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sexta-feira, 18 de novembro de 2022

Reconhecer resultado eleitoral não é mera formalidade

Fonte: https://g1.globo.com. Foto: REUTERS/Adriano Machado


Vitor Vasquez (UFPI)



    Jair Bolsonaro demorou quase dois dias para se pronunciar após a derrota eleitoral que sofreu no último 30 de outubro. No breve pronunciamento feito dia 01 de novembro, o atual presidente não contestou o resultado eleitoral, mas tampouco foi objetivo em reconhecê-lo. Não parabenizou seu adversário Lula e afirmou que as manifestações contrárias ao resultado das urnas que paralisaram rodovias no país à fora eram “fruto de indignação e sentimento de injustiça de como se deu o processo eleitoral”. Ou seja, ao mesmo tempo em que não contestou a decisão dos eleitores, deixou no ar um questionamento sobre a lisura do pleito.
    Reconhecer o resultado de eleições não é mera formalidade ou questão de etiqueta. Na verdade, o gesto é fundamental para o bom funcionamento de uma democracia na medida em que legitima um de seus principais pilares. Segundo Schumpeter (1961), eleições nada mais são do que um método utilizado para se escolher representantes. Método bastante difundido, aliás. Eleições são usadas para seleção de síndico, representante discente, líderes de categorias de classe e por aí a fora, inclusive para definir a presidência da República no Brasil. No entanto, para que tal método seja efetivo, ele deve ser legitimado por todos que dele participam, incluindo representados e postulantes a representantes.
    A questão da legitimação ganha ainda mais relevância em regimes democráticos. De acordo com Przeworski (1997), o reconhecimento dos resultados eleitorais, ao garantir a possibilidade de alternância no poder, evita que conflitos políticos sejam resolvidos de maneira violenta. Para o autor, a mera possibilidade crível de troca de governo já produz esse efeito de resolução pacífica de divergências políticas, mas, quando isso ocorre pelas vias eleitorais, as consequências são ainda mais positivas.
    Para ilustrar seu argumento, Przeworski primeiro propõe uma situação hipotética em que o acesso ao governo ocorre por sorteio, como numa loteria. Ou seja, a definição de quem vai governar e a sua permanência no poder independeriam das vontades dos cidadãos. Não haveria, portanto, relação entre eleição e representação. O autor sustenta que, mesmo sob estas condições, os adversários derrotados no sorteio atual prefeririam esperar pacificamente a nova rodada de loteria, pois suas chances de ascender ao poder seriam reais e probabilisticamente consideráveis.
    Assim, a resolução violenta de conflitos seria evitada pelo simples fato de que as forças políticas, quando sabem que suas chances de ascender ao poder são críveis, aguardam sua vez de governar. Mas a possibilidade de alternância no poder garantiria não apenas o aceite do resultado, mas também que o vencedor faça um governo moderado. Isto ocorreria por duas razões. Primeiro porque o ocupante atual do governo sabe que, em algum momento do futuro, ele perderá esse posto. Ao governar de forma radical, prevalecendo apenas as suas preferências, incentivaria seus adversários a agir da mesma maneira quando for a vez deles. Por isso, todos deveriam preferir governar moderadamente para induzir os adversários a agir de forma análoga. Segundo porque, como os competidores sabem que em algum momento voltarão ao cargo, eles evitam motivos para rebeliões, o que é mais provável em governos mais radicais. Porém, para que tudo isso esteja no horizonte, é fundamental que as regras do método, neste caso a loteria, sejam legitimadas pelos rivais políticos. 
    Mas, se apenas a escolha por sorteio basta, por que eleições são instituições políticas tão caras a regimes democráticos? Para responder a esta pergunta é preciso reter que o principal incentivo garantido pela definição por sorteio é a garantia de alternância no poder. Isto é, todos os adversários sabem que sua hora de governar chegará. 
    A alternância também é promovida por eleições, desde que haja limites para reeleição e que as disputas eleitorais sejam limpas, justas, regulares e competitivas. Porém, além de promover alternância no poder e, por isso, incentivar líderes a governar de forma moderada, Przeworski afirma que eleições reduzem a probabilidade de que conflitos políticos sejam resolvidos de forma violenta e, para que isso ocorra é fundamental que eleitores e adversários aceitem o resultado das urnas. Aceitar o resultado eleitoral torna o ato de votar uma legitimação da democracia. Isso significa que o indivíduo aceita participar daquele processo decisório e está de acordo com suas regras. Além disso, devemos considerar que votar revela informações sobre paixões, valores e interesses. Por isso, se você desafia um resultado eleitoral, você desafia paixões, valores e interesses da maioria dos eleitores.
    Przeworski sabe que eleições sozinhas não são capazes de resolver conflitos políticos. Elementos como economia e contexto político e social também influenciam nestas questões. Porém, a probabilidade de que conflitos políticos sejam resolvidos de forma pacífica em países onde há eleições livres e competitivas e que promovam alternância no poder é bem maior. Para tanto, porém, as forças derrotadas eleitoralmente devem aceitar o resultado e agir em conformidade a ele, assumindo que outras oportunidades de assumir o poder chegarão, mas somente serão viabilizadas pelas urnas. Qualquer alternativa diferente disso é trilhar para algum regime distante do democrático. O ponto, portanto, é que eleições são instituições indissociáveis dos regimes democráticos, sendo uma condição mínima essencial para que outros aspectos normativos como justiça, dignidade, segurança e liberdade também possam ser atendidos.
    Ao não aceitar explicitamente o resultado da disputa presidencial, Bolsonaro coloca em xeque a própria democracia brasileira. Questiona inclusive os resultados do primeiro turno, quando seu atual partido, PL, elegeu 99 deputados federais e 129 deputados estaduais, maiores números nos dois âmbitos. E faz isso sinalizando aos seus eleitores que todo o esforço de campanha foi em vão, sugerindo que não reconheçam o governo eleito. Uma radicalização nesse sentido pode até mesmo gerar um cenário de violência, pois insinua que a resolução de conflitos políticos pela via democrática não é algo válido. Não se trata de aceitar os resultados a todo custo, afinal, eleições, para produzir seus efeitos, devem ser limpas e justas. Mas, para questioná-las é preciso responsabilidade e provas contundentes, caso contrário, além de choro de mau perdedor, as consequências das dúvidas colocadas são perigosas à democracia. E é o que temos visto atualmente, com inúmeros casos de manifestações golpistas. Por isso, devemos estar atentos visando garantir que a alternância realmente ocorra, mas também com o objetivo de manter a credibilidade do nosso arcabouço eleitoral.

Referências bibliográficas

PRZEWORSKI, A. Una defensa de la concepción minimalista de la democracia. Revista Mexicana de Sociologia, vol. 59, n. 3, p. 3-36, 1997.

SCHUMPETER, J. A. Capitalismo, Socialismo e Democracia. Rio de Janeiro, RJ: Fundo de Cultura, 1961. 


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