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segunda-feira, 4 de setembro de 2023

Diálogos em Memórias com Andréa Lúcia da Silva de Paiva

 

Fonte: Arquivo pessoal de Andréa Paiva

Entrevistada: Profª Drª Andréa Lúcia da Silva de Paiva[1]

Thaymara Assis: Professora, qual é a sua principal memória da UFF Campos? Quando você pensa em UFF Campos, o que vem em sua lembrança?

Andréa Paiva: O que mais aparece em minhas lembranças são as memórias geracionais. Eu acho que é muito difícil responder essa pergunta, porque são memórias que se desdobram em muitas trocas de experiência. [...]  - Quando eu chego na Universidade Federal Fluminense (UFF), as relações são diferentes daquelas que ocorreram no meu tempo de graduação. [...] . A minha relação de trabalho é mais ampla. Nesse sentido, não enxergo apenas a minha relação com os estudantes, mas com um conjunto composto por alunos, seguranças, motoristas e o pessoal da limpeza, por exemplo. A gente aprende muito com esse conjunto de experiências e esses vários papéis sociais que ocupam a universidade.  Além disso, as memórias relacionadas a UFF Campos não se restringem apenas ao campus, ela é comunitária também. A forma como a comunidade percebe a UFF, ou seja, no aspecto negativo ou positivo. Isso é o que mais me chama a atenção. 

Sua pergunta é difícil porque a memória remete a um conjunto de relações: memória-trabalho e memória-relações para além da instituição, mas que também fazem parte dela. Eu trabalho com o conceito de memória e sempre discuto que a memória não é só teórica. Ela também se coloca como metodologia quando está sendo construída por nós. A memória não é planejada, ou seja, não se faz memória intencionalmente, ela se configura independente de minhas vontades. As memórias vão se constituindo através de muitas marcas. Quando a gente usa a palavra “marcas”, as pessoas associam ao estigma, mas não é necessariamente uma questão relacionada a esse conceito. É uma questão de momento e de contexto. Por exemplo, agora a memória que me surgiu com a sua pergunta é do meu primeiro orientando David, que veio a falecer depois. Lembro-me da desconstrução que as Ciências Sociais causaram nele com o estranhamento e a desnaturalização. Ele foi para mim uma peça-chave disso. Ele era brincalhão e fazia piadas relacionadas à questão do senso comum. Depois, ele foi cada vez mais se tornando alguém criticamente reflexivo. É curioso como a gente vai colocando metas, carinho, marcas e desafios também. A UFF me ensinou e vem me ensinando esse conjunto de sentimentos que constituem as nossas narrativas de memórias, as nossas marcas pessoais e coletivas.

Fonte: Arquivo pessoal de Andréa Paiva

Nós brincamos entre os professores que quando você entra para a universidade você vai fazer ensino, pesquisa e extensão, mas há o quarto item, que é a gestão. Em relação ao ensino, a questão de você ir fazendo os seus planejamentos e suas aulas através de muitas trocas foi muito interessante porque, apesar de ter como referência meus antigos professores na UFRJ, eu achava que a postura de um professor universitário era um pouco mais reservada. De uma certa forma, é! Porém, na UFF Campos é diferente! Você se sente mais à vontade para passar seus ensinamentos e conhecimentos através de um diálogo mais amplo com os alunos que se envolvem e comentam nas aulas. Essa prática vem da época em que eu era professora do ensino fundamental e médio. É um exercício grande dentro das Ciências Sociais a tentativa de colocar a teoria na prática. Eu posso falar que o fato de eu ter sido professora do Ensino Médio e Fundamental, onde eu ministrava Sociologia e Filosofia na cidade do Rio de Janeiro, nos colégios particulares e públicos, me obrigou a pensar teorias, temas e conceitos, mas também a prática. Afinal, como apresentar um conteúdo que faça sentido para aqueles alunos? Caso contrário, ficamos em uma esfera de conhecimento muito fechada dentro do nosso próprio conhecimento, talvez, até muito “elitizado” quando pensamos que esse conhecimento se restringe a um pequeno grupo. Eu tinha alunos de Sociologia e Filosofia desde a 5ª série até o Ensino Médio. Então, quando venho para a UFF Campos, eu trago um pouco dessa experiência. Considero isso um grande ganho, no sentido de colocar à frente de técnicas de ensino, por exemplo, a possibilidade de usar jogos para discutir cotas em sala de aula. Isso foi me aprimorando e na universidade, por conta da dedicação exclusiva, encontro mais possibilidades de fazer essa imersão, essa imaginação sociológica, política e antropológica, de fluir. 

A experiência de quando vou para a pesquisa também é fantástica, pois é um diferencial dentro da minha trajetória: desenvolver uma pesquisa com os estudantes, inseri-los nesse meio, aprender e perceber a importância de nós cientistas e professores na sociedade... Quando o aluno recebe uma bolsa, por exemplo, através do trabalho que você coordena, isso tem um valor e peso muito grande na vida daquele estudante. Tive a experiência de ter estudantes de todos os estágios e níveis e o envolvimento deles, nosso local como pesquisadores perante à sociedade tem um grande valor para mim.

Quanto ao projeto de extensão, eu faço parte junto com a professora Geovana do Motirõ Nhãdereko (Grupo de Pesquisa em Memória e Cultura). O projeto começou em 2013 e foi fundado através de ideais em comum. O nome do projeto foi dado por um indígena que fez um ritual muito interessante aberto para todos e que chamou muito a atenção da comunidade externa da UFF. Neste dia, me lembro que tínhamos até crianças presentes. Durante o evento, enquanto (o indígena) Werá Djekupe discursava, as pessoas ficaram muito empolgadas e insistiam em pedir para tirar fotos com ele vestido com seus adereços, como se o valor do seu discurso só fosse válido quando ele estava caracterizado como um indígena. A partir daí, vimos os desafios que enfrentaríamos e a importância de desnaturalizar e desmistificar certos termos e conceitos. A Geovana sempre ressalta em nossas atividades, principalmente, a pertinência da causa indígena. Eu também me debruço nas relações raciais, sobretudo, na questão negra. Esse trabalho de desnaturalizar preconceitos é também necessário entre os estudantes. Me lembro que alguns alunos usavam, por exemplo, a palavramacumba” de modo pejorativo, sinalizando um problema que envolvia tanto a comunidade externa como a comunidade acadêmica da UFF Campos. Essa é a prova que precisamos tocar adiante os projetos de extensão. Hoje, com a Universidade para a Terceira Idade (UNITI), percebo ainda mais essa força da relação entre universidade e comunidade.

Trabalhar com a gestão também foi um grande marco para mim, porque nunca havia sido coordenadora e passei a ser do curso de Licenciatura em Ciências Sociais. Neste momento, Geovana estava como a minha vice. E foi impressionante como percebi a importância de trabalhar na coordenação para um professor universitário. O que me chamava atenção era a proximidade com os alunos e a capacidade de ouvi-los contribuir no plano de estudo, levar propostas e aprender a coordenar reuniões, principalmente, porque sempre fui muito tímida. Na verdade, ainda me vejo no processo de melhorar essa questão, especificamente por conta do ensino remoto como consequência da pandemia. Quando você dá aula, há uma certa transformação e é um bom exercício para a timidez. Como coordenadora, na tarefa de chefiar reuniões também me vi exercitando esse lado mais ativo.... Uma das memórias mais marcantes desse período foi a tarefa de pensar as políticas públicas educacionais, não apenas como teoria, como também em sua prática. Ou seja, lendo, oferecendo uma reflexão para a melhoria dessas políticas e formulando novas propostas. Nesta ocasião, as professoras Gabriela, Érica, Geovana e eu fizemos a primeira reforma curricular do nosso curso. Foi também quando continuamos participando junto ao Colegiado Geral de Licenciaturas de leituras documentais, propostas, arranjos, formas de pensar e inserir as políticas públicas educacionais. Essa parte para mim, junto com a questão de ouvir o estudante que aparecia na coordenação, foi um grande “samba”. Foi uma grande escola para mim, como se fosse mais um “abre alas” dentro desse conjunto de memórias e relações, que dá um samba com um enredo bom, uma alegria boa, principalmente, quando você olha para trás e atravessa a avenida e escuta os sons das memórias acumuladas. 

A questão da memória na nossa área de Ciências Sociais é a sua própria força de humanização. A memória não dada (mas construída coletivamente)! Gostaria de agradecer a contribuição do projeto de extensão Diálogos do Fim do Mundo em reunir essas tantas memórias que colecionamos. Essas memórias não estão no passado, elas estão vivas e continuamente são ressignificadas no nosso presente, e sou grata por contribuir com essa narrativa.

 



[1]  Graduada em Bacharelado e Licenciatura em Ciências Sociais pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Mestre pelo Programa em Pós-Graduação em Memória e Documento da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO). Doutora em Antropologia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). É coordenadora do Programa de Extensão Universidade para Terceira Idade (UNITI) da UFF/Campos. Foi coordenadora da Residência Pedagógica, Programa de Formação à Docência, entre agosto de 2018 a janeiro de 2020. Foi coordenadora do curso de Ciências Sociais - Licenciatura (2014-2018). É professora do Departamento de Ciências Sociais da Universidade Federal Fluminense (UFF) em Campos dos Goytacazes. Coordena o Grupo de Pesquisa em Memória e Cultura Motirõ Nhãdereko. É membro efetivo do Laboratório de Pesquisa em Ensino de Ciências Sociais (LAPECS).

 


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