Escrito por Ricardo Bruno da Silva
Ferreira (UFF)
A diferença de
pouco mais de 5 % dos votos de Luís Inácio Lula da Silva (PT) em relação ao
presidente Jair Bolsonaro (PL), índice menor do que o projetado pelos
principais institutos de pesquisa do país e que culminará com a realização do
2º turno em 30 de outubro, se explica não apenas por um único fator, mas por um
conjunto de fatores associados. Qualquer resposta simples para um quadro
eleitoral complexo escapa do resultado manifestado nas urnas no dia 2 de
outubro. Não menos importante do que a margem relativamente estreita entre os
dois principais presidenciáveis consiste no êxito eleitoral capitaneado por
candidatos(as) de extrema direita vinculados ao presidente Jair Bolsonaro para
cargos nas bancadas estaduais, na Câmara dos Deputados, no Senado Federal e
para os governos estaduais, com particular atenção, para as regiões Sul,
Sudeste e Centro-Oeste do país.
É bem verdade que
uma análise no dito “calor do momento” está sujeita a alguns equívocos em
termos diagnósticos acerca do processo eleitoral, algo que o pesquisador
poderia evitar ao se distanciar ainda que por alguns dias do resultado das
urnas valendo-se de mais dados e de informações sobre o fenômeno estudado.
Aceitamos assim o risco ao nos atermos à análise de resultados considerados em
certa medida parciais e inconclusos. Seria, por assim dizer, necessário mais
tempo para digerir a “vontade eleitoral” expressa no pleito geral do dia 2 de
outubro e realizar uma análise mais acurada acerca da guinada bolsonarista
expressa nas urnas revertendo uma tendência de centro-esquerda que parecia se
confirmar nas principais pesquisas de opinião.
Diante da
divulgação ao longo da noite, em tempo real, dos resultados eleitorais pelo Tribunal
Superior Eleitoral (TSE), seja em relação aos votos para a presidência da República,
como para os demais cargos em disputa, ficava evidente o descompasso perante o
que havia sido publicado às vésperas das eleições pelos principais institutos
de pesquisa, notadamente, o Datafolha e o Ipec. Bem longe de desabonarmos a
seriedade das pesquisas realizadas pelos referidos institutos de pesquisa, a
confirmação de equívocos tão evidentes indica a necessidade urgente de
atualização na metodologia utilizada e de parâmetros de pesquisa adequados à
amostragem de uma sociedade dinâmica[1]. O fato é que em meio a disputa de
narrativas, o chefe do Executivo, que sempre vociferou contra os institutos de
pesquisa, ganhou munição adicional no embate ideológico. Dando-lhe até certo
ponto alguma razão, o “DataPovo” venceu a disputa contra o Datafolha! À revelia
dos descrentes, o contestado instituto Paraná Pesquisas, empresa que angariou
contratos milionários do governo Bolsonaro, fora o mais fidedigno à realidade
das urnas.
A seguir, destaco
algumas observações gerais que merecem maior aprofundamento por parte dos
profissionais da área:
a) Nas últimas
semanas, os principais jornais do país, como a “Folha de São Paulo” e “O Globo”
já noticiavam em suas páginas a melhoria de percepção por parte da população
brasileira em relação à economia. Até então, o olhar crescentemente positivo do
eleitorado quanto ao futuro da economia não havia se revertido em possíveis
votos para o atual ocupante do Palácio do Planalto. Ao que tudo indica, esta
mudança de percepção, motivada ainda que artificialmente pelos efeitos da PEC
nº 1/22 (batizada pela oposição como “PEC Eleitoreira” por ampliar gastos
sociais às vésperas das eleições) e do uso intensivo da máquina pública,
constitui um dos fatores cruciais para se entender a guinada bolsonarista na
reta final da campanha.
b) Por conseguinte,
considero equivocada a tese que imputa à candidatura de Ciro Gomes uma extensa
dose de responsabilidade pela não obtenção dos votos necessários para a vitória
do ex-presidente Lula no primeiro turno. O crescimento bolsonarista está mais
atrelado aos (recentes) índices favoráveis do governo na economia do que
propriamente aos ataques do pedetista. Se é possível falar na responsabilização
de Ciro Gomes, considero que o ex-ministro dos governos FHC e Lula contribuiu
com a despolitização do debate público ao colocar no mesmo patamar o
bolsonarismo e o “lulopetismo” (termo comumente utilizado por Ciro Gomes para
detratar os governos petistas) como as duas faces do mesmo mal. A radicalização
dos ataques ciristas nas últimas semanas tomando como cerne a questão da
corrupção, teve efeitos despolitizantes no debate eleitoral como um todo. Não
obstante, entendo que a pretensa responsabilidade negativa da campanha de Ciro
Gomes sobre o resultado no primeiro turno é bem menor do que se afere.
c) Outro ponto digno
de nota consiste nos erros (nada desprezíveis) cometidos pelo ex-presidente
Lula durante o primeiro turno, como a participação abaixo do esperado nos
debates presidenciais alternando momentos de fragilidade nas respostas aos
ataques adversários (como na réplica de Lula a Bolsonaro em debate realizado na Band o que acabou municiando o “eleitorado bolsonarista”) e a perda de
controle emocional diante do controverso “Padre” Kelmon (no debate da Globo).
Outros erros também foram cometidos, como o deslize na fala em entrevista
realizada no Jornal Nacional sobre o agronegócio (tipificado como “fascista”)
ou mesmo a crítica ao atual presidente classificado pelo petista como um
ignorante e "capiau do interior de São Paulo". Coincidência ou não,
Lula venceu Bolsonaro na capital de São Paulo e perdeu na maioria das cidades
do interior. Em eleições do tipo “cara ou coroa”, um pequeno deslize na
campanha pode favorecer à candidatura adversária.
d) Elemento não
descartável e que explica parcialmente a predileção por Jair Bolsonaro para
parcela do eleitorado brasileiro consiste no sentimento antipetista, que apesar
de difuso e aparentemente inferior ao momento eleitoral de 2018, tem ainda um
considerável potencial de mobilização de alguns segmentos da sociedade
brasileira, em particular, para aquela “classe média”, identificada outrora com
a Operação Lava Jato. Por sinal, os algozes, perante a opinião
pública, do ex-presidente Lula tiveram êxito nas urnas, vide o ex-procurador
Deltan Dallagnol, que se elegeu como o deputado mais votado pelo Paraná, e o
ex-juiz Sergio Moro, eleito senador pelo mesmo estado.
e) Apesar dos esforços
da campanha do ex-presidente Lula em reduzir a resistência do público
evangélico em relação ao Partido dos Trabalhadores, o fato é que Bolsonaro
desfruta de uma vantagem considerável neste segmento da população. Conforme
noticiado, uma movimentação atípica em prol da candidatura de Bolsonaro se
intensificou nas igrejas evangélicas nas semanas que antecederam ao pleito
presidencial. Com peso menor na disputa deste ano, a pauta de costumes se fez
presente no primeiro turno e pode ser decisiva na reta final das eleições. Para
consolidar a vitória sobre o seu adversário no segundo turno, Lula
possivelmente fará acenos mais explícitos ao eleitorado evangélico e
conservador.
Poderíamos ainda
citar outros fatores adicionais, com pesos razoavelmente distintos, para
entender até certo ponto o resultado inesperado das urnas no primeiro turno,
como a dificuldade da campanha de Lula em se desvincular do tema da corrupção,
a falta de capilaridade da esquerda na periferia dos centros urbanos, uma certa
incapacidade de dialogar com alguns setores importantes da sociedade
brasileira, sem contar com a instrumentalização política das redes sociais por
fração significativa da base bolsonarista caracterizada pelo alto grau de
engajamento.
A despeito da
vantagem nada desprezível da campanha de Lula em comparação à Bolsonaro, o que
se infere é que o cenário que se avizinha para o segundo turno adquire contornos
de indefinição. Aos 76 anos, Lula é reconhecidamente a mais importante
liderança da esquerda democrática no Brasil com a capacidade de aglutinar
amplos setores da sociedade, em especial, aqueles que se beneficiaram das
políticas públicas realizadas durante o seu governo. Espera-se, assim, uma
campanha ainda mais radicalizada no segundo turno em que o atual presidente se
valerá de uma artilharia pesada para tentar angariar a maioria dos votos dos
candidatos Ciro Gomes e Simone Tebet (ou até mesmo virar alguns votos de Lula), vide a já anunciada antecipação do pagamento do Auxílio
Brasil para o período que antecede ao pleito eleitoral no dia 30 de outubro.
[1] As explicações dos
Institutos Datafolha e Ipec para a diferença considerável entre as pesquisas de
opinião e os resultados das urnas decorreria, de acordo com os referidos
órgãos, da migração de última hora de eleitores indecisos e de parcela dos
eleitores de Ciro Gomes e de Simone Tebet que preferiram o atual presidente em
relação ao antigo mandatário. O mesmo fenômeno não teria sido observado no caso
do ex-presidente Lula, cuja migração visando o “voto útil” teria ocorrido
gradativamente ao longo do 1º turno.
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