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quarta-feira, 16 de dezembro de 2020

Mulheres na política: dois passos para a frente, um para trás?

                                                                Escrito por Mariele Troiano


        Os resultados do primeiro turno das eleições de 2020 sinalizam um baixo índice de mulheres eleitas. O que tem sido feito e o que pode ter contribuído para um crescimento tímido de mulheres na política neste ano? Além da obrigatoriedade constitucional tardia dessa representação, este texto tem como objetivo apresentar um fator de caráter exógeno ao sistema partidário que pode estar relacionado com essa questão:  a pandemia do coronavírus. 

Os dados divulgados pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) referentes ao primeiro turno das eleições de 2020 mostraram que 33,6% dos candidatos a cargos de prefeitos, vice-prefeitos e vereadores no Brasil representavam mulheres. Essa porcentagem foi acima da consolidada em 2016 que registrou 31,9% de candidaturas femininas (BRASIL, 2020). 

Dessas mulheres candidatas, uma porcentagem ainda mais reduzida foi eleita no primeiro turno. Enquanto em 2016 as mulheres eleitas representaram 42%, esse ano o índice passou para 47% (BRASIL, 2020). De fato, o aumento registrado está longe de ser sinônimo de efetiva representação das mulheres na política, principalmente, quando olhamos para um país composto por uma população majoritariamente feminina (BRASIL, 2020). 


Candidatas Manuela D'Ávila e Marília Arraes 

  (Fonte: Pragmantismo Político)



Na mesma direção dos dados apresentados, a pesquisa "A cara da democracia: eleições 2020", realizada pelo Instituto da Democracia (INCT) constatou que há uma preferência de eleitoras votarem em mulheres (BIROLLI, 2020). A pesquisa ainda especificou essas preferências e chegou aos respectivos números: 27,1% das eleitoras disseram preferir votar em mulheres, 25,4% afirmaram preferir votar em homens e 44,8% disseram que não havia preferência de gênero para a escolha do voto. Essa indiferença é muito menor entre as mulheres que com os homens que apresentaram um índice de 58,6% quando questionados sobre o mesmo assunto. Esses dados comprovam que na percepção das mulheres a questão de gênero gera impacto na arena política, atribuindo ainda mais necessidade e importância de discussões sobre a participação efetiva das mulheres na esfera pública (BIROLLI, 2020). 

Diante da demanda de representação colocada pelo próprio grupo de mulheres seguida de um crescimento discreto da participação delas no primeiro turno das eleições de 2020, o objetivo deste texto é refletir até que ponto a baixa competitividade das mulheres pode ter sido acentuada pelo contexto da pandemia no pleito desse ano, tornando o caminho institucional de acesso aos direitos políticos das mulheres em nosso país ainda mais longo e tortuoso.



Mulheres na Política


A proteção dos direitos políticos das mulheres - tanto para tornarem elegíveis quanto para serem reconhecidas como eleitoras - é recente no sistema constitucional brasileiro e pode ser dividida em dois processos. Um primeiro processo marcado pela luta pelo reconhecimento das mulheres como pertencentes à sociedade civil e um segundo momento marcado pela busca da efetividade dos direitos conquistados. O movimento pelo reconhecimento dos direitos políticos das mulheres tem registros desde o Brasil Império com discussões mais intensas realizadas pelos constituintes em 1890. Essa demanda enquanto necessidade permaneceu  até 1932, ano em que foi criado o Código Eleitoral Provisório, pelo então presidente Getúlio Vargas, permitindo o voto feminino. Entretanto, a obrigatoriedade da presença da mulher nas urnas só se deu a partir da Constituição de 1946 e, mais precisamente, com  o Código Eleitoral de 1950. Mas é só com o Código Eleitoral de 1965 (Código Eleitoral vigente) que a distinção entre homens e mulheres na arena política aparece superada no texto da lei (BRASIL, 1965). Esse caminho longo não só aponta para um reconhecimento tardio dos direitos políticos das mulheres como também para uma necessidade da  participação delas na política.

Nesse segundo momento de tornar efetiva a representação feminina, a Constituição de 1988 e seu processo descentralizado de confecção e articulação foram fundamentais para canalizar e vocalizar as demandas. No início dos anos de 1990, pressões externas da sociedade civil, bem como internas de domínio dos parlamentares surgiram para o cumprimento da promoção das eleições de mulheres. 

O projeto de Lei 783/95, de autoria da então deputada federal Marta Suplicy (PT/SP) foi a primeira tentativa de regulamentar o acesso das mulheres na política. O projeto, que sugeria uma cota mínima de 30% para as candidaturas de mulheres, foi arquivado na Comissão de Constituição, Justiça e Redação (SABINO e LIMA, 1995). A posteriori,  foi apresentada uma emenda ao Projeto de Lei 180/95 que visava regulamentar o processo eleitoral de 1996. A emenda de autoria da senadora Júnia Marise (PDT/MG) deu origem a redação da Lei 9.100 de 1995 e definiu que 20%, no mínimo, das vagas de cada partido ou coligação deveriam ser preenchidas por candidaturas de mulheres (BRASIL, 1995). Foi a partir dessa lei, que a representatividade das mulheres na política é reavaliada e atualizada constantemente. 

Em 1997, por exemplo, aumentou-se a aplicabilidade para um mínimo de 30% das candidaturas para cada sexo, originando a Lei 9.504 (BRASIL, 1997).  Em seguida, houve um dispositivo transitório prevendo um percentual mínimo de 25% apenas para as eleições proporcionais de 1998. O princípio da obrigatoriedade da presença das mulheres na política só apareceu em 2009, com a Lei 12.034, ao afirmar que cada partido ou coligação deveria preencher no mínimo 30% e no máximo 70% com candidaturas de cada sexo (BRASIL, 2009). 

A mais recente mudança foi incitada pelo Supremo Tribunal Federal (STF) e determinou, em 2018, que 30% dos recursos do Fundo Partidário para financiamento de campanhas deveria ser dirigido às mulheres, dobrando o limite anteriormente existente. Posteriormente, o TSE corroborou que 30% dos recursos do fundo eleitoral e do tempo de propaganda eleitoral gratuita também deveriam ser destinados às mulheres. As eleições de 2020 demarcaram os primeiros resultados das cotas ampliadas. 



Pandemia do Coronavírus 


Diante destas ações, como é possível analisar a perdurável baixa competitividade das mulheres na política brasileira? A resposta para essa reflexão tem um agravo externo bastante peculiar ao pleito desse ano: a pandemia do coronavírus. 

O presente texto apresenta a pandemia como um fator externo que intensificou e deixou ainda mais à mostra os obstáculos institucionais dos partidos em tornarem suas candidatas altamente competitivas, com chances reais de vencerem eleições, tornarem concretos seus programas e planos de ações. Ou seja, a pandemia corroborou com as consequências da desigual distribuição dos recursos e de poder decisório dentro dos partidos. Diante uma conjuntura em que debates, campanhas políticas e ações de ruas foram limitadas (quando não proibidas), as candidatas obrigatoriamente tiveram que reduzir o pouco espaço de visibilidade e expressão pública que tinham. Com isso, não só o espaço de exposição de programas e a conquista de um eleitorado se tornaram ainda mais restritos, como também ocorreu uma realocação do debate político para dentro da esfera doméstica, compartilhando atenção entre os cuidados da casa e dos filhos.

A reflexão aqui apresentada tem como objetivo elucidar a pandemia do coronavírus como um agravante da baixa competitividade das mulheres na disputa eleitoral de 2020. Além disso, ela sinaliza uma agenda de pesquisa apontando possíveis consequências dessa baixa competitividade prolongada em  futuras eleições, em especial, no próximo pleito de 2022. Afinal, as organizações partidárias - tanto de direita quanto de esquerda - precisam impulsionar lideranças femininas, caso contrário, não teremos tão cedo candidatas altamente competitivas à presidência da República. 

  


Bibliografia 

BIROLLI, Flávia. Você prefere votar em mulheres ou em homens. Observatório das Eleições/ Uol. 13 de novembro de 2020. Disponível em https://noticias.uol.com.br/colunas/observatorio-das-eleicoes/2020/11/13/voce-prefere-votar-em-mulheres-ou-em-homens.htm. Acesso em 30 de novembro de 2020. 

BRASIL, Tribunal Superior Eleitoral. Quantitativo e Situação dos (as) candidatos (as). Disponível em https://www.tse.jus.br/eleicoes/estatisticas/estatisticas-eleitorais. Disponível em:<www.ste.gov.br>. Acesso em: 30 de novembro de 2020. 

______. Censo de 2010. População residente por sexo, 2010. Disponível em https://www.ibge.gov.br/estatisticas/multidominio/genero/9662-censo-demografico-2010.html?=&t=destaques. Acesso em 30 de novembro de 2020.   

______. Lei 1.164 de 24 de julho de 1950. Código Eleitoral. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/1950-1969/L1164.htm. Acesso em 28 de novembro de 2020. 

______. Lei 4.737 de 15 de julho de 1965. Código Eleitoral. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L4737.htm. Acesso em 28 de novembro de 2020.                                                                                                                                           

______. Lei 9.100 de 29 de setembro de 1995. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9100.htm. Acesso em 29 de novembro de 2020. 

______. Lei 9.504 de 30 de setembro de 1997. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9504.htm. Acesso em 29 de novembro de 2020. 

______. Lei 12.034 de 29 de setembro de 2009. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2009/lei/l12034.htm. Acesso em 29 de novembro de 2020. 

______. Portaria n. 791 de 10 de outubro de 2009. Disponível em https://www.tse.jus.br/legislacao/compilada/prt/2019/portaria-no-791-de-10-de-outubro-de-2019. Acesso em 27 de novembro de 2020.

SABINO, Maria Jordana Costa; LIMA, Patrícia Verônica Pinheiro Sales. Igualdade de gênero no exercício do poder. Rev. Estud. Fem.,  Florianópolis ,  v. 23, n. 3, p. 713-734,  Dec.  2015 .  Disponível em:  <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-026X2015000300713&lng=en&nrm=iso>. Acesso em 27 de novembro de 2020.


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