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quinta-feira, 18 de março de 2021

Primeiro ato: Representação

 

Escrito por Mariele Troiano (UFF)


                                                                              Fonte: CNN Brasil.

 

As possibilidades de conceituar a palavra representação se tornam múltiplas quando combinadas ao contexto no qual ela está inserida. Afinal, a representação pode estar pautada na confiança, na delegação ou ainda na representatividade social entre grupo de indivíduos (BOBBIO, 2004).

Quando o termo “representação” é pesquisado, por exemplo, no dicionário de Calise e Lowi (2010), ele aparece interseccionado aos conceitos de Estado e direitos, estando subjacente à noções de indivíduo, participação e coletividade. Assim, para além de sua polissemia há uma característica de interdependência de aspectos da esfera pública e privada, e ao mesmo tempo, individual e coletiva.

Em uma busca simples no dicionário Houaiss (2001), o ato de representar aparece como sinônimo de ação e refere-se a um deslocamento entre atores, em que um indivíduo se coloca no lugar do outro, não o sobrepondo, mas o substituindo.

Cícero Araújo (2006) aproxima a discussão da representação utilizando metaforicamente as características da arte grega, tais como a máscara, o retrato e o drama. A discussão proposta pelo autor, embora fundamentada na formação do Estado Moderno presente nas obras de Thomas Hobbes, dá aparato para examinar a correlação direta que se faz entre democracia e representação em perspectiva contemporânea.

Neste caso, a metáfora da máscara aponta para a formação do representante que não se origina da soma de todas as demandas de seus representados. A máscara simboliza o surgimento de um novo papel concedido a esse ator social, tornando-o autônomo em suas práticas. Logo, o que se funda com a representação é o aparecimento de um terceiro ator com a função de tomada de decisões múltiplas, sejam elas correspondentes às da sua plateia ou não.

Já a alegoria do retrato apresenta a característica da plasticidade do ato de representar, como um congelamento de um momento hierárquico que não necessariamente corresponderia a uma realidade. A representação, compreendida a partir deste viés, reflete um representante que é construído por princípios que transcendem não só os desejos e interesses dos representados, como também os seus próprios, pois o objetivo primeiro seria a sustentação de sua imagem pública e a consequente manutenção do poder.

A interlocução entre o protagonista no centro do palco e o envolvimento da plateia presente na dramaturgia grega é característica pertinente para o entendimento da representação como manutenção de um conflito social marcado por desigualdades e hierarquias. O exercício de entender a representação a partir da metáfora do drama é vista como uma ação contínua, contrastante e necessária para a existência da própria política. Ou seja, é por meio dessa representação entre desiguais que a política se mantém viva como lócus de absorção do conflito social.

A partir dessa polivalência do conceito de representação, percebe-se a necessidade de entendê-la também como um fim em si mesma (e não tão só enquanto meio). Ou seja, além da preocupação com sua efetividade, pontua-se como necessário entender como os deslocamentos entre representantes e representados se rompem e se restauram em cenários distintos promovendo hierarquias de cumplicidade entre as relações estabelecidas. Afinal, o representante também deverá se comportar como representado em algum momento político, seja diante da sua legenda partidária, comissão temática ou bancada de líderes, se pensarmos em alguns papéis possíveis dentro do Congresso Nacional, por exemplo.

Fato é que o ato de representar pode ser entendido como um jogo de soma zero por ser um fenômeno multifacetado e jamais totalizante, nem ao mesmo de um grupo considerado coeso ou um específico setor social.

Essa problematização se faz necessária para entender que o objetivo final do ato de representar deve estar mais próximo de um contexto divergente que um consensual equilibrado, tornando emergente a agenda de pesquisa que se propõe compreender como os atores políticos executam seus diferentes papéis.  

  

Referências Bibliográficas

ARAUJO, Cicero. Representação, retrato e drama. Lua Nova,  São Paulo ,  n. 67, p. 229-260,2006.Disponível em <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-64452006000200008&lng=pt&nrm=iso>. Acesso em  14  fev.  2021.

BOBBIO, Norberto, MATTEUCCI, Nicola e PASQUINO, Gianfranco. Dicionário de Política. São Paulo: Editora UNB - Imprensa Oficial: 2004.

CALISE, M.; LOWI, T. J. Hyperpolitics: an interactive dictionary of political science concepts. Chicago: The University of Chicago Press, 2010.

HOUAISS, Antônio. Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa. Rio de Janeiro, Ed. Objetiva, 2001.

 

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