulados silvícolas. Ou seja: muito antes da pauta ambiental se tornar o mainstream global de mega celebridades midiáticas e suas conexões na grande mídia, Rondon tinha a plena convicção que a missão de proa do Estado brasileiro seria a segurança territorial (logo existencial) dos povos indígenas com a demarcação e a presença estatal nos rincões do país, mais especificamente, com a atuação da instituição idealizada por ele: o Serviço de Proteção aos Índios (SPI).

Em tempos mais atuais (ou de fim do mundo) parece haver um novo indicativo no horizonte: o entendimento de um tal excesso de terras indígenas demarcadas, ou nas diversas fases de reconhecimento, e o mais espinhoso: que estas terras dos povos indígenas, ou seja, da União, se tornaram um entrave para o desenvolvimento econômico do Brasil. Lá em tempos idos, Rondon não tinha apenas a ideia da conservação ambiental e da diversidade étnica brasileira, todavia, como brilhante visionário antevia a importância da política indigenista para as relações internacionais brasileiras e como esta iniciativa poderia render frutos políticos e financeiros para o país.

Como diria um grande poeta brasileiro, parece emergir um museu de grandes novidades neste cenário atual. Agentes globais e grandes corporações dos países centrais cada vez mais se preocupam com seus investimentos e de que maneira governos manejam recursos que reputam imprescindíveis como: consolidação de valores democráticos, transparência na gerência da máquina pública e, talvez um dos principais vértices a serem avaliados, como minorias étnicas e terras devolutas estão sendo gerenciados pelos Estados nacionais e a atuação dos stakeholders ambientados no processo. Nada mais visionário no papel de líder desempenhado por Rondon no início do século XX.

O que hoje parece ter se tornado uma toada descabida de que povos indígenas simbolizam o atraso para o desenvolvimento econômico do país deveria soar numa diversa cantiga: que a diversidade étnica brasileira com seus mais de 200 povos indígenas e a política territorial para esses povos, diga-se de passagem política esta vigorosa como idealizada por Rondon, foi muito bem recepcionada e aventurada no contrato social brasileiro pautada em relações pacíficas e amistosas. Assim, o Brasil, utilizando um jargão muito popular em nosso país, demonstra ser um país do futuro, com imensos recursos energéticos, uma robusta integração territorial (também originada da odisseia de Rondon, suas linhas telegráficas e pelas demarcações das fronteiras com apoio também dos povos indígenas) e, principalmente, um país de dimensão continental sem qualquer celeuma contumaz como em outros lugares do globo terrestre com intensas disputas territoriais com países vizinhos e operações terroristas que assombram sociedades pelo mundo afora.

Rondon com seu ideário positivista, forte sentimento ético e nacionalismo, conseguiu uma proeza invejada por países que hoje se ressentem das políticas adotadas (ou melhor, não adotadas) de proteção aos povos indígenas, como nos Estados Unidos, que dizimou boa parte da população ameríndia daquele território. Assim, o também conhecido Patrono das Comunicações do Exército brasileiro deveria ser mais escutado e debatido na alta administração pública brasileira com o fito de compreender o alcance das conquistas até hoje remanescentes e que estão sendo atacadas, quando não dilapidadas, diuturnamente por forças pouco afeitas as realizações republicanas e civilizatórias de personagens históricos de nosso país, como da envergadura de Rondon. Nesta conjuntura, nada mais adequado que a sentença proferida por ninguém menos que o poeta Manuel Bandeira: “A vida de Rondon é um conforto para todo brasileiro que ande descrente de sua terra”.

Este pensamento diria tacanho que preservação ambiental, respeito as minorias étnicas brasileiras, evidentemente incluindo os povos indígenas, e fomento a políticas de cunho social são um estorvo ao progresso econômico do povo brasileiro é um engodo de forças predatórias de grupos que querem abocanhar um tipo de prosperidade que a sociedade brasileira não tolera mais: um ganho de riqueza para poucos, aprofundando ainda mais a severa desigualdade de recursos materiais em nosso país.

Por fim, faço as palavras de Larry Rohter as minhas sobre o prócer da política indigenista brasileira: Rondon foi um “homem que veio do nada e deu tudo ao Brasil”. Assim como Rondon, esperamos que outros agentes da política indigenista de nosso país venha seguir o farol que Cândido Mariano da Silva Rondon nos legou de respeito aos povos indígenas, preservação ambiental e integração econômica, servindo como um exemplo a ser seguido para os governantes presentes e futuros desta rica nação chamada Brasil.

 


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